«Era comum, quando o Estado passava por dias ruins, Roma convocar os adivinhos etruscos e as cerimónias serem revividas e, assim, fielmente observadas.»
– Imperador Cláudio, defendendo perante o Senado em 47 d. C. a criação de uma comunidade de arúspices.
«Cuidado com os idos de Março!»
– Aviso do arúspice Vestricio Spurinna a Júlio César, em 44 a. C.
O Estado romano teve o mérito de estabelecer uma burocracia da Adivinhação. O augúrio romano baseava-se na ideia de que o panteão familiar de deuses (Júpiter, Marte, Apolo e outros) controlava os aspetos físicos do mundo natural e podia, se assim quisesse, utilizá-lo para comunicar através de presságios. Os sinais podiam ser naturais, como eclipses ou clarões de relâmpagos, ou induzidos artificialmente, como quando o áugure, para saber a vontade divina, soltava galinhas sagradas e observava como se alimentavam. Em cada um dos casos, era necessário que pessoas prudentes, assim como governantes de um estado bem administrado, ficassem bem atentos a tais agouros para se certificarem de que as suas acções estavam de acordo com a vontade dos deuses. O augúrio romano, na sua organização e intenções, foi o tipo de Adivinhação mais prático, concebido não tanto para desvendar o futuro (para tal, os Romanos, assim como os Gregos, confiavam em Sonhos, Oráculos ou enunciações de videntes inspirados), mas para saberem se determinada sequência de acções poderia contar com as boas graças do deus em questão.
O legado etrusco
Os métodos utilizados pelos Romanos para determinar a vontade divina eram, na sua maioria, emprestados pelos vizinhos do Norte, os Etruscos. Roma conquistou a Etrúria no Século v a. C. e, subsequentemente, aceitou o seu povo como concidadão. Os Etruscos eram famosos pelo talento para a Adivinhação e, apesar de algumas dúvidas (Cícero escreveria a certa altura que «toda a nação etrusca ficou completamente descontrolada a propósito das entranhas»), os Romanos revelaram-se satisfeitos por lhes aproveitarem a perícia.
A Adivinhação etrusca era matéria para especialistas. Um mito explicava a origem de tal conhecimento. Descrevia como uma criança maravilhosa, Tages, saíra completamente formada de um sulco no campo perto da cidade de Tarquínia e com o rosto enrugado. O lavrador, assustado, depressa espalhou a notícia e juntou-se uma grande multidão para ver o prodígio. Tages passou a interpretar muitos mistérios ao seu público, incluindo os segredos da Adivinhação, que foram com todo o cuidado registados por escribas etruscos. Com a sua missão cumprida, Tages desapareceu quase tão depressa como aparecera.
Os Romanos não só se apoderaram do conhecimento transmitido por Tages, como também o formalizaram e colocaram ao serviço do Estado, como parte de uma necessidade sem remorsos de eficiência e poder. Estabeleceram uma distinção entre auspícios (auspicia), mensagens no mundo natural para serem decifradas, e prodígios (prodigia), fenómenos invulgares que indicavam que um deus estava irado e, portanto, precisava ser acalmado.
Os auspícios adoptavam diversas formas, mas as principais eram sinais no céu, como clarões de relâmpago, e o comportamento dos pássaros. Estes constituíam o domínio dos áugures, funcionários nomeados para o resto da vida. De três ou quatro, nos primeiros tempos da república, o número ascendeu a dezasseis na época de Júlio César, no Século I a. C. O seu instrumento cerimonial era conhecido como lituus e chamavam a atenção envergando togas de listas escarlates e debruadas a púrpura. Os áugures eram funcionários do estado de grande importância, cujo conselho deveria ser procurado antes de se tomar qualquer decisão pública de grande importância. Possuíam verdadeiro poder, pois bastava declararem que os presságios eram desfavoráveis para suspenderem por tempo indeterminado quaisquer eventos públicos importantes, como eleições, consagrações e até declarações de Guerra.
Os áugures exerciam as suas funções a partir de solo sagrado, o chamado templum ou santuário, que podiam criar simplesmente demarcando um espaço ao redor de si mesmos com o bastão. Dentro dos limites desta área, estudavam os céus para observar os voos dos pássaros de dia e de noite, relâmpagos e outros sinais. O método de Adivinhação incluía a divisão mental do céu, de início, em quatro partes ao longo das principais linhas da bússola e, posteriormente, em dezasseis. Os Etruscos, criadores da prática, tinham associado cada parte do céu a um único deus. O significado de um determinado bando de pássaros ou de um clarão de relâmpago seria marcadamente diferente dependendo do seu posicionamento no céu. Em geral, os sinais a leste eram tidos como favoráveis e os posicionados a oeste como pouco auspiciosos, ao passo que a norte teriam um significado particularmente agourento.
A arte dos arúspices
Os agouros podiam apresentar várias formas, desde terramotos e erupções vulcânicas ao nascimento de aberrações (crianças monstruosamente deformadas, bezerros com duas cabeças e por aí fora). Tais casos eram considerados bastante agourentos, indicando que relações pacíficas com os deuses estavam ameaçadas e, em casos graves, o Senado seria consultado para determinar as medidas corretas. Geralmente, o assunto era delegado aos arúspices, muitas vezes apelidados de «Etruscos», já que muitos deles provinham dessa região. Com a resposta destes adivinhos peritos, seriam anunciados os rituais expiatórios para acalmar os deuses – por norma, sacrifícios ou orações especiais.
Os arúspices não eram, pelo menos até aos tempos imperiais, funcionários do Estado da forma que os áugures o foram. Contudo, eram tidos em grande estima e consultados por particulares, assim como por oficiais. A sua especialidade era examinar as entranhas de animais sacrificados (a maior parte das vezes, ovelhas ou bois) em busca de sinais que pudessem revelar a vontade do deus a quem fora dedicado o sacrifício. Estudavam, em particular, o fígado. A forma, cor e marcas deste órgão eram importantes e prestava-se especial atenção ao lóbulo, uma saliência em forma de pirâmide apelidada pelos Romanos de processus pyramidalis. Se o lóbulo fosse grande e bem formado, os sinais eram propícios, mas uma fissura ou deformação era distintamente agourenta.
O exemplo de Adivinhação romana mais conhecido foi realizado por um arúspice. Trata-se do aviso de Vestricio Spurinna a Júlio César antes do seu assassinato no ano de 44 a. C. César, que derrotara pouco antes as forças militares do rival Pompeu numa guerra civil de três anos, governava Roma como um ditador, uma posição que provocara a hostilidade implacável dos oponentes políticos. Antes de uma reunião importante do Senado nos idos de março (dia 15 de Março) na qual César tinha de estar presente, foram registados vários agouros: pássaros selvagens abrigados no Fórum e aparições fogosas a lutarem no céu. Ao investigar tais prodígios, Spurinna examinou o fígado de um touro sacrificial e descobriu que estava seriamente deformado (segundo consta, não tinha lóbulo). Alarmado, avisou César para se acautelar quanto ao encontro fatal. Porém, César optou por ignorar o conselho e foi assassinado ao entrar no Senado para a reunião.
Apesar dos sucessos ocasionais, nem todos os Romanos se impressionavam com as habilidades dos arúspices; no Século II a. C., o orador Catão, o Velho, comentou que não entendia como um arúspice podia estar perante um outro e permanecer impassível. Havia, ainda, histórias de fraudes ocasionais: um praticante de nome Soudinos foi acusado de escrever «Vitória do Rei» de trás para a frente na palma da mão, para que, depois de manejar o fígado, as palavras aparecessem, como se por milagre, na superfície do órgão.
A preocupação dos adivinhos com as partes mais sangrentas de criaturas sacrificiais pode agora parecer desagradável, mas tinha uma longa tradição, anterior à época dos Etruscos, remontando aos primeiros dias da Adivinhação na Babilónia. Um investigador dos tempos modernos, Robert Temple, que obteve fígados de cordeiros num matadouro como os adivinhos romanos, relatou que estes órgãos se mantêm perfeitamente brilhantes durante os primeiros quinze ou vinte minutos após terem sido retirados do corpo, acabando por escurecer. Temple sugere que esta luminosidade inicial surpreendente pode ter levado os antigos adivinhos a verem os fígados, no sentido mais literal, como espelhos a refletirem a vontade do deus.
Um mundo de presságios
A Adivinhação romana não era, de forma alguma, limitada às declarações dos áugures e arúspices. Os cidadãos também se valiam de várias fontes alternativas de aconselhamento, desde Oráculos e Sonhos Proféticos ao lançamento de dados. Os Romanos viam presságios em contrariedades do dia a dia, tal como tropeçar, espirrar ou derramar sal acidentalmente. Ainda assim, a contribuição mais distinta de Roma para a história da Adivinhação está, sem dúvida, na praticabilidade da sua abordagem e sujeição de Adivinhação ao bem supremo do estado. Neste aspecto, como em tantos outros, o que transparece é o talento romano para a organização eficiente.
Um comandante imprudente
As forças militares romanas em campanha optavam por augúrios baseados nos padrões de alimentação das galinhas. As respostas às questões do adivinho dependiam da ordem pela qual as galinhas comiam numa área dividida em secções. Em 249 a. C., antes da batalha naval de Drépano contra a frota cartaginesa, o almirante Cláudio Pulcro ficou de tal forma enfurecido pela recusa das galinhas sagradas em comer o grão que lhes fora dado que atirou os pássaros para o mar, exclamando: «Se não querem comer, que bebam!». Os exércitos de Pulcro foram inequivocamente derrotados na batalha que se seguiu e ele foi acusado de traição.
Fonte: Livro «As Profecias que Abalaram o Mundo» de Tony Allan