A Senhorita de Brion

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Brasão da Cidade de Brion
Brasão da Cidade de Brion

Certamente, lendas, sem fundamento mas muito bonitas para ser contadas, foram inventadas sobre a cidade de Brion e têm, ao menos, o mérito de perpetuar a lembrança de um porto antanho importante e relegado, pouco a pouco, ao interior das terras pelos despejos de aluvião.

Há um bom número de séculos Brion via o curso do rio afastar-se pouco a pouco das suas muralhas.

Naquele tempo um honrado mercador morreu deixando uma sucessão bastante embrulhada e dívidas que obrigaram Elina, a sua filha única, a vender o armazém e as diversas terras que formavam parte da herança.

O credor aproveitou a inexperiência da sua devedora para recuperar dez vezes o que havia emprestado mas deixou-lhe, simulando magnanimidade, uma estreita faixa de pântano que se estendia ao largo do rio durante mais duma hora de posta de cavalo: Duas mil toesas (4 km).

— Filha minha, eis aqui terrenos que representam um excelente ponto de caça. — Disse a sua jovem vítima — Os patos e as galinholas abundam chegada a temporada!

Elina não compreendeu a ironia [1] do comentário já que demasiada preocupação habitava a sua formosa cabeça.

Dissemos que a jovem era bonita, muito bonita?

No entanto teve que ganhar a vida, duramente, trabalhando aqui e ali, contentando-se a miúdo em cear com sopa de pão. E os moços de Brion não lhe prestavam atenção, dado o muito pobre que era.

Contemplando a água do Gironda deslizar até o mar, comprazia-se, às vezes, em sonhar:

— Ah! Se eu fosse rica algum belo rapaz da cidade  daria-se conta, seguramente, de que sou bonita sob o meu cabelo mal penteado e o meu caparazão [2] de barro.

Elina, que vivia numa cabana edificada na sua marisma, ia cada vez menos à beira do rio, cujas ribeiras fugiam até o sol nascente a uma incrível velocidade.

Antanho a cabana estava a algumas toesas do Gironda. Agora distava mais de 50 pérticas de arpende [3], o qual era uma boa ganga para a jovem que já não chafurdava na lama ao ter consolidado as terras.

Passaram alguns anos.

Elina estava, então, em plena beleza, já que havia podido arrendar terras para vinhedos e para pasto, mandou construir uma casinha e, não habitando já um feudo de barro e charco, podia dedicar-se a  assear-se muito cuidadosamente.

E o Gironda retrocedia, retrocedia incessantemente, até o ponto que um dia Elina não pode ver os limites da sua propriedade. Tinha convertido no partido mais rico de Brion.

Em tal condição permitiu-se ao luxo de se casar com o capitão da fortaleza, voltar a comprar a casa do seu pai e levar à ruína o credor desonesto.

Uma vez Deus tinha recompensado a virtude!

Deus ou a Natureza benfeitora.

Ou, mais exactamente, os caprichos do vento e das correntes do rio. Mas o certo é que a cidade de Brion era, antanho, um porto que agora dormita sob as ricas terras do Medoque, muito perto dos vinhedos de Santo-Estefânio, um dos mais reputados da França.

NOTAS:

[1] Galinhola significa, também, cabeça de paturi (pessoa muito tonta ou distraída), perua. Paturi é uma espécie de pequenos patos de arribação.

[2] Antiga armadura de cavalo.

[3] A pértica de arpende media, aproximadamente, 6,5m.

Fonte: Livro: «Arquivos dos Outros Mundos» de Robert Charroux

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