Estabelecemos, então, que o nosso medicamento é em geral seguro, num pequeno número de pessoas saudáveis a que se convencionou chamar “voluntários”. Queremos agora ministrá-lo a indivíduos com a doença que pretendemos tratar, para tentar compreender se resulta ou não.
Isto faz-se durante os ensaios clínicos da “fase 2” e “fase 3”, antes de o medicamento ser introduzido no mercado. A fronteira entre estas duas fases é flexível mas, em linhas gerais, na fase 2 ministra-se o medicamento a um par de cem doentes, e tenta-se recolher informações sobre os desfechos a curto prazo, os efeitos secundários e a dosagem. Será a primeira vez em que conseguimos ver se o nosso medicamento para a tensão arterial baixa realmente a tensão em pessoas com tensão alta, e também será a primeira vez em que nos informamos sobre efeitos secundários muito frequentes.
Nos estudos da fase 3, ministramos o medicamento a um grupo maior de doentes, normalmente entre 300 a 2000, informando-nos mais uma vez acerca dos desfechos, dos efeitos secundários e da dosagem. Todos os ensaios da fase 3 são ensaios controlados aleatórios, que comparam o nosso novo tratamento com qualquer outra coisa. (Como irá reparar, todos os ensaios anteriores à introdução do medicamento no mercado realizam-se num número bastante reduzido de pessoas, o que significa uma grande improbabilidade de detecção dos efeitos secundários mais raros. Voltarei a este assunto mais adiante.)
O leitor há-de estar a interrogar-se, mais uma vez: quem são esses doentes e de onde vêm? É claro que os participantes do ensaio não são representativos de todos os doentes, por diversas razões. Em primeiro lugar, temos de reflectir nos motivos que levam alguém a participar num ensaio. Seria agradável imaginar que todos nós reconhecemos o valor público da investigação e seria agradável imaginar que todas as investigações têm valor público. Infelizmente, realizam-se muitos ensaios sobre Medicamentos que são simples cópias de produtos de outras empresas, constituindo, por conseguinte, uma inovação concebida apenas para dar dinheiro a um fabricante de Medicamentos, em vez de um avanço significativo para os doentes. Como os participantes têm dificuldade em perceber se um ensaio que lhes foi proposto representa realmente uma questão clínica significativa, podemos compreender, em certa medida, a relutância das pessoas em participarem.
Seja como for, muitos indivíduos saudáveis do mundo desenvolvido mostram-se, em geral, cada vez mais relutantes em participar em ensaios, o que suscita questões interessantes, tanto éticas como práticas.
Nos Estados Unidos, onde muitos milhões de pessoas não conseguem pagar cuidados de Saúde, os ensaios clínicos são amiúde apresentados como uma maneira de aceder gratuitamente a consultas médicas, exames de diagnóstico, análises ao sangue e tratamentos. Um estudo comparou a situação relativamente aos seguros de Saúde das pessoas que aceitaram participar num ensaio clínico com a das que não aceitaram: os participantes constituem uma população variada mas, ainda assim, as pessoas que aceitaram participar apresentavam uma probabilidade sete vez maior de não ter seguro de Saúde. Outro estudo analisava estratégias para melhorar o recrutamento entre latino-americanos, um grupo com salários mais baixos e cuidados de Saúde mais deficientes do que a média: 96% aceitaram participar, uma taxa muito mais elevada do que a que se esperaria normalmente.
Estes resultados ecoam o que vimos nos ensaios da fase 1, para os quais só os muito pobres se ofereciam. Também suscitam a mesma questão ética: os participantes num ensaio devem provir da população que poderá, realisticamente, beneficiar das respostas fornecidas por esse ensaio. Se os participantes são as pessoas sem seguro de Saúde, e os Medicamentos só estarão à disposição dos que estão cobertos por seguros, então não é claramente esse o caso.
Contudo, o recrutamento selectivo de pobres para ensaios nos Estados Unidos não é nada em comparação com outra situação nova, que muitos doentes, e também muitos médicos e académicos, ignoram totalmente. Os ensaios estão a ser cada vez mais extenalizados em todo o mundo, realizando-se em países com regulação inferior, cuidados médicos inferiores, problemas médicos diversos e, em alguns casos, populações completamente diferentes.