Retratos de um Apartheid Médico (Parte 2): Num mercado de biliões, 100 mil “voluntários” para cada droga

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Corrupção na FDA (Food and Drug Administration)
Corrupção na FDA (Food and Drug Administration)

Os Estados Unidos são o maior mercado de medicamentos do mundo. O norte-americano médio leva para casa dez receitas médicas por ano. Desde 2000, a indústria farmacêutica cresceu 15% por ano, triplicando o lançamento de drogas experimentais entre 1970 e 1990. Isto se deve, em grande parte, a mudanças nos regulamentos dos EUA sobre medicamentos. Em 1984, a agência norte-americana de medicamentos e alimentação (Food and Drug Administration, FDA) estendeu as patentes dos fabricantes para novas drogas; em 1992, começou a aceitar pagamentos de fabricantes em troca do exame e libertação mais rápida de suas drogas novas e, em 1997, suprimiu as regras que baniam anúncios de televisão para os remédios novos. Essa mudança bastou para trazer uma grande transformação na indústria. Pela primeira vez, permitiu-se aos fabricantes de medicamentos dirigir as propagandas mais atraentes dos remédios novos directamente a um grande número de consumidores, sem a mediação céptica de um médico.

Há muito dinheiro a ganhar vendendo medicamentos a norte-americanos: a indústria de medicamentos é uma das mais lucrativas do mundo. O problema é que quanto mais apreciam remédios, menos pessoas estão dispostas a se inscrever nos testes clínicos exigidos para desenvolver os novos. Cada droga nova exige cerca de quatro mil voluntários para os testes clínicos, o que por sua vez significa que 100 mil pessoas têm de ser atraídas para os ensaios iniciais. Porque tantos? Porque não é fácil desenvolver novos remédios para doenças do coração, artrite, hipertensão e outras condições crónicas não contagiosas.

Apesar do máximo esforço da indústria, a maioria das novas drogas destinadas a tratar dessas doenças tem eficácia apenas marginal. Algumas são similares a uma pílula de placebo. “Você tem sempre de batalhar para encontrar uma diferença” entre os pacientes tratados e não-tratados, diz um pesquisador clínico veterano. Não é preciso testar muitos pacientes para provar a eficácia, por exemplo, da insulina para pessoas em coma diabético, porque o efeito da droga é muito visível. Mas provar que drogas de baixa acção, como anti-alérgicos, medicamentos para o coração ou pílulas anti-inflamatórias têm uma eficácia real exige um grande número de pessoas testadas.

A necessidade da indústria encontrar voluntários para experiências é imensa. Entretanto, pouco mais de um em vinte norte-americanos estão dispostos a participar de testes clínicos. A razão é óbvia. Por que se expor a compostos experimentais, não testados, quando o leque de alternativas comprovadas está ao alcance das mãos?

Continuação: 

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