Contudo, testes clínicos realizados de forma não-ética fazem mais do que minar os direitos humanos: solapam a legitimidade da medicina ocidental, de modo mais geral. A crise de confiança entre muitas pessoas no mundo no desenvolvimento e na medicina estilo ocidental aprofunda-se diariamente. O espectro de uma explosão de testes clínicos secretos pouco controlados inflama tais reacções. Muitos fabricantes de drogas e pesquisadores clínicos concordam que a coerção e a falta de informação são problemas óbvios, mas alegam que as grandes esperanças com a pesquisa biomédica compensam os riscos e sustentam que, se a regulamentação for exagerada, os testes clínicos e o ritmo da inovação médica vão se reduzir e mais pessoas vão morrer.
Esse argumento é fraco, mas comum e poderoso. Pode ser verdade que a qualidade do atendimento nos testes clínicos seja frequentemente superior ao tratamento normal e que os médicos encarregados dos ensaios tenham acesso à mais recente tecnologia, instrumentos e recursos que podem destinar ao cuidado dos pacientes. Esses são benefícios concretos dos testes clínicos. Mas os dados em si não podem significar automaticamente o progresso da medicina (qualquer um que tenha visto as mais modernas vacinas apodrecendo em almoxarifados tropicais pode confirmar). O progresso da medicina requer a implementação da pesquisa, não apenas testes, e isso exige que governos, programas de Saúde, pacientes e muitos outros actores tenham de facto algo a ver com os dados.
Devíamos exigir que os voluntários pelo menos tivessem acesso aos métodos comprovados nos seus testes, não apenas num futuro hipotético, mas aqui e agora. Com excessiva frequência, novas drogas desenvolvidas com experiências em habitantes dos países pobres não são licenciadas para uso nesses países, têm preços proibitivos, ou não são utilizáveis porque a droga não é importante de um ponto de vista clínico. Precisaríamos exigir, também, alguma forma de confirmação ou validação para que o consentimento informado fosse de facto informado e voluntário.
Tais medidas poderiam acabar com alguns testes. Mas como disse o bioético Jonathan Moreno, seria parte do preço que pagamos para reconhecer que há uma diferença entre um rato de laboratório – que não precisa ser consultado se quer participar numa experiência [1] – e um ser humano.
NOTA:
[1] Ver Libertar os animais, re-humanizar a vida, Le Monde Diplomatique-Brasil. E, também, o Manifesto pela Libertação dos Animais, na edição de Setembro do LMD, síntese das teorias do professor americano Garry Francione sobre a abolição da exploração animal (N.T.).
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