A decisão da Igreja de colocar Jesus contra Apolónio

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Rivalidade entre Jesus e Apolónio
Rivalidade entre Jesus e Apolónio

Já dissemos que Apolónio, taumaturgo e filósofo, assemelhava-se demasiadamente a Jesus, facto este que deve ter influenciado a Igreja cristã a tentar esconder do público a sua existência e a considerá-lo, séculos mais tarde um “instrumento de Satanás”. A título de parênteses e para lançar ainda mais a confusão podemos dizer que o próprio Jâmblico apresentou uma biografia de Pitágoras, também ela bastante semelhante à vida de Jesus.

Também dissemos que até ao fim do Século II os ensinamentos de Apolónio foram reverenciados pelos povos por onde viajou. Mas, no Século III a situação alterou-se de sobremaneira, pois alguns cristãos, preocupados que estavam em propagar os seus dogmas, tentaram por todos os meios denegrir a imagem do filósofo. E conseguiram-no, já que os seus ensinamentos e os prodígios que operava passaram a ser vistos como oponentes aos de Jesus e, assim, abriram-se as hostilidades, lideradas pela Igreja, para desacreditar Apolónio: os seus escritos foram queimados e, logo que o Cristianismo passou a ser a religião oficial do Império Romano, considerou hereges (incluindo nesta categoria as escolas gnósticas) todos os que se opunham à Igreja nascente. Daí que sejam escassos os Documentos que sobreviveram até aos dias de hoje.

Depois do paganismo, e com o domínio da Igreja, que ainda hoje se faz sentir, tentaram-se eliminar quaisquer provas ou mesmo vestígios da existência de Apolónio; não obstante, a sua reputação manteve-se ao longo dos séculos, inclusivamente entre os árabes, que o consideravam um mestre em alquimia.

Logo que a Igreja se estabeleceu como poder temporal no Império Romano, viu em Apolónio o grande rival de Jesus e, como tal, tudo fez para destruir a sua imagem e o seu trabalho junto aos povos. Daí que a circulação de biografias sobre Apolónio de Tiana tivesse sido evitada.

A situação agravou-se mais ainda com o Concílio de Niceia em 325. Aliás, se há assunto que mais incomode a Igreja é este concílio. Não vamos falar sobre as decisões tomadas nele,  mas vale a pena reforçar, neste contexto, que foi neste Concílio de Niceia que a Igreja elaborou a Bíblia. Voltaire, a este propósito, tem um texto interessante que é oportuno aqui referir pelo seu enquadramento: “E relatado no suplemento do Concílio de Niceia que os Padres estavam incomodados em saber quais os livros que deveriam ser apócrifos do Antigo e Novo Testamento e então colocaram-nos de qualquer maneira sobre a mesa e os que caíssem deveriam ser rejeitados” (in «Du Dic-tionnaire Philosophique»). Assim foram designados os escritos canónicos, tendo logo começado a perseguição a todos os outros escritos que, a partir daí, passaram a ser considerados apócrifos.

Jesus Cristo
Jesus Cristo

O grande aliado da Igreja foi o imperador Constantino que, não querendo entrar em quezílias religiosas que giravam em torno da questão de Jesus ser criado ou incriado – preocupando-se, mais do que tudo, com a sua própria imagem —, criou convenientemente uma nova religião de acordo com o seu perfil, uma vez que a religião de Roma encontrava-se já em decadência. Por sua vez, os Padres da Igreja que não eram nada inocentes quanto à perseguição movida aos essénios, viram o Cristianismo revisto como uma oportunidade de agradarem a Constantino e de melhorarem a sua imagem face à opinião pública. Sobre esta reviravolta é interessante citar um estudioso católico, Reville, que diz:

“O triunfo da cristandade durante o reinado de Constantino foi sempre considerado como uma inesperada revolução e uma daquelas surpresas históricas que, não tendo qualquer relação com outro acontecimento do passado, parecem quase um milagre. Leva-nos a conjecturar qual terá sido o processo pelo qual a mente humana passou do desdém e da mais completa recusa dos ensinamentos da cristandade para o interesse e simpatia às doutrinas do novo credo… ”

Para agradar ao imperador Constantino, os Padres da Igreja tiveram de abolir alguns pontos que seriam objecto de recusa para a aceitação da nova doutrina. Era o caso do consumo de carne e das bebidas alcoólicas. Alguns correctores que então foram designados ficaram responsáveis por reescrever os Evangelhos, retirando do seu conteúdo tudo o que dissesse respeito a vegetarianismo e abstinência de álcool. Refira-se que, neste aspecto, até os próprios Padres da Igreja não estavam preparados para mudar drasticamente de hábitos. A primeira perseguição, movida por Constantino, foi aos Arianos (seguidores de Árius), denominando-os de hereges, obrigando-os, então, a fugir sem que os seus livros não tivessem sido confiscados e destruídos.

Que os Evangelhos tenham sido adulterados e reescritos no Concílio de Niceia é provado pelo testemunho do Arcediago Wilberforce que declara:

“Alguns ainda não se deram conta que após o Concílio de Niceia em 325 d. C. os manuscritos do Novo Testamento foram consideravelmente mexidos. O Professor Nestle na sua «Introduction to the Textual Criticism ofthe Greek Testament» diz-nos que alguns académicos, denominados de ‘correctores’ foram designados pelas autoridades eclesiásticas e comissionados a corrigir o texto da Escritura no interesse do que era considerado Ortodoxia. ”

Como comentário a esta declaração do arcediago, ver. G. J. Ou-seley em «Gospel ofthe Holy Twelve» escreve o seguinte:

“Aquilo que os ‘correctores’ fizeram foi cortar minuciosamente dos evangelhos alguns ensinamentos do Nosso Senhor que eles não faziam tenção de seguir… nomeadamente no que dizia respeito a comer carne e a tomar bebidas fortes… ”

Do exposto somos levados a pensar que o Concílio de Niceia foi um marco significativo para adulterar não só os ensinamentos originais como também substituir o homem que corporizava essas mesmas doutrinas, substituindo-o por outro mais consentâneo com as novas doutrinas. O nome deste segundo homem que não era vegetariano nem proibia o consumo de bebidas era o chamado Jesus Cristo bíblico, que substituiu Apolónio de Tiana, a pessoa histórica, o grande reformador e pedagogo do I Século da nossa era.

Nos tempos mais recentes, nomeadamente em 1829, Taylor em «Diegesis» escreve o seguinte:

“Investigámos todos os Documentos que reclamassem uma investigação mais atenta e que a história tivesse preservado das mudanças ocorridas no primeiro século, e nem uma passagem, por mais simples que fosse (mesmo que esta tivesse sido escrita em qualquer um dos anos dos primeiros séculos), foi produzida no sentido de mostrar a existência de um homem Jesus Cristo ou de um grupo de homens que pudesse assemelhar-se aos seus discípulos. ”

Findo o Concílio de Niceia, a temerosa comparação dos milagres de Apolónio com os de Jesus bíblico tornou imprescindível a queima de todos os registos da sua existência, principalmente os dos três primeiros séculos da nossa era. A primeira acção dos Padres da Igreja, logo depois de terem criado a nova religião e o Messias renascido, foi destruir todos os livros e registos que tinham sido escritos nos últimos séculos e que não faziam qualquer menção a Jesus, mas que se referiam largamente a Apolónio.

Apesar de terem destruído muitos livros, salvaguardou-se um com o título «Life of Apollonius of Tyana», escrito por Flavius Philostratus no início do terceiro século d.C. Este livro é temido pela Igreja, pois nele não consta qualquer tipo de referência sobre Jesus e o Cristianismo, apresentando Apolónio de Tiana como o grande mestre do I Século, reverenciado em todo o Império Romano por todos, desde o Imperador até ao povo.

Esta famosa biografia sobre Apolónio de Tiana foi encomendada (se assim podemos dizer) pela mãe do imperador Caracalla a Flavius Philostratus em 216 d.C. Domina Julia reuniu os muitos manuscritos sobre Apolónio e, juntando o diário de Damis, companheiro de Apolónio, entregou-os a Filóstrato. Apesar da destruição intencional’ da biblioteca de Alexandria (onde 400.000 volumes foram reduzidos a cinzas por um édito de Teodósio), a obra de Filóstrato foi secretamente preservada pelos árabes, ficando, posteriormente, acessível ao mundo ocidental através da sua tradução para o latim em 1501. Os dois primeiros manuscritos de Flavius Philostratus foram publicados em 1680 e, de imediato, foram condenados pela Igreja que se prontificou a queimar tantas cópias quantas surgissem. A única tradução completa para inglês, feita por E. Berwick, em 1809, foi apreendida e queimada pela Igreja. Este auto-de-fé não era de todo inocente, pois Apolónio tinha muita influência dentro das comunidades cristãs e não seria conveniente ter-se conhecimento deste facto.

Por isso, foi com relativa facilidade que se pôde usar com sucesso o método da falsificação. Assim sendo, a Igreja inundou o mundo de então com grande número de cópias falsas dos ensinamentos de Apolónio. Isto funcionou de tal modo eficazmente que, até hoje, só um estudioso da matéria de ocultismo consegue distinguir o que é verdadeiro e o que é falso. Assim, nos séculos seguintes ao seu nascimento, Ele foi quase total e oficialmente esquecido e o seu nome colocado na galeria dos mitos. Em todas as bibliotecas, membros desta “confraria” de falsificadores colocam obras falseadas como sendo de Apolónio. Contudo, geram profundas e irremediáveis suspeitas pelas incoerências nelas contidas. A incredulidade a respeito deste Mestre deve-se, em parte, ao trabalho de falseadores e, em parte, à magnitude de tudo aquilo que ele realizou e que o qualificou como uma figura lendária. Assim sendo, quase tudo o que existe escrito sobre Apolónio, e sobre os ensinamentos a ele atribuídos é, em grande parte, falso. No entanto, existem alguns Documentos autênticos, mas são zelosamente guardados.

Fonte: LIVRO: «Apolónio de Tiana – O Taumaturo Contemporâneo de Jesus» de Eduardo Amarante, Dulce Leal Abalada & George Robert Stowe Mead

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