A COVID-19 é ou não sazonal?
Esta questão tem sido levantada, com a narrativa oficial, na pessoa de alguns “especialistas de telejornal”, a garantir-nos que a COVID-19 não é, de facto, sazonal.
Há relativamente pouco tempo foi publicado um “Fact Check” do Observador, o qual afirma que a COVID-19 não desaparece com o tempo quente, tentando justificar a sua diminuição com o comportamento das pessoas. [1]
A questão está mal colocada. Nenhuma doença conhecida como sazonal é erradicada no verão. A gripe também não o é. Mas a sua incidência diminui drasticamente, apresentando uma distribuição sazonal.
Ao analisarmos a distribuição dos casos e da mortalidade em praticamente todos os países [2], poderemos constatar que tanto no hemisfério sul, como norte, a COVID-19, respeita a mesma sazonalidade das infecções respiratórias (podendo ser ligeiramente mais precoce ou mais tardia).
A excepção é a Rússia, que apresenta uma distribuição bastante peculiar, podendo esse facto dever-se à sua extensa distribuição geográfica, ou qualquer outro parâmetro epidemiológico ao qual não temos acesso, devido à escassez de publicação de dados. [3]
Atenção à necessidade de separar morbilidade de mortalidade, ou seja, casos e óbitos, porque o número de casos é amplamente influenciado pela massificação da testagem, conforme já referimos em inúmeros artigos anteriores (a mortalidade também acaba por ser influenciada, num grau menor). [4]
A justificação oferecida pela infecciologista Ana Horta no Fact Check do Observador (“É possível que o surto atenue [no verão], não por causa do vírus mas porque as pessoas estão mais afastadas, estão mais ao ar livre e menos próximas umas das outras.”) é risível.
Provavelmente, a infeciologista tenha optado por manter-se fechada e isolada (não só de espaços físicos, como da própria realidade), e não tenha constatado como praias, esplanadas, restaurantes, estádios e demais espaços físicos se encontravam completamente lotados no verão, ao contrário do contexto de confinamento verificado nos meses de inverno e a despeito da diferença radical na morbilidade e mortalidade entre estações.
Talvez fosse aconselhável que a referida infeciologista se mantivesse igualmente “fechada e isolada” de ‘conclusões’ sociológicas, sem qualquer base empírica, observacional ou experimental.
O artigo de ‘Fact Check’ do Observador apresenta um único estudo [17] que concluiu que não foram encontradas “evidências de que o clima mais quente influencia a transmissão.” O estudo investigou algumas variáveis como o calor, a humanidade e a latitude. Como iremos demonstrar de seguida, a latitude, e não o calor e a humidade, é um factor preponderante na sazonalidade das infecções respiratórias (e não só!)
A temática de estudo apresentada é interessante, mas o estudo apresenta uma enorme quantidade de problemas, a começar pela forma como distribuiu os dados geograficamente:
– Excluiu 4 dos países mais importantes (China, Coreia do Sul, Irão e Itália);
– Dividiu os Estados Unidos da América e a Austrália em estados, mas não efectuou semelhante tratamento para a Índia, Brasil, entre outros territórios, que além de centenas de vezes mais população que Austrália, também têm vastas distribuições de latitude e longitude;
– Só recolheram dados das capitais.
No entanto, há um problema que, só por si, inviabiliza todo o estudo: este só analisa um período de ‘Follow Up’ de uma semana, após duas semanas para confirmação de diagnóstico. Como é que, num período desta brevidade, se consegue estudar a sazonalidade de uma doença?
A sazonalidade da gripe (influenza)
Decidimos apresentar alguns exemplos, retirados de um vasto compêndio.
O gráfico 4 apresenta a distribuição anual do número de pacientes de gripe (parte de cima do gráfico) e de infecções respiratórias indiferenciadas (parte de baixo do gráfico), ao longo de um período de 10 anos, compreendido entre 1974 e 1983, em Houston, Texas. Como se pode concluir facilmente, a distribuição tanto da gripe (Influenza A e B) como das infecções respiratórias indiferenciadas é sazonal, apesar de nestas últimas, haver uma distribuição com maior variância, devido à não sincronicidade dos vários factores causais. [5]
Na verdade, a sazonalidade não se verifica somente ao nível de surtos, mas também da antigenicidade.
Os picos na distribuição costumam coincidir com os meses mais frios. Mas será que tal se deve à temperatura?
O gráfico 3 apresenta-nos a variação sazonal das gripes e Constipações de alunos em 6 Campus Universitários diferentes (Boston, Chicago, Columbus, Washington, Berkeley e New Orleans), entre 1923 e 1925 (numa altura em que os meios de transporte não tinham a velocidade e uso disseminado como actualmente). [6]
Considerando a grande dispersão geográfica das localidades representadas, e a sua correspondente diferença ao nível climático, a grande homogeneidade das distribuições leva-nos a concluir que o clima (temperatura) não deverá ser o factor preponderante.
As infecções respiratórias são ubíquas. Acontecem inclusive em zonas onde o clima é muito temperado e não ocorrem invernos frios. O seu comportamento global pode ser reconstruído a partir dos relatórios de diversas partes do mundo, recolhidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Uma análise destes relatórios de 1964 a 1975 não revelou qualquer padrão significativo quando os locais de origem foram classificados por longitude. Quando, por outro lado, foram classificados pela latitude da sua origem, foi possível observar um padrão claro. O gráfico 2 e a tabela 1 representam as análises dos relatórios de quatro grandes zonas latitudinais da superfície da Terra. [7]
Os resultados mostram que os surtos movem-se para sul e para norte através da superfície do globo todos os anos, atravessando o equador duas vezes por ano em torno dos equinócios, à medida que se segue aos meses de inverno.
Uma demonstração mais directa deste movimento pode ser vista no gráfico 5, que mostra esquematicamente o progresso da grande epidemia de Gripe A (H1N1) da época de 1950-51 em todo o continente africano. Começou em cerca de S30° na União da África do Sul e viajou para norte através dos povos tropicais do sul, depois através dos povos tropicais do norte até chegar aos povos que vivem na costa sul do mar Mediterrâneo cerca de seis meses mais tarde. [8]
A influência sazonal opera contemporaneamente, de forma frequente, em locais situados na mesma latitude, independentemente da sua longitude. O gráfico 1 mostra que os surtos de gripe em Cirencester, Inglaterra (N52°, W2°) ocorreram ao mesmo tempo dos que afectaram a Checoslováquia (N46° -52°, W12° _25°). Para além dos surtos nas duas comunidades serem de carácter simultâneo e amplamente semelhante, a estirpe, A ou B, teve correspondência: mais tarde, quando houve a deriva do subtipo (A e B), as mudanças ocorreram em ambos os locais na mesma estação. Durante as mesmas estações entre 1968 e 1974, ocorreu uma conformidade semelhante de surtos de gripe e estirpes de vírus na população de Seattle, Estados Unidos, que se situa em torno da mesma latitude norte (N4 7° -35°), mas está ainda mais afastada longitudinalmente de Cirencester (W122.200). [9]
Contrastem esta experiência com a de duas comunidades que vivem em latitudes muito diferentes a norte e sul do equador, nomeadamente, Inglaterra e País de Gales (N500-55°) e Nova Gales do Sul, Austrália (S29°-38°). O gráfico 6 mostra a mortalidade por gripe em ambos os lugares de 1967 a 1973, um período que incluiu não só epidemias Influenza dos tipos A e B, mas também a mudança antigénica do subtipo asiático A (H2N2) para o subtipo Hong Kong A (H3N2). Também aqui a correspondência entre as séries de surtos nas duas comunidades foi quase idêntica com a diferença marcante e consistente no tempo que um intervalo de aproximadamente seis meses separava regularmente o surto do norte da sua contraparte no hemisfério sul. [7]
A conclusão inescapável deste “Balanço transequatorial”, parece ser que a sazonalidade da gripe e demais infecções respiratórias não depende tanto do clima, mas de varições do eixo da Terra em relação ao Sol, que marcam as estações.
As variações regulares na composição, duração e intensidade da radiação solar que caem em diferentes áreas da superfície do globo, causam as estações do ano e todos os fenómenos sazonais. Estamos aqui perante uma lei natural imutável que parece não permitir excepções, a saber, que: todos os fenómenos sazonais são, em última análise, causados pelas variações na radiação solar resultantes da inclinação de 23,50º do plano de rotação da Terra em relação ao plano da sua órbita anual.
As consequências são visíveis em todo o lado: As calotas polares e as calotas de neve das montanhas e dos glaciares expandem-se durante metade do ano e contraem-se durante a outra metade, fazendo com que os oceanos subam e desçam proporcionalmente. Mudanças de temperatura a norte e a sul todos os anos, e a duração do dia e da noite alteram-se reciprocamente para graus diferentes em diferentes latitudes. Os ventos e as correntes oceânicas alteram os seus cursos sazonalmente de modo a que os climas locais tenham mudanças sazonais. Tais efeitos físicos mais ou menos directos levaram, no longo curso da evolução biológica, a inúmeras adaptações desenvolvidas por plantas e animais, através das quais são capazes de fugir aos rigores e tirar partido das oportunidades que daí resultam.
Trata-se de uma hipótese que segue as evidências, ao contrário da hipótese climática (temperatura) que não parece ter respaldo nas evidências. No entanto, continua por perceber que tipos de mecanismos intermediários serão capazes de mediar a influência das variações sazonais da radiação solar de forma a provocar as epidemias sazonais de gripe.
Seria exaustivo detalhar mais o tema. Os exemplos que fornecemos servem somente para transmitir a ideia de forma introdutória. No futuro, tentaremos desenvolvê-lo, e abordar outros mistérios relativos à gripe e demais infecções respiratórias (a sua ubiquidade, deriva de antigenicidade, etc.)
Estudos concluem que a COVID-19 é sazonal
Um estudo publicado na revista Nature, e que tem constituido referência, concluiu que a COVID-19 é, de facto, sazonal. [13]
Alguns outros estudos chegaram às mesmas conclusões. [14][15][16]
Vários estudos analisaram a sazonalidade da COVID-19 e alguns tentaram perceber que factores poderiam determinar essa mesma sazonalidade. Geralmente, concluem que os factores permanecem desconhecidos. [10][11][12]
Um dos estudos, descobriu que a temperatura e humidade, por si só, não explicavam a sazonalidade, mas a variação sazonal da radiação UV, sim, o que vai de acordo com a hipótese que levantamos acima. [10]
Alguns estudos de modelagem estatística referem que se não fossem as medidas não-farmacológicas de contenção, não se verificaria o efeito sazonal da COVID-19. Estudos de modelagem estão no fundo no ranking de qualidade científica, quase ao nível da especulação e opinião. Estamos receptivos a que nos tragam exemplos desses estudos, para que possamos analisar detalhadamente os seus vieses.
Conclusão
A gripe, como a principal representante das infecções respiratórias, continua a constituir um mistério a vários níveis. A razão da sua sazonalidade continua a fazer indagar os epidemiologistas com mentes mais inquisitivas. Sabe-se que é, mas não se sabe porquê.
Os dados mostram-nos que a COVID-19 tem seguido a mesma tendência sazonal das infecções respiratórias.
Através das distribuições de morbilidade e mortalidade, é fácil, mesmo para um leigo, constatar que as infecções respiratórias continuam sazonais, mesmo com o advento da identificação massiva da presença de três pequenos genes: S, N e ORF1ab.
Artigos de ‘Fact Checking’ e “especialistas de Telejornal”, nada mais fazem do que espraiar a arrogância da sua ignorância.
Fontes:
[2] «COVID-19 CORONAVIRUS PANDEMIC», Worlometer
[3] «COVID-19 CORONAVIRUS PANDEMIC – Rússia», Worldometer
[4] «Teste PCR: participação na Pandemia da COVID-19», Paradigmas. 18 de Novembro de 2020
[5] Glezen WP, Six HR, Perrotta DM et al: Epidemics and their causative viruses-community
experience, em: Stuart-Harris CH, Potter CW (eds): The Molecular Virology and Epidemiology of Influenza. Londres, Academic Press, 1984.
[6] Frost WH, Gover M: The incidence and time distribution of common colds in several groups kept under continuous observation. Public Health Rep, 47, pp 1815-1841, 1932. Também em: Maxcy’s Papers of Wade Hampton Frost. Nova York: The Commonwealth Fund, 1941, pp 359-392.
[7] Hope-Simpson RE: The role of seaSCIn in the epidemiology of influenza. J Hyg (Camb.) 86:35-47, 1981.
[8] Hope-Simpson RE: The influence of season upon type A influenza, in Tromp SW, Bouma 11 (eds): Biometerology: The Impact of Weather and Climate on Animals and Man (period 1973-1978). Londres, Heyden & Son, 1979, p 170-185.
[9] Foy HM, Cooney MK, Allen I: Longitudinal studies of types A and B influenza among Seattle schoolchildren and families. 1968-1974. J Infect Dis 134:362-368, 1976
[10] «On the Environmental Determinants of COVID-19 Seasonality», AGU. 17 de Maio de 2021
[12] «Scientists Uncover the Seasonality of COVID-19», Eos. 29 de Julho de 2021
[14] «Coronavirus seasonality, respiratory infections and weather», BMC. 26 de Outubro de 2021