Eram 9h05 da manhã do dia 10 de Setembro de 1984, uma segunda-feira. Alec Jeffreys (que posteriormente receberia o título de Sir, uma das distinções mais importantes a que se pode aspirar no Reino Unido) recorda-se com toda a nitidez do momento que iria alterar a sua vida. Não apenas a sua, como a de muitas outras pessoas em todo o mundo. Já passaram 25 anos desde a descoberta da impressão de ADN, que identifica o perfil genético que torna cada indivíduo um exemplar único, a qual permitiu, desde então, esclarecer questões de imigração e de paternidade, absolver pessoas de condenações à morte e resolver crimes e violações.
Sobre esse acontecimento Alec Jeffreys comentou: “Estávamos a desenvolver investigação básica sobre o material genético humano e, como este é diferente de pessoa para pessoa, quando descobrimos acidentalmente que uma região do ADN era extremamente variável. Na sequência disso, inventámos um método para observar muitas dessas sequências genéticas em simultâneo. Por puro acaso, criámos o que demonstrou ser a primeira impressão genética da Humanidade.”
Alec Jeffreys não esperava que o seu trabalho acabasse por resultar numa aplicação forense, como ele próprio afirma: “As minhas perspectivas forenses às 8h55 daquela manhã eram absolutamente nulas, totalmente inexistentes. Estávamos a trabalhar com ADN, mas por razões muito distintas. O nosso objectivo era a genética da medicina, e a última ideia que passaria pela nossa cabeça seria a de poder deter criminosos através da molécula de hereditariedade. A tecnologia chegou primeiro, e só depois pensámos nas implicações e aplicações; não foi o inverso.”
Alec Jeffreys explica mais detalhadamente aquilo que se passou nessa manhã: “Estávamos a trabalhar na detecção de diferenças genéticas a níve molecular. Descobrimos que havia regiões no interior do genoma que consistiam em pequenas sequências de ADN que se repetiam sucessivas vezes, e o número de repetições variava de indivíduo para indivíduo. Ao observar uma espécie de mancha através dos raios X, apercebi-me de que havia algo de parecido com uma espécie de estranho código de barras: aquilo que era a impressão genética da minha assistente técnica, Jenny Foxon, e as dos seus pais. Era muito pouco nítido mas, mesmo assim, era fácil detectar como a impressão de Jenny consistia numa combinação dos perfis genéticos da mãe e do pai, sendo simultâneamente única. Numa questão de segundos, percebi que tinha deparado com um método seguro de identificação, baseado no ADN, que poderia ser utilizado não apenas para identificação biológica como, também, para esclarecer todo o género de laços de parentesco.”
O biólogo admite terem-lhe surgido em mente uma panóplia de aplicações possiveis para a descoberta que havia acabado de acontecer: “Uma hora depois da descoberta, elaborei com a minha colega Victoria Wilson uma espécie de “lista de compras” com as aplicações básicas em que o teste poderia ser utilizado: disputas de paternidade, identificação do ADN encontrado em locais onde tivessem sido cometidos crimes (embora a recolha de amostras genéticas fosse um problema na altura), identificação de irmãos gémeos (partilham o mesmo perfil genético) e aplicações relacionadas com âmbitos não-humanos, como a preservação biológica e o controlo da biodiversidade. A única coisa que deixámos escapar foram as questões relacionadas com a imigração, algo que a minha mulher sugeriu nessa mesma noite.”
Segundo o mesmo Alec Jeffreys “surpreendentemente, a aplicação prática da descoberta a situações reais não tardou a chegar. Inicialmente, pensámos que o teste demoraria anos a poder ser utilizado, mas foi aplicado pela primeira vez oito meses depois, para evitar que uma criança fosse deportada e pudesse, assim, ficar no Reino Unido para se reunir à família. Pouco tempo depois, o teste do perfil genético serviu, pela primeira vez, para resolver um caso de paternidade e, passado um ano, em 1986, foi utilizado numa primeira investigação para determinar a inocência de um jovem acusado de uma violação que não cometera. A prova de ADN contribuiu para se encontrar o verdadeiro culpado.”
O “BI do ADN” é bom exemplo de como a Ciência pode estar ao serviço do público, tal como nos indica o biólogo, Sir Alec Jeffreys: “Não sabemos com segurança quantos testes de ADN foram realizados até à data, mas estimamos que podem ter sido mais de dez milhões. Quer se trate de um indivíduo que procura demonstrar que o pequeno Jim é seu filho, ou de alguém que é absolvido em tribunal e escapa de uma sentença de morte, ou de assassino em série que é apanhado, ou de uma família de imigrantes que volta a ficar reunida, cada marca genética esconde uma história e um drama humanos.”
O teste de ADN também serviu, por exemplo, para identificar o cadáver do criminoso nazi Josef Mengele, para autenticar a primeira clonagem de um mamífero na história, que deu como fruto a ovelha Dolly, ou para estudar o impacto do acidente nuclear de Chernobyl no ADN das gerações vindouras.
Impressão de ADN usada num sistema de Pré-Crime
Nem tudo, no entanto, são boas notícias no que diz respeito a esta descoberta. Apesar de todas as aplicações positivas nas quais o teste pode ser usado, há uma, bastante mais sombria, como nos diz o biológo que descobriu a impressão de ADN: “A minha maior preocupação, neste momento, é que existe, no Reino Unido, uma imensa base com o perfil genético de cinco milhões de pessoas. Entre elas, há cerca de 800 mil que são inocentes, isto é, nunca foram condenadas por qualquer tipo de delito. Quando a polícia detém alguém, no Reino Unido, pode pedir-lhe que se submeta a um teste de ADN, e essa informação é armazenada na base de dados. O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos já declarou que se trata de uma prática ilegal, mas o meu Governo ainda não se pronunciou e essa informação ainda não foi eliminada do arquivo genético. Por conseguinte, somos o único país do mundo em que se classifica uma pessoa inocente como futuro criminoso, e isso preocupa-me muito. Todavia, espero que a situação seja alterada mais cedo ou mais tarde.”
O que Alec Jefreys desconhece é que o Reino Unido já não é o único país do mundo que classifica uma pessoa inocente como futuro criminoso, sendo agora acompanhado por pelo menos os E.U.A., que vai ainda mais longe e se predispõe mesmo a encarcerar os supostos futuros criminosos, mesmo sendo inocentes de qualquer prática criminosa.