Há alguns problemas muito sérios, quer no modo como são aprovados os Medicamentos quer no modo como é monitorizada a sua segurança depois de estarem disponíveis. Os Medicamentos são aprovados com base em evidências fracas, sem revelarem benefícios em relação aos tratamentos existentes e, por vezes até, sem revelarem nenhum benefício. Isto cria um mercado inundado de Medicamentos que não são muito bons. A seguir, não se recolhe as melhores provas sobre eles quando estão disponíveis, mesmo quando se dispõe de legislação que permita forçar as empresas a realizarem melhores ensaios e mesmo quando elas se comprometeram a fazê-lo. Por último, os dados sobre os efeitos secundários são recolhidos de uma maneira ligeiramente à porta fechada, com documentos secretos e “planos de gestão dos riscos” escondidos de médicos e doentes sem nenhum motivo sólido. Os resultados desta monitorização de segurança são comunicados de forma inconsistente, através de mecanismos não informativos e, por isso, usados com pouca frequência, e são vulneráveis a atrasos espectaculares impostos pelas empresas da Indústria Farmacêutica.
Podíamos tolerar alguns destes problemas, mas suportá-los a todos ao mesmo tempo cria uma situação perigosa, em que os doentes são habitualmente prejudicados por falta de conhecimento. O facto de o mercado estar inundado de Medicamentos que de pouco servem, ou que são piores do que os seus rivais, não teria importância se os médicos e os doentes estivessem informados, se pudessem descobrir imediatamente as melhores opções e se pudessem alterar o seu comportamento de modo a reflecti-las. Mas tal não é possível quando reguladores sigilosos nos privam das informações existentes sobre riscos e benefícios ou se nem sequer se recolhem dados de ensaios de boa qualidade.
Corrigir esta situação exige uma mudança cultural significativa no modo como encaramos os novos Medicamentos; mas, antes de chegarmos aí, há vários passos, pequenos e óbvios, que deveriam impor-se por si.
1 – As empresas da Indústria Farmacêutica deveriam ser obrigadas a fornecer dados que comparassem o seu novo medicamento com o melhor tratamento à disposição, antes de ele chegar ao mercado, e isto para todos os seus novos Medicamentos. Não é mau que alguns Medicamentos sejam aprovados sem evidenciarem benefícios em relação a tratamentos disponíveis porque, se um doente tem uma reacção idiossincrásica ao tratamento corrente, é útil dispormos de outras opções inferiores no nosso arsenal médico. Mas necessitamos de conhecer os riscos e benefícios relativos, se queremos tomar decisões informadas.
2 – Os reguladores e os financiadores de cuidados de Saúde devem usar a sua influência para forçar as empresas a realizar mais ensaios informativos. O governo alemão tomou a iniciativa neste domínio, criando em 2010 uma agência chamada IQWiG, que analisa a evidência de todos os Medicamentos recém-aprovados, a fim de decidir se devem ser pagos pelos prestadores de cuidados de Saúde da Alemanha. A IQWiG tem sido ousada ao ponto de exigir ensaios de boa qualidade, que meçam desfechos no mundo real, e já se tem recusado a aprovar pagamentos para novos Medicamentos cuja evidência de benefícios seja fraca. Em consequência, as empresas têm adiado a comercialização de novos Medicamentos na Alemanha, enquanto se esforçam por produzir melhores provas de que esses Medicamentos resultam realmente: os doentes não perdem com isso, uma vez que não há provas de que esses novos Medicamentos são úteis. A Alemanha é o maior mercado europeu, com 80 milhões de doentes, e não é um país pobre. Se todos os compradores do mundo adoptassem essa posição e se recusassem a comprar Medicamentos apresentados com provas fracas, as empresas seriam forçadas a realizar ensaios significativos num espaço de tempo muito mais curto.
3 – Todas as informações sobre segurança e eficácia que circulam entre os reguladores e as empresas deveriam ser do domínio público, tal como todos os dados na posse de organismos nacionais e internacionais sobre acontecimentos adversos relacionados com Medicamentos, a não ser que houvesse preocupações significativas com a privacidade dos dados individuais dos doentes.
Os benefícios excedem a transparência imediata. Quando existe um acesso livre a informações sobre um tratamento, beneficiamos de “muitos olhos” sobre os problemas que se relacionam com ele, olhos que o analisam mais exaustivamente e a partir de mais perspectivas. A rosiglitazona, o medicamento para a diabetes, foi retirado do mercado devido a problemas relacionados com insuficiência cardíaca, mas esses problemas não foram identificados nem enfrentados por um regulador: foram detectados por um académico, a trabalhar com dados que se tinham tornado públicos de uma maneira invulgar, em consequência de um processo judicial. Os problemas suscitados pelo analgésico Vioxx foram identificados por académicos independentes e não por reguladores. Os problemas suscitados pelo benfluorex, um medicamento para a diabetes, foram mais uma vez detectados por académicos independentes e não por reguladores. Não deviam ser só os reguladores a poder aceder a estes dados.
4 – O nosso objectivo deve ser a criação de um mercado melhor para comunicar os riscos e benefícios das medicações. A produção dos reguladores é maçuda, legalista e impenetrável, e reflecte os interesses dos reguladores e não os dos doentes e médicos. Se todas as informações estiverem à disposição gratuitamente, podem ser redireccionadas e explicitadas da melhor forma por aqueles que têm acesso a elas. Uma iniciativa deste tipo pode ter financiamento público e ser cedida, ou ter financiamento privado e ser cedida, ou ter financiamento privado e ser vendida, consoante os modelos de negócio.
Tudo isto é simples. Mas existe um assunto mais amplo, que nenhum governo abordou de maneira satisfatória e que fervilha sob a cultura da medicina: necessitamos de mais ensaios. Sempre que haja uma verdadeira incerteza sobre qual o melhor tratamento, devemos limitar-nos a compará-los, apurar qual é o melhor para tratar uma determinada situação e qual produz os piores efeitos secundários.