A mágica terra perdida da Atlântida alimentou a imaginação de poetas, eruditos, arqueólogos, geólogos, ocultistas e viajantes durante mais de dois mil anos. O conceito de uma civilização altamente avançada (que terá florescido na antiguidade remota para ser destruída de um dia para o outro por uma enorme catástrofe natural) inspirou os crentes na verdade histórica do mito da Atlântida a procurarem os escombros desta grande civilização de outrora em praticamente todos os cantos do planeta. A maioria dos arqueólogos são da opinião de que a história da Atlântida é apenas isso, uma história, um conto alegórico sem qualquer valor histórico. Depois temos os ocultistas, muitos dos quais abordaram a história da Atlântida a partir da perspectiva de que esta representa uma nação espiritual perdida (como Mu/Lemúria) ou um plano de existência inteiramente diferente.
O que tem a Atlântida que inspirou interpretações tão diversas? Poderá haver alguma verdade por trás da história?
A fonte original de onde provém toda a informação sobre a Atlântida é o filósofo grego Platão. Em dois dos seus diálogos, Timeu e Crítias, escritos algures entre 359 e 347 a. C., a suposta fonte de Platão para a história da Atlântida era um seu parente afastado, um famoso jurista e poeta lírico ateniense chamado Sólon. Este tinha por sua vez ouvido a história quando visitou a corte de Amásis, rei do Egipto Antigo entre 569 e 525 a. C., na cidade de Sais, no extremo ocidental do delta do Nilo. Enquanto permaneceu na corte de Amásis, Sólon visitou o templo de Neith e entabulou uma conversa com um padre que lhe relatou a história da Atlântida. O padre descreveu uma grande ilha, maior do que a Líbia e a Ásia juntas, e que teria existido nove mil anos antes do seu tempo, para lá dos Pilares de Hércules (o estreito de Gibraltar), no oceano Atlântico. A Atlântida era governada por uma aliança de reis que descendiam de Poseidon, deus do mar e dos terramotos, cujo filho mais velho, Atlas, deu o seu nome à ilha e ao oceano circundante.
Os Atlantes eram senhores de um império que se estendia do Atlântico até ao Mediterrâneo, chegando ao Egipto a sul e à Itália a norte. Durante uma tentativa para ampliarem o seu império mais para o interior do Mediterrâneo, os Atlantes tiveram de enfrentar os poderes combinados da Europa, liderados pela cidade-estado de Atenas. Nestes tempos remotos, Atenas era já uma grande cidade e uma Sociedade governada por uma elite guerreira, que desprezava as riquezas e vivia de forma espartana. Os exércitos da Atlântida acabaram por ser derrotados apenas pelos Atenienses, depois de estes terem sido abandonados pelos seus aliados. No entanto, pouco depois da vitória houve um devastador terramoto, seguido por enormes inundações, e o continente da Atlântida afundou-se no oceano «num único e terrível dia e noite», nas palavras de Platão.
A destruição da Atlântida e a sua localização para lá do estreito de Gibraltar apenas ocupam algumas linhas dos Diálogos de Platão, contrastando com a sua descrição bem mais pormenorizada da organização física e política da ilha. Inicialmente a Atlântida tinha sido um lugar idílico, dotado de uma abundância de recursos naturais: tinha florestas, frutos, animais selvagens (incluindo elefantes) e abundantes jazidas de metais. Cada rei da ilha possuía a sua própria cidade real que dominava totalmente. Contudo, a capital, governada pelos descendentes de Atlas, era de longe a mais impressionante. Esta metrópole da antiguidade estava rodeada por três anéis concêntricos de água, separados por faixas de terra onde se erguiam muralhas defensivas. Cada uma destas muralhas estava revestida com um metal diferente, a exterior com bronze, a seguinte com latão e a interior «reluzia com a luz vermelha do oricalco», um metal desconhecido. Os Atlantes escavaram um enorme canal subterrâneo através dos fossos circulares que ligavam o palácio central ao mar. Também escavaram um porto nas paredes rochosas do fosso exterior. O templo principal dedicado a Poseidon, na cidadela central, era três vezes maior do que o Pártenon, em Atenas, e estava completamente revestido com prata (excepto os pináculos, que eram revestidos a ouro). No interior do templo, o tecto estava coberto com marfim e decorado a ouro, prata e oricalco; este estranho metal cobria também as paredes, os pilares e o chão do templo, que também continha no seu interior numerosas estátuas de ouro, incluindo uma de Poseidon numa quadriga puxada por seis cavalos alados. Esta estátua era tão colossal que a cabeça do deus tocava no tecto, a cento e quinze metros de altura.
Todas as outras fontes antigas de informação sobre o continente perdido da Atlântida são posteriores a Platão, e o máximo que nos fornecem são vislumbres interessantes sobre o que os povos da antiguidade realmente acreditavam acerca da Atlântida. No Século IV a. C., o filósofo grego e aluno de Aristóteles, Teofrasto de Lesbos, mencionou colónias da Atlântida, mas infelizmente a maior parte do seu trabalho perdeu-se. Nos seus comentários sobre os diálogos de Platão, Proclo escreveu no Século V a. C. um comentário sobre a realidade da Atlântida, afirmando que os Atlantes «haviam reinado durante muitas eras sobre todas as ilhas do mar Atlântico». Proclo disse também que Crantor, o primeiro comentador dos trabalhos de Platão no Século IV a. C., tinha visitado Sais, no Egipto, e lá vira um pilar dourado com hieróglifos onde estava registada a história da Atlântida. Cláudio Aeliano, um escritor romano do Século II d. C., mencionou a Atlântida na sua obra «Da Natureza dos Animais», onde descrevia uma grande ilha no oceano Atlântico que era conhecida nas tradições dos Fenícios (e posteriormente dos Cartagineses de Cádiz) como uma cidade antiga na costa sudoeste de Espanha.
A lenda da Atlântida permaneceu adormecida durante muitos séculos até ao seu despertar no Século XIX. A quimera moderna em busca desta fabulosa ilha começou de facto em 1882, com a publicação de «Atlântida: o Mundo Antediluviano», por Ignatius Donnelly, um congressista e escritor americano. Donnelly interpretou literalmente o relato de Platão sobre a Atlântida e tentou estabelecer que todas as Civilizações Antigas de que temos conhecimento descenderam do continente perdido. Por volta da mesma época, Helena Blavatsky (co-fundadora da Sociedade Teosófica e líder do então emergente movimento ocultista) começou a interessar–se pelo conceito de continentes perdidos como a Atlântida e a Lemúria. Blavatsky refere-se numerosas vezes à Atlântida na sua primeira obra «Ísis Desvendada», escrita em 1877. A obra monumental de Blatvatsky, «A Doutrina Secreta» (1888), parece ter sido baseada num livro místico chamado «O Livro de Dyzan», alegadamente escrito na Atlântida. Nesta obra, Blavatsky faz uma descrição pormenorizada da Atlântida e dos seus habitantes, incluindo referências à sua avançada tecnologia, máquinas voadoras, gigantes e poderes sobre-humanos. Alguns destes aspectos mais estranhos das descrições de Blavatsky viriam a ter uma influência significativa em vários teóricos da Atlântida, apesar de o seu continente perdido parecer existir num outro nível, mais espiritual – completamente diferente do continente físico proposto por Donnelly.
No início do Século XX, Edgar Cayce, um médium de renome mundial, fez muitas interpretações sobre a Atlântida. Ele acreditava que a Atlântida era uma civilização altamente desenvolvida, que possuía navios e aeronaves (fazendo eco das ideias de Blavatsky) e tinham um misterioso cristal como fonte de energia. Cayce previu que parte da Atlântida seria descoberta em 1968 ou 1969 na região de Bimini, perto das Baamas. Em Setembro de 1968, ao largo da zona norte das ilhas Bimini, foi descoberto um conjunto de blocos de calcário alinhados com precisão ao longo de oitocentos metros, que é agora conhecido como a Estrada de Bimini, deixando a muitos a sugestão de que se tratava de ruínas da Atlântida.
Contudo, em 1980, Eugene Shinn da U. S. Geological Survey publicou as conclusões do seu exame às pedras submersas de Bimini. Os resultados destes testes indicaram que os blocos devem ter sido ali postos por meios naturais. As datas obtidas a partir de testes efectuados em conchas que estavam embutidas nas pedras indicavam um período entre 1200 a. C. e 300 a. C. para a construção desta «estrada». Este período é muito posterior às datas propostas para a existência da Atlântida.
Tomando os autores antigos à letra, muitos investigadores, procuraram a Atlântida no meio do Atlântico, identificando a cordilheira dorsal do Atlântico – uma longa cadeia de vulcões submarinos que se estendem ao longo do centro do oceano – como os restos do continente perdido. Com o conhecimento moderno acerca da deriva dos continentes (que se deve à acção das placas tectónicas), os geólogos eliminaram a hipótese de ter existido um grande continente no Atlântico. No entanto, a deriva continental ainda é apenas uma teoria, por isso, até que esteja provada de facto, aqueles que crêem no continente perdido continuarão a procurá-lo. Se a ilha se encontrar no Atlântico central, os investigadores pensam que (fazendo lembrar Ignatius Donnelly no Século XIX) os Açores podem ser as suas ruínas. Outros englobam também a Madeira, as Canárias e Cabo Verde como ruínas da Atlântida apesar de nunca se ter encontrado nestas ilhas o mais pequeno vestígio de uma civilização antiga desaparecida.
Quase todos os anos aparece o cabeçalho «Atlântida encontrada!» em destaque nos jornais. De facto, o leque de localizações hipotéticas para a Atlântida é enorme. A civilização minóica, que existiu em Creta no final da Idade do Bronze, e que supostamente foi destruída por um enorme terramoto na ilha vizinha de Tera (a actual Santorini), foi tida por muito tempo como uma influência indirecta na Atlântida de Platão. Contudo, pesquisas efectuadas sobre o final da Idade do Bronze em Creta revelaram que a civilização minóica continuou a prosperar muito depois do terramoto. Outras localizações sugeridas na Europa e no Mediterrâneo incluem a Irlanda, a Inglaterra, a Finlândia, a ilha de Heligoland ao largo da costa noroeste da Alemanha, a Andaluzia, a ilha de Spartel no estreito de Gibraltar, a Sardenha, a ilha de Malta, a cidade de Helike na Grécia continental, uma área do Mediterrâneo entre o Chipre e a Síria, Israel, Tróia no Noroeste da Turquia e Tantalis. Noutros pontos do mundo, o mar Negro, a Índia, o Sri Lanka, a Indonésia, a Bolívia, a Polinésia Francesa, as Caraíbas e a Antárctida foram sugeridos como localizações para a cidade perdida.
Este vasto leque de teorias díspares contribuiu para o cepticismo de muitos investigadores, que acreditam que a Atlântida de Platão era apenas uma alegoria política concebida para glorificar Atenas como o estado perfeito em luta contra um império atlante ganancioso e decadente. Para eles a história começa e acaba em Platão. Sólon nunca visitou o Egipto nem ouviu a história contada pelo sacerdote em Sais. Eles consideram que Platão colocou a Atlântida no Atlântico, para lá dos Pilares de Hércules, porque nesta época este vasto oceano representava o limite do mundo conhecido. Contudo, apesar de não haver quaisquer referências à Atlântida na literatura antiga anterior a Platão, em «As Histórias», do historiador grego Heródoto (484–425 a. C.), existe uma referência ao facto de que Sólon havia adoptado certas leis de Amásis de Sais no Egipto. Isto indica que Sólon esteve no Egipto durante o período apontado por Platão nos seus «Diálogos». É óbvio nos escritos de Platão que ele pretendia em parte enaltecer Atenas e transmitir as suas ideias políticas e filosóficas sobre a incapacidade da riqueza e do poder sobre uma Sociedade perfeita e bem governada. Para colorir o seu relato, Platão pode muito bem ter adicionado pormenores de eventos verdadeiros que envolvessem uma destruição catastrófica. Para isso, o filósofo não teria necessidade de procurar muito longe.
No Verão de 426 a. C., um dos mais desastrosos terramotos da história antiga ocorreu na Grécia a norte de Atenas. O tsunami provocado por este terramoto colossal semeou o caos ao longo daquela costa, destruindo parte de uma ilha chamada Atalante. Em 373 a. C. (apenas cerca de quinze anos antes de Platão escrever o seu «Diálogos») um terramoto catastrófico, e o tsunami subsequente, destruíram e submergiram a próspera cidade grega de Helike, na costa sul do golfo de Corinto, na Grécia continental. Helike era conhecida como a cidade de Poseidon e continha um bosque sagrado em honra do terrível deus dos terramotos e do mar, bosque que apenas era suplantado pelo que existia em Delfi. Certamente que existem paralelos entre estes terramotos e a destruição da Atlântida de Platão, que indicam que o filósofo fora buscar inspiração para grande parte da sua narrativa na história recente do seu próprio país. Contudo, se Platão estava simplesmente a utilizar desastres recentes na Grécia para demonstrar os seus argumentos, porque atribuiu a sua história a sacerdotes egípcios? Certamente que os seus contemporâneos teriam reconhecido uma descrição de um terramoto catastrófico na área de Atenas ou de Corinto, em particular se tivesse ocorrido há menos de uma ou duas décadas. Parece que ainda falta um elemento nas fontes que Platão utilizou para a sua história…
A teoria mais recente acerca da localização da Atlântida foi apresentada em 2004 pelo Dr. Rainer Kuehne, da Universidade de Wuppertal, na Alemanha. Utilizando fotografias de satélite, Kuehne identificou uma área do Sudoeste de Espanha que revela algumas características que aparentemente coincidem com a descrição da Atlântida feita por Platão. As fotografias de uma região costeira chamada Marisma de Hinojos, perto de Cádiz, mostram duas estruturas rectangulares e partes de anéis concêntricos que as poderiam ter outrora rodeado. O Dr. Kuehne pensa que essas formas podem ser as ruínas de um templo prateado dedicado a Poseidon e de um templo dourado dedicado a Cleito e a Poseidon, tal como está descrito nos «Diálogos» de Platão. Ele também acredita que essa área foi possivelmente destruída por uma inundação entre 800 a. C. e 500 a. C. Ele defende esta localização continental para a Atlântida, em vez da insular, sugerindo que as fontes gregas quando traduziram a história podem ter confundido a palavra egípcia que significa linha costeira com uma outra que significa ilha. O Dr. Kuehne espera vir a organizar escavações nesse local num futuro próximo, para testar as suas teorias. Será que estas escavações, numa área pouco distante dos Pilares de Hércules, irão finalmente resolver o mistério da Atlântida?
Nota: A foto apresentada é o mapa de Atanásio Kircher, com a possível localização da Atlântida («De Mundus Subterraneus» de 1669)