John Maynard Keynes nasceu em Cambridge em 1883, ano da morte de Karl Marx. Fazia parte das famílias burguesas relativamente desafogadas da Inglaterra vitoriana.
Isso iria facilitar-lhe o seu percurso escolar, que foi considerado como brilhante: em 1897, entra em Eaton, um dos colégios mais prestigiosos das ilhas britânicas, depois no King’s College da Universidade de Cambridge, em 1902. Estuda matemática e acaba o curso coroado de sucesso. Em seguida dedicar-se-á à economia e tornar-se-á professor em Cambridge. Passa a fazer parte de numerosos clubes elitistas que reúnem jovens intelectuais um pouco críticos da sociedade capitalista e da sua moralidade muitas vezes hipócrita.
No início da guerra alistou-se no departamento do Tesouro. Foi nessa situação que participou na Conferência de Versalhes para discutir as compensações impostas à Alemanha, em 1919. Ficou horrorizado pela lógica seguida pelas potências aliadas que pretendiam esgotar o país vencido. Pediu a demissão e publicou um primeiro trabalho que se tornaria célebre: As consequências económicas da paz. Lénine utilizará o seu conteúdo para denunciar a rapacidade dos países imperialistas para aumentarem a sua pilhagem e as suas colónias. [1]
Keynes lança-se em seguida nos negócios. Depois de momentos difíceis, poderá constituir uma pequena fortuna que lhe permitirá comprar numerosas obras artísticas e culturais (como as memórias de Isaac Newton). Tornar-se-á por outro lado administrador e mesmo presidente de várias companhias de seguros.
Nos anos 20 liga-se essencialmente ao partido liberal, que está moribundo. A questão de aderir ao partido trabalhista chegou a colocar-se, mas ele rejeitou essa ideia, explicando: “Para começar, é um partido de classe, e essa classe não é a minha. Se tiver que reivindicar vantagens para uma fracção da Sociedade, será para aquela à qual pertenço. Se isto levar à luta de classes como tal, o meu patriotismo local e pessoal, como todo ou cada um de nós, fora certas excepções de um zelo desagradável, ligar-se-á ao meu próprio meio. Posso ser sensível ao que eu creio ser a justiça e o bom senso, mas a guerra de classes encontrar-me-á do lado da burguesia culta [2].” De resto, ele mantém-se membro de vários grupos de reflexão do regime que debatem, em pequeno comité, as grandes orientações da Sociedade.
No entanto, em 1929, torna-se conselheiro económico do governo trabalhista de Ramsay MacDonald. Foi aí que começou a interessar-se pela crise económica que começa com o crash de Outubro de 1929. Consagrar-lhe-á dois grandes trabalhos, o Tratado sobre a moeda e, sobretudo em 1936, a Teoria Geral do Emprego, do lucro e da moeda.
O que é que ele defende? É necessário que nos coloquemos no contexto da época. Não existe teoria macroeconómica que aborde as questões num plano nacional. O estudo da economia é essencialmente microeconómico, quer dizer baseado no jogo individual dos actores, tornando as estatísticas deficientes, o que coloca dificuldades aos governos. Keynes irá então propor conceitos que irão fundar a macroeconomia tal como se pratica ainda hoje (nomeadamente no plano estatístico).
Segundo ele, o produto nacional de um país (como de resto o seu rendimento) pode ser decomposto em duas partes: a que corresponde à procura do consumo e a que vai para o investimento. Nomeando Y o produto nacional (em inglês a primeira letra de yield, produto), C o consumo das famílias e I o investimento, obtém-se portanto Y=C+I. Como evoluem estes dois componentes? [3]
O consumo varia parcialmente com o rendimento nacional: consumir-se-á mais se os rendimentos aumentam. Em contrapartida, o investimento é imprevisível e difícil de determinar. É uma aposta a longo termo. Ora, há o que Keynes chama a preferência pela liquidez, a saber: que os intervenientes preferem ter os activos líquidos para poderem dispor deles.
O investimento depende da poupança (designada pela letra S de savings em inglês). Ora, os capitalistas podem investir, mas também entesourar ou especular nos mercados financeiros. O mecanismo económico bloqueia-se quando demasiado dinheiro não é reinvestido no aparelho produtivo para que se reproduza e aumente a riqueza. Pode resumir-se isto sob a forma do esquema seguinte. Nós recuperamos uma forma mais marxista de apresentação, distinguindo os assalariados que consomem a totalidade dos seus rendimentos e os capitalistas vivendo dos lucros das empresas e podendo quer consumir, quer poupar.

O funcionamento normal é que a poupança seja investida para aumentar o nível da produção e assegurar o crescimento económico que permite o desenvolvimento do emprego.
No entanto, Keynes constata que as decisões capitalistas são cumulativas. Quando a conjuntura é boa, ela é para todos e portanto todos querem investir. Há sobreinvestimentos. Inversamente, quando ela é má, todos suspendem as suas despesas ao mesmo tempo. Há subinvestimento e bloqueio que perduram. Isto tem efeitos desastrosos ao nível do desemprego.
Ao mesmo tempo, o investimento tem um efeito multiplicador sobre o desenvolvimento nacional. Com efeito, engendra o contrato de efectivos suplementares que consomem, portanto geram novas actividades, impulsionadoras de novos investimentos, etc. Por outras palavras, se forem investidos 10 (milhões ou milhares de milhões de euros), o impacto global sobre o crescimento económico pode ser de 15, 20, 30…em função desse multiplicador.
Este terá consequências tanto mais benéficas quanto o consumo for mais elevado, proporcionalmente ao rendimento, dado que ele engendrará uma maior actividade derivada. Isto pode ser facilmente concebido. Se o consumo se situar a 25% do rendimento nacional, um investimento terá um efeito de consumo equivalente a estes 25% mais os efeitos que daí decorrem (pelo facto de que o consumo gera ele próprio actividades que elevam de novo o consumo e assim de seguida). Se o consumo representar 50%, o impacto atingirá os 50% (e ainda mais com as atividades que isso engendra).
Que é necessário fazer, segundo Keynes? Ele tem um programa em quatro pontos. [4]
Em primeiro lugar, é preciso consumir e aumentar a parte do consumo no rendimento, porque isso tem consequências positivas no crescimento. Keynes vai lançar às famílias numerosos apelos para consumirem mais.
Em seguida, é necessário organizar o afluxo de investimentos para uma política monetária adequada: taxas de juros baixas permitem recorrer ao crédito e favorecem portanto o investimento. Mas, reconhecerá Keynes no seu trabalho de 1936, a situação dos anos 30 é tal, que a política monetária de baixas taxas de juro se torna ineficaz. Hoje também, com taxas de 0% nos Estados Unidos e no Japão e de 1% na Europa, é difícil ir mais baixo para tentar um relançamento do crédito. É preciso outra coisa.
Por isso, Keynes enuncia a sua terceira proposta: investimento público. Se o privado falta, é necessário que os poderes públicos o substituam. A intervenção do Estado deve, no espírito de Keynes, actuar inversamente aos movimentos de investimento privados. Não se trata de substituir em permanência o público pelo privado. Este deve manter-se a dominar o jogo. Mas em presença de decisões capitalistas que conduzam seja a um sobreinvestimento e portanto a um sobreaquecimento da economia, seja a um subinvestimento e a uma crise, o Estado deve conduzir uma política contracíclica: multiplicar as despesas quando o privado estiver friorento; parar tudo e mesmo desinvestir quando os empreendedores forem muito activos. Assim, esta intervenção permitiria estabilizar em maior grau os investimentos. É aquilo a que se chama uma regulação macroeconómica de tipo keynesiano.
Em quarto lugar, pretende Keynes, o Estado deve regulamentar os mercados financeiros para impedir que eles tenham um efeito perturbador. Escreve nomeadamente: “Os especuladores podem ser tão inofensivos como bolas de ar numa corrente regular de empresa. Mas a situação torna-se séria quando a empresa não for senão uma bola de ar no turbilhão especulativo. Quando num país o desenvolvimento do capital se torna o subproduto da actividade de um casino, arrisca-se a realizar-se em condições defeituosas”. [5] Desde logo, a profissão de banqueiro deve ser controlada para que ele sirva a economia “real” e portanto o capitalismo.
O efeito das políticas preconizadas pelo economista britânico pôde parecer extremamente importante. Estas políticas estão associadas às medidas decididas pelo presidente Roosevelt e reagrupadas sob o nome de New Deal. Na realidade, a influência não foi senão parcial e é recíproca. À partida, os planos de Roosevelt servem sobretudo para salvar o sistema da bancarrota. Não existe um projecto levado a bom termo que tivesse sido realizado com conhecimento de causa. É um processo de tentativas e de erros.
Em contrapartida, o impacto dos escritos de Keynes será mais importante depois da Segunda Guerra Mundial. Foi ele quem definiu em parte a arquitectura financeira internacional aquando dos acordos de Bretton Woods, em 1944. Ele representou o governo britânico e elaborou as principais disposições a levar a cabo: conversão em ouro de uma moeda central internacional, o bancor; estabelecimento de uma taxa de câmbio fixa de todas as moedas em bancor; impossibilidade de desvalorização (salvo acordo dos parceiros); ajuda às nações em dificuldade por um organismo criado especialmente para isso, o FMI (Fundo Monetário Internacional). A Casa Branca aceitará tudo, salvo o conceito do bancor, que ela substituirá pelo dólar.
Neste quadro, os diferentes Estados aplicam políticas macroeconómicas abertamente keynesianas de intervenções para estimular o crescimento. Esta situação continuará até aos anos 70… quando os acordos de Bretton Woods são rasgados por Richard Nixon.
Aquando desta conferência internacional, Keynes estava já doente. Morreu de uma crise cardíaca, em 21 de Abril de 1946. A sua origem, o seu percurso e a sua vida mostram que é como ele escreveu de si mesmo, um membro da burguesia. O que ele quer é perpetuar o capitalismo e eliminar o que é excessivo no seu funcionamento. Tem um desprezo profundo pelas massas populares e pelos sistemas que se apoiam nelas. Quando de uma viagem à URSS, [6] escreveu: “Como poderia tornar meu um credo que, preferindo a lama aos peixes, exalta o proletariado grosseiro acima dos burgueses e da intelectualidade que, sejam quais forem os seus erros, encarnam o bem-viver e transportam neles os progressos futuros da humanidade?” [7]
NOTAS:
[1] “Informe sobre a situação internacional e as tarefas fundamentais da I.C.” 19 de julho de 1920, em Lénine, (Obras, vol. 31, p.226 e seguintes) (http://www.marxists.org/francais/lenin/works/1920/07/vil19200719.htm)
[2] John Maynard Keynes, A pobreza na abundância, Gallimard, Paris, 2002, p.18.
[3] A contabilidade nacional acrescentou dois elementos: as despesas governamentais (G) e a balança comercial (se o X designar as exportações e M as importações, a balança comercial pode ser representada pela diferença X-M). Assim, o produto interno bruto (PIB, designado ainda pela letra Y) pode decompor-se em: Y = C+I+G+ (X-M).
[4] Fomos nós que resumimos assim o seu programa. Keynes não o formulou tão claramente.
[5] John Maynard Keynes, Teoria Geral do Emprego, do juro e da moeda, Payot, Paris, 1979, p.171.
[6] Que ele não considera negativamente no conjunto.
[7] John Maynard Keynes, A pobreza na abundância, ob. cit., p.39.
Índice de “Keynes e a crise”: https://paradigmas.online/?p=420
Artigos relacionados com John Maynard Keynes: