A história da Arca de Noé e do dilúvio encontra-se no livro do Génesis, na Bíblia. De acordo com a história, quando Deus viu a corrupção que grassava no mundo decidiu provocar um dilúvio para destruir a Sua criação. De todas as vidas humanas, só o justo Noé e a sua família foram autorizados a sobreviverem. Deus instruiu Noé para que construísse uma enorme arca, suficientemente grande para que um par de cada espécie de ser vivo no planeta pudesse acomodar-se no seu interior. Diz-se que as chuvas enviadas por Deus castigaram a Terra durante quarenta dias e quarenta noites, até que toda a superfície sólida do planeta ficou submersa. Quando as chuvas finalmente pararam e as cheias começaram a recuar, a arca de Noé tocou o solo na área do monte Ararat (na actual Turquia). Noé soltou um pombo para ver se havia algum local em que pudesse pousar, mas o pombo regressou. Passados mais sete dias Noé soltou-o de novo e desta feita regressou com uma folha de oliveira no bico. Depois de esperar mais uma semana, o pombo foi solto novamente e não regressou. Noé sabia agora que havia terra firme e estava na hora de abandonar a embarcação. Chegado a terra, Noé ofereceu um sacrifício. Deus aprovou e prometeu a Noé que nunca mais inundaria a Terra pelos pecados da Humanidade, simbolizando a sua promessa com um arco-íris no céu.
A arca em si, de acordo com a Bíblia, era semelhante a uma enorme barcaça, provavelmente construída com madeira de cipreste e calafetada com betume para ficar estanque. O Génesis apenas menciona uma janela, apesar de talvez ter havido mais, e uma porta num lado da arca; a embarcação continha numerosos compartimentos espalhados por três convés interiores. As dimensões da arca eram aproximadamente de cento e quarenta metros de comprimento, vinte e dois de largura e quinze de altura, proporções que fazem da arca o maior navio oceânico anterior ao Século XX, com uma tonelagem semelhante à do Titanic. O seu comprimento ultrapassa o de qualquer outra embarcação de madeira alguma vez construída. Uma questão que tem sido muito debatida é se tal navio teria capacidade para transportar dois exemplares de cada espécie animal, já para não falar de como Noé e a sua família foram capazes de os capturar a todos. A teoria aceite é que, se a história da Arca de Noé for interpretada à letra, então a embarcação pode ter transportado famílias em vez de espécies – assim, em vez de levar todas as espécies da família dos felinos (leões, tigres, leopardos…) a barca só levou um macho e uma fêmea que representassem todos os felinos.
A busca pelos restos da evasiva arca já decorre talvez há dois mil anos e tal achado, se alguma vez fosse feito, seria uma prova extraordinária para a realidade literal da Bíblia. O Génesis 8:4 afirma que a arca pousou «nas montanhas de Ararat», o que indica não uma montanha específica mas toda uma região. Infelizmente, a busca pela arca na era moderna, ou arcaologia como por vezes lhe chamam, está polvilhada com investigações dúbias e embustes descarados. Um dos primeiros a terem afirmado que viram a arca no Século XX foi o explorador francês Fernand Navarra. Em 1955, Navarra subiu aparentemente mais de quatro quilómetros no monte Ararat e descobriu madeira trabalhada à mão no interior de uma parede de gelo. Ele afirmou que conseguira remover uma amostra da madeira, que trouxe consigo.
Numa expedição posterior, em 1969, ele encontrou mais madeira. As amostras das duas expedições foram depois submetidas a seis laboratórios diferentes e produziram datas entre 1190 e 1690 anos antes. Mas essas datas são demasiado recentes para terem alguma ligação com a Arca de Noé, mesmo que o material tenha sido genuinamente encontrado em Ararat. Existem, contudo, várias razões para duvidar disso. Navarra especificou várias localizações onde supostamente encontrou a madeira e também foi sugerido, por um membro da sua expedição e pelos seus guias, que Navarro de facto comprou a madeira a autóctones numa vila e carregou-a para a montanha. A localização de Ararat era extremamente sensível, pois ficava na fronteira com a União Soviética (hoje com a Arménia), o que limitou o número de expedições modernas em busca da arca, apesar de ser cada vez mais provável que haja pouco para encontrar. A partir de 1973, o antigo astronauta da NASA James Irwin liderou várias expedições ao monte Ararat, mas, tal como dezenas de montanhistas e exploradores antes dele, não encontrou qualquer indício da arca. Contudo, existe outra possível localização para os restos da Arca de Noé. O local fica cerca de trinta quilómetros a sul do cume do Grande Ararat, perto da cidade de Dogubayazit, apenas a três quilómetros a norte da fronteira iraniana. Uma fotografia aérea tirada por um piloto da Força Aérea turca em 1959 (numa missão de mapeamento da NATO) revelou uma canoa ou objecto em forma de barco a sair da rocha, a mil e novecentos metros de altitude na região montanhosa de Akyayla. No entanto, a expedição que se dirigiu ao local em 1960, e que chegou a dinamitar um dos lados da suposta arca, não descobriu indícios que provassem que o objecto não era uma formação natural. Apesar destas conclusões negativas, o aventureiro e enfermeiro anestesista Ron Wyatt ganhou imensa publicidade nos anos oitenta e noventa quando afirmou que esta formação geológica era de facto a verdadeira arca. Durante a sua primeira viagem ao cume, ele conseguiu descobrir um conjunto de artefactos deveras impressionantes. Entre eles estavam âncoras de pedra marcadas com cruzes (que ele acreditava terem sido utilizadas por Noé para pilotar a grande embarcação), rebites de ferro, porcas e madeira petrificada que pertenceria à arca.
As âncoras de pedra foram explicadas por arqueólogos arménios como esteias arménias pré-cristãs (lápides) regravadas no período cristão, provavelmente entre 301 e 406 d. C. As amostras de pedra que continham a suposta madeira petrificada de Wyatt foram mais tarde examinadas por geólogos e não foi encontrado qualquer rasto de madeira. Quanto aos artefactos de metal, acabou por se descobrir que eram pedaços de óxido de ferro que surgem naturalmente. Quando o local foi reexaminado em 1987, utilizando um radar que penetra no solo, os resultados indicaram uma formação de natureza geológica.
Em 1993, a cadeia de televisão CBS, dos EUA, transmitiu um documentário feito pela Sun International Pictures intitulado «A Incrível Descoberta da Arca de Noé». Neste programa, George Jammal, um actor isreaelita que vivia em Long Beach, na Califórnia, afirmou que possuía um pedaço de madeira antiga proveniente da Arca de Noé. O programa foi aparentemente visto por quarenta milhões de espectadores, que naturalmente partiram do princípio de que se tratava de um documentário sério acerca da Arca de Noé referida na Bíblia. Mais tarde, Jammal admitiu que a história era um embuste completo e que ele nem sequer tinha estado na Turquia. A madeira antiga, que os investigadores do programa nem se tinham dado ao trabalho de testar, era de facto um pedaço de madeira retirado do caminho-de-ferro próximo do seu local de trabalho em Long Beach. Mais recentemente, Daniel McGivem, da Coligação Cristã do Havai, afirmou que tinha descoberto a arca em fotografias de satélite do monte Ararat. Ele disse que tinha «noventa e oito por cento de certeza» de que era a arca, e uma das imagens até mostrava as traves de madeira na embarcação.
Em 2004, McGivern anunciou com grande alarido que iria empreender uma expedição de novecentos mil dólares a Ararat que teria lugar em Julho desse ano, para provar que a anomalia de Ararat, como ficou conhecida a imagem, era de facto a Arca de Noé. Posteriormente, McGivern viu ser recusada pelo governo turco a autorização de entrar na área, pois o cume do Ararat está no interior de uma área militar restrita. Contudo, algumas pessoas suspeitaram de que esta expedição nem sequer era genuína. A escolha de Ahmet Ali Arslan, um professor de Inglês na Universidade de Seljuk, na Turquia, como líder da expedição levou muitos exploradores da arca a ficarem desconfiados. Arslan tinha estado previamente envolvido no falso documentário transmitido pela CBS em 1993 e também foi acusado de ter falsificado fotografias da arca. Muitos consideram agora que a expedição, que acabou por ser anulada, não passou de uma manobra publicitária. Contudo, apesar dos inúmeros embustes e exageros que rodeiam o assunto, e das repetidas tentativas falhadas para encontrar quaisquer indícios físicos da arca, muitos ainda acreditam que a história da Arca de Noé é verdadeira e que um dia os seus restos serão localizados na região de Ararat.
A lenda de uma grande inundação e de um herói escolhido especialmente para lhe sobreviver e trazer nova vida ao mundo não é exclusiva da Bíblia. Esta narrativa tem paralelos em muitas mitologias do mundo antigo e partilha inúmeras características com relatos da mitologia assírio-babilónica em particular. Destas, a mais conhecida é a Epopeia de Gilgamesh, uma história que tem origem na Babilónia, mas a sua versão mais completa está preservada em placas de barro da colecção do rei assírio do Século VII a. C. chamado Asurbanípal. As versões sumérias (do Sul da Mesopotamia) mais antigas do épico fazem-nos recuar até à terceira dinastia de Ur (2100 a. C.–2000 a. C.). A narrativa fala de Ellil, chefe dos deuses, que está prestes a destruir a Humanidade com um dilúvio. Um homem chamado Utnapishtim é avisado pelo deus Ea (o deus da água) do dilúvio que se aproxima e recebe instruções para desfazer a sua casa de canas e construir uma grande embarcação ou arca para se salvar. Ele deverá levar na arca a sua família e representantes de cada espécie animal. Depois de uma feroz tempestade que se abateu durante sete dias e de passar doze dias a flutuar nas cheias, a embarcação toca o chão no monte Nisir. Após esperar sete dias, Utnapishtim solta um pombo, que acaba por regressar, e finalmente liberta um corvo que não regressa. Utnapishtim faz então um sacrifício ao deus Ea e é concedida a imortalidade a si e à sua mulher. As semelhanças com a história da inundação bíblica são demasiado evidentes, mas existe algum indício arqueológico que indique que uma inundação global tão grande aconteceu de facto em algum momento do passado remoto?
Existem certamente provas em grande quantidade de cheias pré-históricas na Mesopotâmia, uma região que incluía partes dos actuais Iraque, Turquia e Síria – por exemplo na localidade de Ur, no golfo Pérsico, no Sul da Mesopotâmia. No seu livro de 1999 «Noah’s Ark and the Ziusudra Epic: Sumerian Origins of the Flood Myth», Robert M. Best fala de uma cheia que ocorreu durante seis dias no rio Eufrates por volta de 2900 a. C. como uma explicação para o dilúvio bíblico. A sua engenhosa teoria é que Noé seria de facto uma personagem histórica chamada Ziusudra, um rei-sacerdote da cidade suméria de Shuruppak. Ele sugere que Ziusudra e a sua família foram arrastados pelo rio Eufrates até ao golfo Pérsico numa espécie de barcaça comercial. Ficaram então à deriva durante quase um ano até que eventualmente encalharam num estuário perto da foz do rio. Esta inundação específica foi confirmada arqueologicamente, mas mais uma vez foi uma cheia fluvial local, não um dilúvio generalizado.
Outra teoria de dilúvio foi apresentada por Walter Pitman e William Ryan, dois geólogos da Universidade de Columbia, em Nova Iorque. No seu livro «O Dilúvio de Noé», publicado em 2000, Pitman e Ryan afirmam que o relato bíblico do dilúvio de Noé foi baseado numa cheia cataclísmica do mar Negro, que aconteceu no início do período neolítico, por volta de 5600 a. C. O mar Negro, que era então um lago de água doce, foi inundado quando o nível do Mediterrâneo subiu, no final da última Era Glaciar, e milhões de metros cúbicos das suas águas irromperam pelo apertado estreito do Bósforo. O mar Negro rapidamente encheu e extravasou, inundando grandes extensões circundantes. Calculou-se que as terras baixas à volta do lago teriam desaparecido à incrível velocidade de um quilómetro e meio por dia. Quando aconteceu esta grande catástrofe a região estaria provavelmente habitada por uma considerável população agrícola, que teve de fugir para escapar ao dilúvio. Um tal cataclismo teria certamente ficado gravado na memória colectiva e seria depois passado de geração em geração, provavelmente com a adição de elementos míticos ao longo do tempo, até que chegaria à forma que hoje reconhecemos. Apesar de tal explicação não servir de todo para provar a verdade literal do dilúvio bíblico, serve para aduzir um evento catastrófico no qual se podem ter baseado muitas das histórias de inundações encontradas na mitologia das civilizações do Médio Oriente.