Na prática, portanto, os valores das constantes mudam. Mas na teoria são supostamente imutáveis. O conflito entre a teoria e a realidade empírica é por norma descartado sem discussão, porque se parte do princípio de que todas as variações são devidas a erros experimentais, e de que os valores mais recentes são os melhores. Os metrologistas são tratados com indulgência ilimitada. Os valores passados das constantes são rapidamente perdoados e esquecidos.
Mas imaginemos que as constantes mudam de facto. Imaginemos que a natureza subjacente da natureza varia. Antes que seja sequer possível discutir esta questão, é necessário pensar num dos pressupostos fundamentais da Ciência tal como a conhecemos: a fé na uniformidade da natureza. Para o crente fervoroso, estas questões não fazem sentido. As constantes têm mesmo de ser constantes.
As constantes, na sua maioria, só desde há poucas décadas são medidas neste pequeno recanto do universo, com variações erráticas. A ideia de que todas as constantes são iguais em todos os tempos e lugares não resulta de qualquer extrapolação de dados. Se fosse uma extrapolação, seria uma monstruosidade. Os valores das constantes, medidos por esse mundo fora, variaram consideravelmente ao longo dos últimos cinquenta anos. Supor que durante quinze mil milhões de anos não mudaram, em nenhum ponto do universo, é algo que ultrapassa de longe as escassas provas disponíveis. O facto de esta suposição ser tão pouco questionada, tão facilmente aceite sem reservas, demonstra a força da fé científica nas verdades eternas.

Segundo o catecismo tradicional da Ciência, tudo é comandado por leis fixas e constantes eternas. As leis da Natureza são as mesmas em todos os tempos e lugares. Mais se assemelham a Ideias eternas – no sentido da filosofia platónica – do que a coisas que evoluem. Não são feitas de matéria, Energia, campos, espaço ou tempo; não são feitas de nada. Em suma, são imateriais e não-físicas. Tal como as ideias platónicas, estão subjacentes a todos os Fenómenos como a sua razão oculta ou logos, transcendendo o espaço e o tempo.
Claro que toda a gente concorda que as leis da natureza formuladas pelos cientistas mudam de vez em quando, do mesmo modo que as antigas teorias são parcial ou totalmente ultrapassadas por outras, novas. Por exemplo, a teoria da gravidade de Newton, que assenta em forças que actuam à distância num tempo e espaço absolutos, foi substituída pela teoria do campo gravitacional de Einstein, que consiste em curvaturas do próprio espaço-tempo. Mas Newton e Einstein tinham em comum a fé platónica em que subjacentes às teorias mutáveis das ciências da natureza há leis verdadeiramente eternas, universais e imutáveis. E nenhum deles questionou a constância das constantes: pelo contrário, ambos conferiram grande prestígio a este pressuposto, Newton com a introdução da constante gravitacional universal, e Einstein ao tratar como algo de absoluto a velocidade da luz. Na moderna teoria da relatividade, C é uma constante matemática, um parâmetro que relaciona as unidades de tempo com as unidades de espaço; o seu valor é fixo por definição. A questão de saber se a velocidade da luz difere efectivamente de C, se bem que teoricamente concebível, parece ser de interesse marginal.
Para os pais fundadores da Ciência moderna, como Copérnico, Kepler, Galileu, Descartes e Newton, as leis da natureza eram ideias imutáveis da mente divina. Deus era matemático. A descoberta das leis matemáticas da natureza resultou de uma leitura directa da eterna Mente de Deus. Desde então, sempre houve físicos que se fizeram eco de idênticos sentimentos.
Pelos finais do Século XVIII, muitos intelectuais aderiram a uma crença conhecida por Deísmo, com uma divindade remota, racional e matemática despida dos atributos embaraçosos do Deus bíblico. Este ser supremo era cognoscível pela razão humana, sem necessidade de recorrer à revelação divina ou às instituições religiosas. Foi o Deus do deísmo que criou o Universo, mas a partir daí não desempenhou qualquer papel activo. Tudo aconteceu automaticamente, de acordo com as leis e constantes da Natureza. Estas leis, enquanto aspectos da mente divina, partilhavam dos atributos divinos; eram absolutas, universais, imutáveis e omnipotentes.

A partir dos princípios do Século XIX, o deísmo foi cedendo cada vez mais o lugar ao ateísmo. Deus tornou-se uma “hipótese desnecessária”, no dizer do físico francês Henri Laplace. A eternidade da matéria e da energia era garantida pelos princípios da conservação da matéria e da energia; a eternidade das leis da Natureza e a constância das constantes eram dados adquiridos. Os princípios matemáticos imateriais da Natureza eram algo de flutuante, autónomo e misteriosamente mental e potencialmente cognoscível pelos matemáticos.
Até aos anos 60 do Século XX, o Universo da física ortodoxa continuou a ser eterno. Mas desde há décadas que se vinham acumulando provas da expansão do Universo e a descoberta das radiações de fundo cósmico de microondas, em 1965, veio finalmente desencadear uma grande revolução cosmológica. Vingou a teoria do Big Bang. Em vez de um Universo mecânico eterno, que caminharia gradualmente para uma morte por calor termodinâmico, passou-se para a concepção de um cosmos que cresce, se desenvolve, evolui. E se o Universo teve uma origem, uma “singularidade” inicial, como dizem os físicos, de novo se levantam as velhas questões. De onde e de quê surgiram todas as coisas? Porque é que o Universo é como é? A estas se vem somar outra questão: se toda a natureza evolui, porque não hão-de evoluir também as Leis da Natureza? Se as leis são imanentes à Natureza em evolução, também elas têm de evoluir.
Os físicos, de uma maneira geral, continuam a adoptar a tradicional posição platónica. As leis não emanam do cosmos em evolução, antes lhe são impostas. Já existiam quando tudo começou, como uma espécie de Código Napoleónico cósmico. De algum modo, de um reino eterno, não físico mas mental – da mente de um Deus matemático, ou simplesmente de um mundo matemático etéreo – o Universo nasceu do vazio gerado por uma explosão original. É do físico Heinz Pagels a seguinte descrição:

“O nada “antes” da criação do Universo é o vazio mais completo que se pode imaginar – não existia espaço, nem tempo, nem matéria. Seria um mundo sem lugar, sem duração ou eternidade, sem número – é aquilo a que os matemáticos chamam “o conjunto vazio”. Mas este vazio impensável converte-se num pleno de existência – consequência necessária das leis físicas. Onde estão escritas nesse vazio as leis físicas? O que é que “diz” ao vazio que ele está prenhe de um possível Universo? Dir-se-ia que até o vazio está sujeito à lei, a uma lógica que existe antes do tempo e do espaço.”
As modernas tentativas de criar uma Teoria matemática de Todas as Coisas aceitam uma cosmologia evolucionista, mas ao mesmo tempo aceitam a fé tradicional nas eternas leis da natureza e a invariância das constantes fundamentais. Em certo sentido, as leis já existiam antes da singularidade inicial; ou melhor, elas transcendem simultaneamente o tempo e o espaço. Mas a questão mantém-se: porque é que as leis são como são? E porque hão-de as constantes fundamentais ter os valores particulares que têm?
Hoje em dia, este tipo de questões é discutido em termos do princípio cosmológico antrópico, como segue: Dos muitos universos possíveis, só um que tivesse as constantes definidas nos valores que hoje têm podia ter dado origem a um mundo com vida como aquele que conhecemos e permitido a emergência de cosmólogos inteligentes capazes de o analisar. Se os valores das constantes tivessem sido diferentes, não teria havido estrelas, nem átomos, nem planetas, nem pessoas. Mesmo que as constantes tivessem sido apenas ligeiramente diferentes, nós não existiríamos. Por exemplo, com uma alteração, por pequena que fosse, nos valores relativos das forças nuclear e electromagnética não poderiam existir átomos de carbono, e consequentemente não existiriam as formas de vida que têm por base o carbono, como nós. “O Santo Graal da física moderna está em explicar por que razão estas constantes numéricas […] têm os valores numéricos específicos que têm.”
Certos físicos inclinam-se para uma espécie de neo-deísmo, em que coube a um Deus-criador matemático a tarefa inicial de afinar as constantes, seleccionando de entre muitos universos possíveis aquele em que nos é possível evoluir. Outros preferem deixar Deus de fora da história. Uma forma de evitar a necessidade de um espírito matemático para definir as constantes da natureza é supor que o nosso universo resultou de uma espécie de espuma de universos possíveis. A bolha primordial que deu origem ao nosso universo era uma entre muitas. Mas o nosso universo tem de ter as constantes que tem pelo simples facto da nossa presença. É como se a nossa presença impusesse uma selecção. Pode haver inúmeros universos estranhos e inabitáveis que nós desconhecemos por completo, mas o único que nos é dado a conhecer é este.

Lee Smolin levou ainda mais longe este tipo de especulação, propondo uma espécie de darwinismo cósmico. Através de buracos negros, universos em estado embrionário brotariam de universos preexistentes e assumiriam vida própria. Alguns deles poderiam registar ligeiras mutações nos valores das suas constantes e por essa razão evoluir em sentido diferente. Só aqueles que formam estrelas podem formar buracos negros e consequentemente gerar descendentes. Portanto, por um princípio de fecundidade cósmica, só universos como o nosso se reproduziriam, podendo existir muitos universos habitáveis, mais ou menos idênticos ao nosso. Mas esta teoria altamente especulativa ainda não basta para explicar por que razão tem de existir um Universo, seja ele qual for, ou o que é que determina as leis que o rege, ou o que é que mantém, transporta ou guarda em memória as constantes mutantes de um qualquer universo específico.
Note-se que todas estas especulações metafísicas, por muito extravagantes que pareçam, são profundamente convencionais na medida em que tomam por boas as leis eternas e as constantes constantes, pelo menos dentro de um dado universo. Estes pressupostos enraizados fazem com que a constância das constantes pareça uma verdade garantida. A sua imutabilidade é um acto de fé, assente na filosofia e teologia platónicas. Mas esta fé não está consubstanciada em factos. Mesmo nas últimas décadas, os valores oficiais das constantes sofreram alterações. E todas as tentativas de medir constantes a distâncias astronómicas no espaço e no tempo, recorrendo a métodos astronómicos, têm por base o pressuposto que se propõem provar, o da constância universal da Natureza. Assentam, em diferentes graus, em argumentos circulares, como mais adiante irei mostrar. Mas os meros dados empíricos pouco têm a ver com a fé do crente fervoroso. Se as medições revelam variações nas constantes, como muitas vezes acontece, levam-se estas à conta de erros experimentais; o valor mais recente é a melhor aproximação disponível ao “verdadeiro” valor da constante.
Pode haver variações que são de facto devidas a erros, e esses erros diminuem à medida que melhoram os instrumentos e métodos de medida. Todos os tipos de medições têm limites de exactidão que lhes são inerentes. Mas nem todas as variações registadas nos valores medidos das constantes têm necessariamente de ser fruto de erro, ou de limitações do aparelho utilizado. Algumas podem ser reais. Num Universo em evolução, é concebível que as constantes evoluam a par da Natureza. Podem mesmo variar de forma cíclica, se não caótica.
Fonte: LIVRO: «7 Experiências que podem mudar o Mundo» de Rupert Sheldrake