O Paradigmas irá, a partir de hoje e começando por este POST publicar uma série de artigos relacionados com as farmacêuticas, que têm como origem um artigo publicado, provavelmente em 2007, no jornal francês “Le Monde” chamado “Retratos de um “Apartheid” Médico” e escrito por Sonia Shah, uma jornalista canadiana autora dos livros «The Body Hunter» e «Crude: The Story of Oil».
O artigo penetra no obscuro negócio das farmacêuticas e revela-nos alguns pormenores no mínimo interessantes, que nos dão conta de uma certa segregação não tanto racial, mas social e económica no operar desta máquina corporativa.
O artigo:
A indústria multinacional farmacêutica gasta quase 40 biliões de dólares por ano no desenvolvimento de novos medicamentos. Para isso, mobiliza uma crescente parcela dos cientistas mais experientes do mundo e a mais sofisticada tecnologia médica.
Com tal investimento maciço poderia esperar-se um aumento do número de medicamentos de impacto dirigidos para os flagelados da humanidade. No entanto, neste ano, só a malária atingirá 500 milhões de pessoas no mundo, e matará cerca de três milhões. Os remédios mais modernos de que os médicos dispõem para trata-los são anti-diluvianos: um medicamento chinês de mil anos, que substitui uma droga desenvolvida há mais de 50 anos [1].
A indústria farmacêutica não desprezou as partes do mundo assoladas por doenças como a malária. Pelo contrário: nunca antes os fabricantes de remédios deram tanta atenção aos pobres do mundo. Os grandes laboratórios estão realizando milhares de ensaios clínicos nos países em desenvolvimento — Bulgária, Zâmbia, Brasil e Índia, por exemplo. Aninhado contra as favelas enegrecidas de fuligem em Mumbai ergue-se o reluzente prédio branco da Novartis, onde os pesquisadores franzem as sobrancelhas na busca de novas drogas. Ao redor das que se espalham cercando a Cidade do Cabo, ficam os cintilantes laboratórios de teste da Boehringer Ingelheim. Recentemente, a Pfizer, a Glaxosmithline (GSK) e a Astrazeneca instalaram centros globais de testes clínicos na Índia. No ano passado, a GSK realizou mais da metade dos seus testes de drogas novas fora dos mercados ocidentais, escolhendo em particular países de “baixo custo” para os testes “deslocalizados” [2].
As empresas não estão lá para curar os males dos doentes pobres que fazem fila em suas reluzentes clínicas de pesquisa. Os fabricantes de drogas foram aos países em desenvolvimento para fazer experiências com as multidões de doentes miseráveis. Servem-se deles para produzir os remédios destinados às pessoas cada vez mais saudáveis noutros lugares, em particular ocidentais ricos que sofrem os desgastes da idade, como doenças cardíacas, artrite, hipertensão e osteoporose. Essa tendência — desenvolver drogas para os ricos globais testando-as nos pobres globais — além de não ser um investimento de recursos científicos preciosos, ameaça os direitos humanos e a Saúde pública global.
NOTAS:
[1] Sonia Shah, “Perfect Predator”, Orion Magazine, Novembro/Dezembro 2006
[2] Ler Jean-Philippe Chippaux, “As vítimas da Big Pharma”, Le Monde Diplomatique-Brasil, Junho de 2005.