Apolónio de Tiana foi um neopitagórico do Século I, um filósofo carismático, professor, vegetariano e milagreiro. Ele foi talvez o filósofo mais famoso do mundo greco-romano e um contemporâneo de Jesus, com quem foi muitas vezes comparado. Apolónio viajou muito para a sua época: visitou a Síria, o Egipto e a Índia, entre outros lugares, e era tido como um sábio e autor de muitos prodígios. Durante a época em que viveu e posteriormente alcançou uma fama quase mítica e os seus ensinamentos têm influenciado o pensamento científico e espiritual há mais de dois mil anos.
Ao longo da vida, Apolónio escreveu inúmeros livros e tratados sobre vários assuntos, entre os quais a filosofia, a Ciência e a medicina, mas infelizmente nenhum desses volumes chegou aos nossos dias. Existem breves referências a ele em obras antigas de autores cristãos como S. Jeremias e S.t0 Agostinho, mas a principal fonte sobre a vida de Apolónio é «Vida de Apolónio», escrita pelo autor ateniense Flávio Filostrato (170 d. C. – 245 d. C.). Escrito em grego em 216 d. C., esta obra consiste em oito livros e é a única biografia que chegou até nós sobre este grande sábio. Aparentemente foi baseada num diário mantido pelo companheiro de Apolónio, Damis, e encomendada por Júlia Domna, da Síria, segunda esposa do imperador Septímio Severo e mãe de Caracala. Uma razão que foi sugerida para que Júlia pedisse tal trabalho seria contrariar a influência do Cristianismo na civilização romana. Com efeito, alguns até o viram como uma tentativa de construir um milagreiro que rivalizasse com Jesus Cristo. A própria obra é uma mistura de verdade histórica e de ficção romântica descarada, razão pela qual tão pouco se sabe sobre Apolónio. De facto, existem tantas ocorrências milagrosas no livro que muitas pessoas pensaram que Apolónio de Tiana seria uma personagem completamente ficcional. Ainda hoje existem algumas pessoas que são dessa opinião.
Apolónio nasceu por volta de 2 d. C. em Tiana (a moderna Bor, no Sul da Turquia), na província romana de Capadócia. Nasceu numa família grega rica e respeitada e teve acesso à melhor educação do seu tempo – estudou gramática e retórica em Tarso, aprendeu medicina no templo de Asclépio, em Aigai, e filosofia na escola de Pitágoras. Aos dezasseis anos acatou a disciplina da escola pitagórica e adoptou o seu modo de vida austero. Deixou crescer o cabelo, absteve-se do casamento, do vinho e da carne dos animais; apenas usava roupas de linho, nunca se barbeava e dormia sobre o solo. Em breve, Apolónio ficou célebre pelos seus hábitos e por criticar severamente a prática pagã de sacrificar animais aos deuses. Mais tarde deu a maior parte de tudo o que herdou da família ao seu irmão mais velho, e o restante aos parentes mais pobres, ficando apenas com o suficiente para assegurar as suas necessidades mais básicas. Deu então início a um período de cinco anos de completo silêncio. Este silêncio parece ter feito crescer a aura profundamente espiritual que já o rodeava e aumentou a sua reputação de sábio e vidente. Filostrato descreve Apolónio como sobre-humano, alguém que possuía o conhecimento de todas as línguas sem as estudar, que conseguia ler os pensamentos dos outros, compreendia a linguagem dos pássaros e dos animais e tinha a capacidade de prever.
Fascinado pelas doutrinas secretas das Religiões do mundo, e dedicado à purificação de inúmeros cultos ao longo do Império Romano, Apolónio embarcou numa demanda para descobrir, compreender, reformar e ensinar a sua variante única de filosofia neopitagórica onde quer que pudesse. Ele visitou Nineveh e Babilónia, tendo atravessado grande parte da Ásia Menor (a actual Turquia), da Pérsia, da Índia e do Egipto, onde visitou as cataratas do Nilo. Foi nestas viagens que entrou em contacto e aprendeu com o misticismo oriental dos magos, brâmanes e dos gimnosofistas, sendo também onde conheceu o seu escriba e principal discípulo, Damis, cujos registos dos acontecimentos da vida do filósofo supostamente influenciaram a biografia escrita por Filostrato.
Durante algum tempo o grande sábio e o seu discípulo instalaram-se na antiga cidade de Êfeso (na actual Turquia), onde se tornou famoso por condenar o estilo de vida materialista e indolente da população. Durante a sua permanência em Êfeso, Apolónio procurou entender os mistérios da deusa de Êfeso mas foi violentamente rejeitado pelos sacerdotes locais. Antes de abandonar a cidade profetizou que uma terrível praga a infestaria e que os sacerdotes em breve implorariam a sua ajuda. De início este aviso aparentemente infundado foi ignorado, mas em breve, quando a epidemia mortal se abateu sobre a cidade, os sacerdotes não tiveram alternativa senão mandar chamar o grande mágico. Quando ele chegou identificou como causa do problema um velho e andrajoso mendigo e instruiu a multidão para que o apedrejassem imediatamente até à morte. Naturalmente que as pessoas não estavam dispostas a praticar um acto tão cruel, mas Apolónio insistiu nas suas acusações e o pobre homem foi atacado por uma chuva de pedras. Quando os habitantes da cidade removeram o monte de pedras para retirarem o corpo, encontraram o cadáver de um enorme cão preto. Apolónio identificou-o como a causa da pestilência, que parou de imediato. Depois desta intervenção, um segundo pedido de entrada nos mistérios efesianos foi imediatamente concedido. Aparentemente, Apolónio teve também acesso aos mistérios do Templo de Apollo, em Antióquia, na Síria, e tornou-se num iniciado nos Mistérios Eleusianos em Eleusina, a oeste de Atenas.
Há uma história estranha que é contada sobre Apolónio e que envolve o casamento de um seu antigo estudante, um jovem chamado Menipo, que vivia em Corinto. Menipo estava prestes a casar com uma bela e rica mulher, que vislumbrara pela primeira vez numa visão. Apolónio era um dos convidados para o banquete e reparou que havia algo de errado com a noiva. Depois de a observar cuidadosamente durante algum tempo, Apolónio proclamou que ela era uma lamia (uma espécie de vampira) e utilizou os seus poderes para fazer desaparecer todos os luxos do banquete, incluindo os convidados, demonstrando que eram alucinações construídas pela rapariga. Depois disto o disfarce esmoreceu e a verdadeira lamia foi revelada. Este conto bizarro foi utilizado como base para o poema «Lamia» que John Keats escreveu, em 1819, e tem o sabor de uma história alegórica, ilustrando a filosofia de Apolónio em relação aos perigos de uma Sociedade demasiado materialista.
Durante o reinado do infame imperador Nero (54–68), Apolónio e mais oito dos seus discípulos viviam em Roma, apesar de Nero ser conhecido por perseguir filósofos. Parece que o cônsul de Nero, Telésimo, ficou tão impressionado com o grupo que este até foi autorizado a ajudar a modificar as práticas religiosas existentes. Se foi isto que incitou a fúria de Nero não se sabe, mas o grupo em breve corria risco de vida. No final acabaram por escapar de alguma forma, provavelmente devido ao medo que Tigelino tinha de Apolónio. Durante a sua estada em Alexandria, no Egipto, o sábio tornou-se amigo de Vespasiano, que tinha recentemente acabado com a Grande Revolta Judaica em Jerusalém e que foi imperador de Roma entre 69 e 79. Através de Tito, filho de Vespasiano e governante do Império Romano de 79 a 81, Apolónio conheceu muitos oficiais romanos importantes e parece ter sido a favor de um império bem gerido e democrático. Infelizmente, o sucessor de Tito como imperador romano foi o paranóico e irresponsável Tito Flávio Domiciano, que baniu todos os filósofos de Roma e tinha um elenco de espiões e informadores ao seu serviço por todo o império. Estes espiões não tardaram a ouvir a condenação de Apolónio aos métodos de Domiciano, tendo Apolónio sido acusado de traição. Apolónio adiou a acusação indo para Roma voluntariamente, onde foi imediatamente preso e encarcerado. Domiciano mandou chamar o famoso filósofo com a intenção de o entrevistar em privado e depois julgá-lo em público. Mas a firmeza imponente, e ao mesmo tempo reverente, demonstrada por Apolónio de alguma forma conquistou o imperador. Ou isso ou Domiciano ficou tão intimidado por ele que o deixou ir em liberdade.
Numa certa ocasião, Apolónio estava a fazer um discurso em Êfeso quando de repente a sua voz falhou e pareceu que estava a perder a concentração. Ele ficou então em silêncio, olhou para o chão e repentinamente gritou: «Ataquem o tirano, ataquem-no!». A enorme multidão de espectadores ficou atónita e estupefacta. O sábio fez uma pausa e então disse: «Tomai atenção, senhores, pois o tirano foi morto hoje.» Mais tarde veio a saber-se que no preciso momento em que Apolónio dissera as suas palavras proféticas, o imperador Domiciano tinha sido assassinado em Roma.
Posteriormente, Apolónio fundou uma escola em Êfeso e aparentemente foi nesta cidade, durante o reinado do imperador Nerva, entre 96 e 98, que morreu com uma idade extremamente avançada. Contudo, ninguém sabe exactamente onde e quando morreu, apesar de ter sido erguido um santuário em sua honra na sua terra natal de Tiana, alvo de veneração durante muitos anos. Tal foi a sua fama como filósofo que foram colocadas estátuas suas em muitos outros templos por todo o império. O mistério da morte do filósofo encorajou muitos mitos e rumores à época. Foi dito que ele tinha ascendido em corpo ao céu, tendo aparecido depois da morte a certas pessoas que duvidavam da existência da vida após a morte. Filostrato perpetuou o mistério ao dizer: «No que diz respeito à sua morte, se é que morreu, os relatos são vários.» Apolónio ganhou uma reputação de respeito considerável nos séculos que se seguiram à sua morte. Perto do final do Século III, durante as fases finais da luta hostil entre o Cristianismo e o paganismo, alguns anticristãos tentaram estabelecer Apolónio como um rival de Jesus de Nazaré. Estes foram auxiliados pelos muitos templos e santuários já existentes erguidos em honra do sábio em Éfeso e noutras partes da Ásia Menor, e também pelas histórias dos milagres que ele fizera, especialmente os que estão ligados à sua célebre influência sobre os espíritos malignos como os lamia. O livro de Filostrato sobre a vida de Apolónio foi utilizado por um governador romano chamado Hierocles como arma contra os cristãos, e assim começou um hostil debate entre estes e os pagãos. Eusébio, um historiador cristão, escreveu um discurso em resposta a Hierocles, afirmando que Apolónio era um charlatão e que se ele tinha possuído algum poder este tinha sido conseguido com a ajuda de espíritos maléficos.
Mais recentemente, Apolónio de Tiana tornou-se numa importante influência no revivalismo ocultista do Século XIX. O ocultista francês Eliphas Levi (1810–1875) até tentou convocar o espírito do grande sábio. Aparentemente, quando estava de visita a Londres, em 1854, Levi foi abordado por uma misteriosa mulher vestida de negro que lhe pediu que tentasse convocar o fantasma de Apolónio, como se tivesse questões vitais que precisavam da sua resposta. A preparação de Levi para o ritual consistiu em duas semanas sem comer carne e uma semana de jejum e de meditação sobre Apolónio. O ritual viria a ser realizado numa sala da casa da mulher, com quatro espelhos côncavos nas paredes e uma mesa de mármore onde foram colocados dois pratos de metal. Depois dos preparativos necessários, Levi, vestido com uma túnica branca e brandindo uma espada, acendeu chamas nos pratos e começou a invocar o sábio. Os seus encantamentos prolongaram-se durante horas, até que a sala começou a tremer sob os seus pés e a vaga forma de um homem surgiu no fumo, dissolvendo-se rapidamente. Ele repetiu os encantamentos e dessa vez a forma transformou-se numa aparição de um homem sem barba embrulhado da cabeça aos pés numa mortalha cinzenta. A medida que o vulto avançava para si, Levi ficou gelado e não conseguiu falar. O fantasma roçou na espada ritual e Levi ficou com o braço dormente e perdeu os sentidos. No seu livro «Magia Transcendental» (1865), onde descreve este incidente em pormenor, Levi relata que o braço ficou dorido durante dias. Ele não reclama ter invocado de facto a sombra de Apolónio, mas menciona que recebeu telepaticamente as respostas para as perguntas da mulher, apesar de nunca ter revelado essas perguntas.
Apolónio de Tiana continua a fascinar pessoas no Século XXI. As teorias correntes, que são na verdade reafirmações de velhas ideias, dizem que ele foi de facto o apóstolo Paulo, ou mesmo Jesus de Nazaré, e que a imagem no Sudário de Turim é na verdade a de Apolónio. Mas Apolónio de Tiana não deve ser meramente recordado como um mágico ou um milagreiro. Ele tinha uma devoção obstinada por um ideal puro e elevado e foi este propósito que lhe deu coragem para encarar os mais poderosos e perigosos líderes do mundo, sem se desviar um centímetro daquilo em que realmente acreditava.