Sabemos muito pouco sobre a natureza da nossa mente. Ela é a base da nossa experiência, de toda a nossa vida mental e social, mas não sabemos o que é. Nem sabemos qual a sua extensão. O ponto de vista tradicional, que ainda vigora um pouco por todo o mundo, é que a vida humana consciente faz parte de uma realidade animada muito mais vasta. A alma não se confina à cabeça, antes se estende por todo o corpo, e à volta dele. Está associada aos antepassados; ligada à vida dos animais, das plantas, da terra e dos céus; pode viajar para fora do corpo nos sonhos, no transe e na morte; e pode comunicar com um vasto reino de espíritos – dos antepassados, dos animais, da natureza, de seres como gnomos e fadas, seres elementares, demónios, deuses e deusas, anjos e santos. Versões cristãs deste entendimento tradicional dominaram a Europa durante a Idade Média, subsistindo ainda hoje em sociedades rurais, nomeadamente da Irlanda.
Desde há mais de trezentos anos, pelo contrário, a teoria dominante no Ocidente é que a mente está localizada dentro da cabeça. O primeiro postulante desta teoria foi Descartes, no Século XVII. Descartes negava a velha crença de que a mente racional faria parte de uma alma maior, essencialmente inconsciente, que invadiria e animaria todo o corpo. Segundo ele o corpo era, antes, uma máquina inanimada. Os animais e as plantas também eram máquinas, e bem assim o Universo inteiro. Na sua teoria, o reino da alma encolhia da Natureza para o homem e só para ele, e dentro do homem contraía-se ainda mais para se confinar a uma pequena região do cérebro, que Descartes identificava como a glândula pineal. A teoria convencional moderna é essencialmente a mesma, com a única diferença de que a suposta sede da alma se deslocou meia dúzia de centímetros, para o córtex cerebral.
Este modelo da mente contraída, que confina a alma ao cérebro, é compartilhado por ambos os lados do conhecido e já muito antigo debate entre dualistas e materialistas. O próprio Descartes, que é o protótipo do dualista cartesiano, considerava que a mente e o corpo eram de natureza essencialmente diferente, se bem que interagissem dentro do cérebro de um modo desconhecido. Os materialistas, pelo contrário, rejeitam esta concepção dualista de um “espírito dentro da máquina” e acreditam que a mente não é mais do que um aspecto do funcionamento mecanicista do cérebro, ou ainda que se trata de um “epifenómeno” inexplicável, como que uma sombra, da actividade física do cérebro. Mas, embora haja filósofos e ideólogos que subscrevem estas perspectivas materialistas rigorosas, é o dualismo que ocupa uma posição muito mais preponderante na nossa cultura, sendo normalmente considerado matéria de senso comum.
Nas ilustrações antigas da Ciência popular, a máquina era comandada por homens minúsculos instalados dentro do cérebro. Em imagens mais recentes, a máquina aparece modernizada mas os homúnculos continuam lá, ainda que apenas de modo implícito. Por exemplo, numa exposição que esteve recentemente patente no Museu de História Natural de Londres, intitulada “Controlling Your Actions” (Como Controíamos os Nossos Actos), via-se o funcionamento do ser humano por dentro através de uma janela de acrílico transparente aberta na testa de um modelo de ser humano. Lá dentro estava a cabina de pilotagem de um moderno avião a jacto, com painéis de mostradores e comandos computorizados de voo. Havia dois assentos vazios, presumivelmente para o visitante, piloto imaginário e o co-piloto deste no outro hemisfério. A metáfora computorizada de cérebro actualmente em voga não é diferente: se o cérebro é o hardware e os hábitos e faculdades o software, então cada um de nós é o programador imaginário.
Quantas pessoas se vêem de facto como máquinas? Nem mesmo os mais fervorosos filósofos materialistas e cientistas mecanicistas parecem levar esta crença muito a sério, pelo menos no que toca a eles próprios e aos seus entes queridos. Na vida pessoal, por oposição à vida oficial, a maioria das pessoas conserva, em graus variáveis, a perspectiva mais antiga e mais alargada dos seus antepassados. Em primeiro lugar, é frequente pensar-se que a alma invade outras partes do corpo, para além do cérebro. Em segundo lugar, há muita gente que acredita que a alma participa em domínios psíquicos e espirituais alargados, que extravasam em muito os limites do corpo.
Em psicologias tradicionais como a hindu, a budista e outras, existem dentro do corpo vários centros de animação, os chakras, cada um dos quais com características próprias. Também na tradição ocidental identificam-se vários centros psíquicos. Por exemplo, fala-se muitas vezes de “ter estômago” para alguma coisa. E se, de um ponto de vista mecanicista, o coração não passa de uma bomba, expressões como “agradeço de todo o coração”, “pessoa sem coração” e “bom coração” referem-se, como é evidente, a algo mais do que um mecanismo que bombeia o sangue. Como, de resto, o coração como símbolo do amor.
Aliás, os nossos antepassados acreditavam que o centro da vida física estava no coração, e não no cérebro. O coração era mais do que um centro de emoção, amor e compaixão; era um centro de pensamento e imaginação, como, de resto, ainda hoje continua a ser para muitos povos tradicionais, incluindo o tibetano. Basta pensar, por exemplo, em certas frases ainda em uso na liturgia cristã: no «Magnificat», “Ele dispersa o coração dos soberbos”; e na «Oração pela Pureza do Book of Common Prayer» (livro de orações da religião anglicana): “Deus Omnipotente, para quem todos os corações se abrem, que conhece todos os desejos e de quem ninguém esconde segredos, purifica os pensamentos dos nossos corações pela inspiração do Teu Espírito Santo. ”
Também o antigo sentido de uma psique que se estende para além dos limites do corpo está generalizado na nossa cultura. Ele está implícito em frases do quotidiano como “ontem deves ter sentido as orelhas a arder, porque estivemos a falar de ti”. Está também implícito na telepatia e noutros fenómenos psíquicos. Na Grã-Bretanha, Estados Unidos e outros países ocidentais, há estudos que mostram sistematicamente que uma maioria significativa da população acredita na ocorrência desses fenómenos, e mais de 50% afirmam ter experiência pessoal dos mesmos.
Tais experiências e crenças não fazem sentido se a mente estiver confinada ao cérebro, nem se toda a comunicação obedecer aos princípios conhecidos da física. É por isso que os defensores da ortodoxia mecanicista afirmam com frequência que, uma vez que não há explicação científica para os Fenómenos “Paranormais”, eles não existem. Consideram que acreditar neles é uma superstição, que é preciso erradicar pela educação científica.
O que começou por ser uma filosofia radical é agora a doutrina ortodoxa da nossa cultura, colhida na nossa infância e nunca mais questionada. De acordo com os estudos clássicos de Jean Piaget sobre o desenvolvimento mental das crianças europeias, a maioria destas, quando chega à idade de dez ou onze anos, já aprendeu aquilo a que chama o ponto de vista “correcto”, nomeadamente de que os pensamentos estão localizados dentro da cabeça. As crianças mais pequenas, pelo contrário, acreditam que eles lhes saem do corpo quando sonham; que não estão separados do mundo vivo que as rodeia, antes participando nele; que os pensamentos estão na boca, na respiração e no ar; e que as palavras e os pensamentos podem ter efeitos mágicos à distância. Em suma, as crianças pequenas da Europa manifestam as atitudes animistas que se encontram nas culturas tradicionais um pouco por todo o mundo, e que eram dominantes na nossa própria cultura antes da revolução mecanicista.
Mas a teoria cartesiana de uma mente imaterial dentro de um cérebro semelhante a uma máquina sofreu desde o princípio sérios contratempos. Ao identificar a alma com a mente racional, Descartes negava os aspectos corporais e inconscientes da psique, até então aceites sem discussão. A partir de Descartes, passou a ser sempre necessário reinventar a psique inconsciente. Por exemplo, em 1851, o físico alemão Ç. G. Carus escreveu um tratado sobre o inconsciente que começava assim:
“A chave para o conhecimento da natureza da vida consciente da alma está na esfera do inconsciente… Podemos comparar a vida da psique com um grande rio em constante circulação que o sol só ilumina numa pequena área.”
Graças à obra de Sigmund Freud, o reconhecimento do inconsciente generalizou-se entre os psicoterapeutas; e, no conceito de inconsciente colectivo de Carl Jung, a psique deixa de estar confinada às mentes individuais para ser partilhada por toda a gente. Abarca uma espécie de memória colectiva em que os indivíduos participam inconscientemente.
Por outro lado, é cada vez maior a atenção que se dá no Ocidente às tradições indiana, budista e chinesa que oferecem, todas elas, um conhecimento mais rico da relação entre a psique e o corpo do que aquele que é proporcionado pela teoria mecanicista. E com o estudo dos efeitos das drogas psicadélicas, das práticas visionárias dos xâmanes e das técnicas orientais de meditação, a existência de outras dimensões da consciência passou a ser matéria de experiência pessoal para muitos ocidentais.
É assim que, embora mantenha o seu estatuto de ortodoxia no seio da Ciência mecanicista e da medicina, o facto de confinar a mente à cabeça de um corpo tipo máquina coexiste com elementos sobreviventes de um entendimento mais antigo e mais amplo da psique. Está também sujeito aos subtis e sofisticados desafios que lhe são colocados pela Psicologia junguiana e transpessoal, pela investigação da psique e pela Parapsicologia, pelas tradições místicas e visionárias, e pelas formas holísticas de medicina e de cura.
As experiências que proponho é explorar a possibilidade de a mente se estender de facto para além do cérebro, como a maioria das pessoas, ao longo da maior parte da história humana, sempre acreditou. Nem o facto de a teoria da mente contraída ser uma característica essencial do paradigma mecanicista basta para fazer dela um dogma imutável a que a Ciência esteja para sempre vinculada. Deve ser encarada como uma hipótese susceptível de teste científico, e potencialmente refutável. As experiências que se seguem têm por finalidade pô-la à prova.
Por exemplo, as pessoas sabem quando alguém, nas suas costas, está a olhar para elas? Quando fazemos esta pergunta, vem-nos à memória uma infinidade de episódios que sugerem que sim. Muitas pessoas já passaram pela experiência de sentirem que alguém está a olhar para elas e depois virarem as costas e confirmarem que assim é. Assim como muitas outras fixaram as costas de outras pessoas, por exemplo num anfiteatro, verificando que estas começavam a ficar inquietas e viravam-se para trás.
Fonte: LIVRO: «7 Experiências que podem mudar o Mundo» de Rupert Sheldrake