Pisamos terreno bastante mais seguro no tema dos animais e plantas da Atlântida do que ao abordar a história dos seus reis, pois temos dados excelentes sobre os quais elaborar hipóteses sólidas. Em primeiro lugar, certos fragmentos da Atlântida submersa, os Açores e as Ilhas Canárias, ainda continuam acima das águas, e a sua fauna e flora fornecem-nos uma certa quantidade de material comparativo a partir do qual podemos discutir as condições gerais da vida animal e vegetal na Atlântida. Em segundo lugar, podemos comparar as condições biológicas da Europa Ocidental com as da América Oriental, e, se encontrarmos semelhanças entre elas, abre-se-nos a possibilidade de presumir que existiu anteriormente uma ligação biológica na região atlântica, e que as condições nessa região deviam ser semelhantes às que vigoram nas duas áreas com as quais estava ligada.
Temos, contudo, de ter em mente que as condições da vida animal e vegetal na Atlântida não foram as mesmas ao longo das várias fases da sua história, tal como não foram as mesmas durante os longos e diferentes períodos e fases de alterações climáticas na Europa e na América. Ao mesmo tempo podemos tomar como certo que os períodos recorrentes da Idade do Gelo, independentemente da sua duração, dificilmente terão tido um grande efeito sobre o clima da Atlântida, embora também não restem dúvidas de que devem ter exercido uma certa influência sobre as condições meteorológicas prevalecentes na ilha-continente. Mas, uma vez que estamos a tratar da história da Atlântida posterior à idade do Gelo, basta para os nossos objectivos que consideremos as condições apenas desse ponto de vista.

Acumulou-se uma literatura bastante considerável em torno da questão da vida animal e vegetal na Atlântida. Se nos confinarmos primeiro à fauna do continente, vemos que a questão da vida animal nos Açores abre algumas considerações muito interessantes. O próprio nome, Açores, significa “ilhas dos falcões”, e, se abundavam falcões no arquipélago quando este foi descoberto, é seguro dizer que o mesmo acontecia na parte da Atlântida a que as ilhas pertenciam anteriormente. Isto implica que os animais dos quais se alimentam, principalmente roedores, coelhos, ratazanas e ratos, deviam também estar presentes em grandes números. Parece também que este grupo de ilhas já era conhecido dos geógrafos antes da sua descoberta oficial em 1439, pois num livro publicado em 1345 por um monge espanhol, já se faz referência aos Açores, e são dados os nomes das várias ilhas. Também num atlas, produzido cerca de quarenta anos mais tarde em Veneza, várias das ilhas são indicadas por nome, como Columbia, ou Ilha das Pombas, actualmente Pico, Capraria, ou Ilha das Cabras, hoje São Miguel, Li Congi, ou Ilha dos Coelhos, hoje Flores, e Corvi Marini, ou Ilha dos Corvos Marinhos, actualmente Ilha do Corvo. Estes nomes provam que as ilhas em questão, embora muito isoladas da Europa, eram abundantes em animais e aves das espécies por cujos nomes ficaram conhecidas, e que estas espécies aí se deviam ter desenvolvido durante séculos antes da descoberta oficial.

Na verdade, tem-se argumentado que o coelho pode ter chegado aos Açores e à Europa a partir da América, através da antiga ponte terrestre. O Professor Osbom, o Dr. Majore Lyddekker observaram a ligação entre as formas de coelhos da África e da América e chegaram a partir daí à conclusão de que a espécie deve ter migrado de um destes continentes para o outro. O Professor Scharff, no entanto, acredita que a ponte terrestre que unia a África e a América do Sul se devia situar mais para sul do que as ilhas atlânticas, mas que, do norte de África, havia comunicação com o sul da Europa, ao qual as ilhas atlânticas estavam ligadas, e que por este caminho bastante indirecto as espécies sul-americanas poderiam ter chegado à Madeira e aos Açores. Mas não será possível que o coelho e outras espécies leptorrinas tenham tido origem na própria Atlântida e daí se tenham espalhado para Leste e Oeste, para a América e para África? Se, como o Professor Scharff afirma, a ponte terrestre que ligava estes dois continentes estava bastante a sul das ilhas atlânticas, parece um pouco difícil explicar o facto de o coelho predominar em números muito maiores nas latitudes mais temperadas a Norte. Sabemos que as espécies roedoras invadiram e voltaram a invadir solo europeu nas fases mais severas das recorrentes Idades do Gelo; na verdade, Macalister defende que, conforme as glaciações se aproximavam, e as florestas começavam a dar lugar a condições de estepe, os pequenos roedores regressavam invariavelmente a solo europeu, e é a sua presença, aliás, que delimita as interglaciações mais recentes. Ao mesmo tempo, é notório que o coelho floresce extraordinariamente em climas temperados como o da Austrália, com o qual o clima da Atlântida devia ter uma certa semelhança geral, pelo que parece um pouco difícil explicar o facto de a espécie abandonar um clima suave para uma área onde prevaleciam condições de tundra. Parece provável, contudo, que o coelho tenha de facto tido origem em solo atlante — um habitat mais adequado para o seu desenvolvimento e propagação acelerada — e que mais tarde a luta pela existência devido ao excesso populacional o tenha forçado a partir para regiões menos agradáveis.
Foi também frequentemente observado que os animais carnívoros da época Terciária na Europa estão intimamente relacionados com os da América. As ilhas atlânticas europeias são, de algum modo, pobres em animais desta espécie, mas é perfeitamente possível que, no decurso dos muitos séculos que separaram a era Terciária da submersão final da Atlântida, eles possam ter sido totalmente desenraizados por um povo civilizado, precisamente como o lobo foi desenraizado na Grã-Bretanha.

Tem sido ocasionalmente afirmado, com alguma autoridade, que a Atlântida pode ter sido o berço de toda a vida animal. Esta afirmação, em vista da nossa falta de conhecimento sobre o assunto, deve ser cuidadosamente considerada. Existem no entanto certas circunstâncias que parecem tornar algo provável que algumas espécies possam ter tido origem na ilha-continente. Os dados relacionados com as migrações da enguia, por exemplo, emprestam credibilidade a esta hipótese. O Dr. Johannes Schmidt, o biólogo dinamarquês que dedicou muita atenção às migrações da enguia, está inclinado para pensar que ela pode ter tido origem nas correntes rápidas do oceano em torno da localização da Atlântida. A enguia abandona anualmente as nossas costas e deposita os seus ovos nas profundezas do Oceano Atlântico, entre as Bahamas e a Europa. Depois disso, não há sinal delas, mas as suas crias encontram o caminho de volta, ao longo de mais de quatro mil milhas, até aos nossos rios. Nadam durante quase três anos, mantendo uma rota constante para as costas da Grã-Bretanha, enquanto as enguias americanas, que se distinguem por uma espinha dorsal mais curta, regressam invariavelmente ao seu próprio país. Isto parece indicar que o seu instinto as leva ao local de procriação primevo a partir do qual tanto as enguias europeias como as americanas terão migrado originalmente.
Podemos testemunhar um fenómeno semelhante em relação aos lemingues da Escandinávia. O lemingue, um pequeno roedor, parece sentir periodicamente um impulso migratório para Sul, durante o qual números incontáveis destes animais deixam a costa da Noruega e nadam no Atlântico. Quando chegam ao local para onde o impulso migratório os chamou, nadam de um lado para o outro durante um período considerável de tempo, como se estivessem à procura de uma terra que o instinto lhes diz que devia estar ali, mas por fim, exaustos, afundam-se nas profundezas. Também grandes bandos de aves seguem o seu exemplo e tombam no mar, exaustas, e a bela Catopsilia de asas de açafrão da Guiana Britânica, que foi descrita pelo Dr. William Beebe, o naturalista americano, obedece a um chamamento oceânico semelhante. Anualmente, os machos da espécie partem no voo fatal. Erguem-se nos céus em grandes nuvens coloridas. Se estas migrações não falam de modo eloquente de um impulso animal para regressar à Atlântida perdida, será muito difícil explicar então do que se trata.

Dois bem conhecidos biólogos, Messrs e Slater, na sua obra «The Geography of Mammals», consideram a área central atlântica como uma divisão separada da área biológica do globo a que chamam o “Mesatlântico“. Atribuem a esta região duas espécies de animais marinhos anfíbios, o Monachus, ou foca-monge, e o Sirénio Manatim. Nenhum destes animais frequenta o mar alto, sendo invariavelmente encontrados nas proximidades de terra. Uma espécie da foca-monge habita no Mediterrâneo, e a outra nas Índias Ocidentais, enquanto o Sirénio Manatim encontra-se nos estuários da África Ocidental, ao longo da costa Sul-Americana e entre as ilhas das Índias Ocidentais, e a conclusão que se pode tirar é que os seus antepassados deviam estar espalhados ao longo de uma linha costeira que “unia o Velho e o Novo Mundo num período não muito distante”.
Platão garante-nos que o elefante era um dos habitantes da Atlântida. Sempre me pareceu provável que a passagem relacionada com o elefante fosse uma daquelas que serve para revelar o valor histórico do relato de Platão. O elefante desapareceu da Europa numa era relativamente recente, sendo discernível o Elephas antiquus na última fase do Paleolítico Inferior, e o Elephas primigeneus no Paleolítico Médio ou Idade Cro-Magnon. O marquês de Cerralbo descobriu os ossos de Elephas antiquus, junto de artefactos humanos, em Torralba, na província de Soria, em Espanha. Se, então, este animal existia em Espanha durante o período em questão, um período que assistiu a uma imigração humana da Atlântida, não é improvável que nessa altura ainda vagueasse entre o território europeu e a ilha-continente, através de uma ponte terrestre ainda existente, e que, depois do desaparecimento dessa ponte, se tenha tornado extinto na Europa, mas continuasse a florescer na Atlântida, onde se encontrava isolado. Não consigo, contudo, encontrar nenhum vestígio da sua existência nos Açores ou nas Canárias, mas as escavações nestes grupos de ilhas têm sido de natureza tão superficial que, quando forem empreendidas em grande escala, podemos esperar desenvolvimentos surpreendentes. Seja como for, não há nada de extravagante na suposição de que existiram de facto elefantes na Atlântida. Se não existissem, seria muito improvável que a tradição egípcia, tal como nos é transmitida por Platão, fizesse sequer menção deles. O elefante não era de forma alguma um animal familiar no Egipto, embora os egípcios soubessem que existia na África Central. É portanto pouco provável que o sacerdote de Saís o arrastasse para a História apenas de modo a torná-la mais colorida.

A partir das formas de vida mais simples nos Açores e nas Canárias podemos fazer uma boa ideia de como a vida na Atlântida seria semelhante. Por exemplo, encontramos muitas das borboletas e mariposas das Canárias representadas tanto na Europa como na América. Sessenta por cento delas encontram-se na Europa, e vinte por cento na América, prova segura da sua anterior presença num continente submerso que, em tempos, se encontrava entre estas regiões.
Em relação à origem continental da fauna das ilhas atlânticas, M. Termier observa: “Dois factos permanecem, relativos aos animais marinhos, e ambos parecem de impossível explicação, excepto pela persistência, até tempos muito recentes, de uma costa marítima que se estendesse das Índias Ocidentais ao Senegal, e que unisse mesmo a Florida, as Bermudas e o fundo do golfo da Guiné. Quinze espécies de moluscos marinhos viviam ao mesmo tempo, tanto nas Índias Ocidentais como na costa do Senegal, e em mais lado nenhum, a menos que esta coexistência possa ser explicada pelo transporte dos embriões. Por outro lado, a fauna de madreporários da ilha de St. Thomas, estudada por M. Gravier, inclui seis espécies — uma delas não vive fora de St. Thomas, excepto nos recifes da Florida, e quatro outras são conhecidas apenas nas Bermudas. Uma vez que a duração da vida pelágica dos madreporários é de apenas alguns dias, é impossível atribuir esta surpreendente reaparição à acção das correntes marítimas. Tomando tudo isto em consideração, M. Germain é levado a admitir a existência de um continente atlântico ligado à Península Ibérica e à Mauritânia, e que se prolongava muito para Sul, de modo a incluir algumas regiões de clima desértico. Durante o período Mioceno este continente estendia-se até às Índias Ocidentais. É então dividido, primeiro em direcção às Índias Ocidentais, depois a Sul, com o estabelecimento de uma costa marítima, que se estende até ao Senegal e às profundezas do golfo da Guiné, depois por fim no Leste, provavelmente durante o período Pliocénico, ao longo da costa de África. O último grande fragmento, finalmente engolido, sem deixar outro vestígio que não os quatro arquipélagos, seria a Atlântida de Platão.”