Exactamente em Abril de 1967, a CIA redigiu um despacho, no qual cunhou a expressão “teorias da conspiração” e recomendou práticas para desacreditar tais teorias. O despacho/memorando levava um carimbo, “psico”, fórmula abreviada para “operações psicológicas” ou “acção de desinformação” e outro carimbo, “CS”, sigla da unidade de “Clandestine Services” da CIA.
O despacho da CIA foi redigido em resposta ao requerimento de informações feito a uma corte judicial, nos termos do Freedom of Information Act, pelo jornal New York Times, em 1976.
A CIA, naquele documento diz:
1. Essa tendência é motivo de preocupação para o governo dos EUA, inclusive para a nossa organização.
O objectivo desse despacho é oferecer material que contradiga e desacredite os argumentos dos teóricos da conspiração, e também inibir a circulação dessas opiniões noutros países. Aqui se oferece informação de fundo, apresentada em secção sigilosa, e vários anexos não sigilosos.
2. Não recomendamos que a questão (Conspirações) seja iniciada onde já não esteja implantada. Onde a discussão já esteja activada são indispensáveis algumas medidas:
a. Discutir publicamente o problema com contratos amigáveis na elite (especialmente políticos e editores de Imprensa), mostrando que a investigação oficial do evento em discussão, foi uma investigação tão exaustiva quanto humanamente possível, que as acusações dos críticos não têm qualquer fundamento e que mais discussões sobre o tema só favorecem a oposição. Deve-se também destacar as partes das conversas sobre alguma conspiração que mais pareçam deliberadamente geradas por propagandistas;
Conclamar aquelas elites para que usem a influência que têm e desencorajem qualquer especulação como sendo irresponsável e sem fundamento.
b. Usar todos os recursos de propaganda acessíveis para refutar os ataques vindos dos críticos. Colunas amigáveis assinadas por especialistas e resenhas de livros são especialmente adequadas para esse objectivo. Os anexos desse documento de orientação contêm material útil para ser passado aos agentes;
O nosso discurso deve destacar, sempre que couber, que os críticos já diziam a mesma coisa antes de haver qualquer indício ou prova, que têm interesses políticos, que têm interesses financeiros, que dizem qualquer coisa, sem qualquer pesquisa ou investigação que o comprove, ou que só dão atenção a teorias que eles mesmos inventem.
3. Em contratos privados com os meios de Comunicação Social, não dirigidos directamente a qualquer jornalista, colunista, editor ou escritor em particular, ou para atacar publicações que ainda não estejam nas ruas, os seguintes argumentos podem ser úteis:
a. Não surgiu nenhuma nova prova, que a comissão de investigação não tenha considerado;
b. Regra geral, os críticos sobrevalorizam itens específicos e ignoram outros. Tendem a dar mais ênfase às lembranças de testemunhas individuais (sempre menos confiáveis e mais divergentes – e, portanto, mais vulneráveis a críticas);
c. Seria impossível ocultar as grandes Conspirações seguidamente sugeridas nos EUA, especialmente porque os informantes poderiam ganhar muito dinheiro se denunciassem as Conspirações, etc.;
d. Os críticos são sempre tomados por alguma espécie de vaidade intelectual, falam de uma teoria e apaixonam-se por ela para sempre e criticam os investigadores porque nem sempre respondem com prova cabal e decisão absoluta numa direcção ou noutra;
e. Quanto a acusações de que os relatórios da comissão de investigação seria serviço apressado, sem cuidado e só foi distribuído três meses depois do prazo marcado inicialmente, poderá dizer-se que a comissão muito se esforçou para apressar a divulgação do relatório, o atraso explica-se pela pressão de especulação irresponsável que já surgia antes até do relatório ser conhecido, em alguns casos vinda dos mesmos críticos que, se recusando a admitir os próprios erros, aparecem agora com novas críticas;
f. Acusações vagas como “mais de dez pessoas morreram misteriosamente” podem sempre ser explicadas por via natural.
4. Sempre que possível, reagir contra a especulação forçando a referência ao próprio relatório da comissão. Leitores estrangeiros de mentalidade aberta podem sempre ser impressionados pelo cuidado, atenção, objectividade e velocidade do trabalho da comissão de investigação. Especialistas em resumir livros para a Imprensa, devem ser encorajados a acrescentar, ao que digam sobre, a ideia de que, recorrendo sucessivas vezes ao texto do relatório da comissão de investigação, perceberam que o relatório foi trabalho muito mais bem feito que o trabalho dos que o criticam.
Resumo das tácticas que o despacho/memorando da CIA recomendava, contra os “teóricos da conspiração”:
– diga sempre que seria impossível que tanta gente mantivesse segredo sobre alguma grande conspiração;
– consiga que pessoal amigável ataque as ideias de conspiração, e insistam na ideia de repetir sempre o relatório da comissão de investigação;
– diga sempre que testemunho ocular não é confiável;
– diga sempre que são notícias velhas porque “não surgiu nenhuma nova prova”;
– ignore completamente o que se diga sobre Conspirações, excepto se a discussão já estiver activa demais;
– diga sempre que especular é comportamento irresponsável;
– acuse os teóricos da conspiração de serem vaidosos de suas próprias ideias e de não serem capazes de superá-las;
– acuse os teóricos da conspiração de terem motivação Política;
– acuse os teóricos da conspiração de terem interesses financeiros na promoção de teorias de Conspirações.
Noutras palavras, a unidade de serviços clandestinos da CIA criou argumentos para atacar o que chamou de “teorias da conspiração” e “declará-las” não confiáveis, nos anos 1960s, como parte de suas operações de guerra psicológica.
Mas serão as teorias da conspiração uma loucura total?
Evidentemente que não. Por exemplo, o esquema Ponzi de Bernie Madoff foi um crime de conspiração, movido por uma teoria daquela conspiração específica.
Conspirar é um crime muito claramente tipificado na lei norte-americana, ensinado no primeiro ano de qualquer faculdade de direito como item do currículo básico. Dizer a um juiz que alguém está envolvido numa “teoria da conspiração” é como dizer em juízo que o sujeito matou, roubou, invadiu propriedade alheia, roubou um carro. É um conceito legal claro e conhecido.
Madoff não é o único. Directores da Enron foram também condenados por crime de conspiração, e também o director da Adelphia.
Justin Fox, colunista de finanças da Time Magazine escreveu:
“Algumas Conspirações no mercado financeiro são reais. Muitos bons repórteres que investigam são teóricos de Conspirações, por falar nisso”.
E também são criminosos, pela prática do crime de conspiração – desde que os crimes sejam denunciados e provados e os réus sejam condenados – a Agência de Segurança Nacional (NSA) e as empresas de tecnologias que ajudem na prática do crime.
“Os nossos líderes nunca fariam tal coisa“
Embora já haja quem admita que empresários e funcionários de baixo escalão possam envolver-se em Conspirações – ainda há muita gente que resiste à ideia de que os mais ricos e os muito poderosos também podem ter praticado o crime de conspirar.
A verdade é que até os mais poderosos conspiram e alguns até confessaram. Por exemplo, o administrador do gabinete de informações e assuntos de regulação do governo Obama, Cass Sunstein, escreveu:
“Claro que algumas teorias conspiracionistas, conforme a nossa definição, comprovaram-se verdadeiras. O quarto do hotel Watergate usado pelo comité nacional do Partido Democrata foi realmente invadido e teve instalados equipamentos para escuta clandestina, por funcionários do Partido Republicano a mando da Casa Branca. Nos anos 1950s, a CIA administrou realmente LSD e outros alucinogénos a participantes do Projecto MKULTRA, para investigar possibilidades de “controle da mente”. A Operação Northwoods, o muito discutido plano do departamento de defesa para simular actos de terrorismo e culpar Cuba, foi realmente proposto, como conspiração, por funcionários de alto escalão do governo”.
“Alguém teria dado com a língua nos dentes”
Argumento sempre repetido por quem queira desviar a atenção de uma investigação, “diagnosticando” alguma “conspiração” no ar e que “alguém teria dado com a língua nos dentes”, caso houvesse ali realmente alguma conspiração.
Quem explica é o conhecido “destruidor” de mentiras e “whistleblower” Daniel Ellsberg:
“Ouve-se muito que “não se consegue guardar segredos em Washington” ou que “numa democracia, não importa o quanto o segredo seja sensível, é provável que, dia seguinte, seja publicado no New York Times”. Não há tolice maior, nem truísmo mais falso. Há, sim, histórias ocultadas, meios para enganar e desviar a atenção de jornalistas e leitores, que são parte do processo para encobrir o que é realmente secreto. Claro que eventualmente muitos segredos acabam por ser revelados, que talvez não fossem jamais revelados numa sociedade absolutamente totalitária. Mas a verdade é que a vastíssima maioria dos segredos jamais chegam ao conhecimento da opinião pública norte-americana. É verdade mesmo quando a informação ocultada é bem conhecida de algum inimigo e quando é claramente essencial para a operação do poder de Guerra do congresso e para algum controlo democrático sobre a Política externa”.
A realidade desconhecida do público e de muitos membros eleitos do congresso e da Imprensa é que segredos da mais alta importância para muitos deles podem, sim, permanecer confortavelmente ocultados por autoridades do executivo durante décadas, mesmo que sejam bem conhecidos por milhares de “insiders“.
A História prova que Ellsberg tem razão. Por exemplo:
– 130 mil pessoas, dos EUA, Grã–Bretanha e Canadá trabalharam no Projeto Manhattan. O segredo foi mantido durante anos;
– Um documentário da BBC mostra que:
Houve uma tentativa de golpe nos EUA em 1933, organizado por um grupo de empresários norte-americanos de extrema direita. O golpe pretendia derrubar o presidente Franklin D. Roosevelt, com o auxílio de meio milhão de veteranos de Guerra. Os golpistas, entre os quais estavam algumas das mais famosas famílias norte-americanas (proprietários da Heinz, Birds Eye, Goodtea, Maxwell Hse & George Bush (avô de George W. Bush), Prescott) acreditavam que o país devesse adoptar políticas de Hitler e Mussolini para superar a grande depressão.
Mais do que isso, os magnatas disseram ao general Butler que o povo norte-americano aceitaria o novo governo, porque aquelas famílias controlavam todos os jornais”. Alguém ouvira falar, antes, dessa conspiração? Com certeza foi uma conspiração vastíssima. E, se os golpistas controlavam a Imprensa naquela altura, muito mais controlam hoje, com as “empresas de imprensa” já “consolidadas”.
– sete de oito bancos gigantes “ruíram” nos anos 1980, durante a “crise latino-americana”, e a resposta do governo foi ocultar a insolvência. A ocultação-falcatrua durou várias décadas;
– bancos foram envolvidos em comportamentos criminosos sistemáticos e manipularam todos os mercados;
– há 50 anos que os governos encobrem o derretimento do núcleo radioactivo de usinas nucleares, para proteger a indústria nuclear. Os governos operaram sempre para encobrir a gravidade de inúmeros outros eventos com comprometimento do Meio Ambiente. Durante muitos anos os funcionários do Texas intencionalmente informaram índices diminuídos de radiação na água potável, para evitar ter de notificar violações das normas;
– a vigilância ilegal do governo dos EUA sobre os cidadãos começou sete meses antes do 11 de Setembro;
– a decisão de iniciar a Guerra do Iraque foi tomada antes do 11/9. De fato, o ex-director da CIA George Tenet afirmou que a Casa Branca queria invadir o Iraque muito antes do 11 de Setembro, e inseriu “lixo” nas suas justificativas para invadir o Iraque. O ex-secretário do tesouro, Paul O’Neill – membro do conselho de segurança nacional – também afirmou que Bush planeou a Guerra do Iraque antes do 11/9. E altos funcionários britânicos dizem que os EUA discutiram a mudança de regime no Iraque um mês antes de Bush ser empossado. Dick Cheney ao que parece até converteu os campos de petróleo iraquianos em prioridade nacional dos EUA antes do 11 de Setembro;
E há muito tempo se sabe que um pequeno número de pessoas foi responsável por deliberadamente ignorar as muitas evidências de que não havia armas de destruição em massa no Iraque. São factos que só recentemente foram abertos para conhecimento público. De facto, Tom Brokaw até explicou que “todas as Guerras são baseadas em propaganda”.
E esforço organizado para gerar propaganda é uma conspiração e é crime nos EUA, tais como:
– apoio a terroristas para promover objectivos geopolíticos;
– apoio a ataques terroristas de “Falsa Bandeira”;
A admissão ocorre sempre várias décadas depois dos eventos. O que mostra que, sim, é possível manter Conspirações em segredo por muito tempo, sem que alguém “dê com a língua nos dentes”.
Além do mais, os que supõem que os conspiradores dariam “com a língua nos dentes ” esquecem-se que o pessoal militar ou de inteligência – e quem tenha quantias gigantescas de dinheiro investido numa “operação” secreta – tende a ser muitíssimo disciplinado. Dificilmente se embebedam num balcão de bar e põem-se a gabar do que fazem e de quem conhecem…
Por fim, pessoas que se envolvem em operações clandestinas podem fazê-lo por profunda convicção ideológica. Jamais subestime a convicção de um ideólogo!
Conclusão
A conclusão disso tudo é que há Conspirações inventadas, mas há Conspirações reais. Umas e outras têm de ser avaliadas pelos factos que lhes dão forma.
Quem opera longe dos contrapesos e controlos democráticos – e sem a força desinfectante da luz do sol da supervisão democrática – tende a pensar mais nos próprios interesses e os mais fracos são os mais prejudicados. Gente de poder podem não ser más pessoas. Mas podem ser sociopatas, bandidos, doidos perversos.
Na dúvida, se alguém tentar dissuadi-lo de investigar, e acusá-lo de ter sucumbido a alguma “ridícula teoria da conspiração” – expressão que a CIA inventou para afastar bons cidadãos de boas investigações – não pare, não veja, não ouça e investigue mais e mais.
Fonte: Redecastorphoto