Um paladino da privatização, à testa do Banco Central Europeu
Custe e o que custar, ainda que custe sacrifícios humanos inauditos, a ideologia capitalista ávida de lucros reforça sua dominação em toda a Europa. Durante o mês de Novembro de 2011, muitos responsáveis pela débâcle financeira europeia foram empossados, mesmo sem terem sido eleitos. Mario Draghi acaba de ser nomeado para o Banco Central Europeu; Lucas Papadémos caiu de paraquedas na chefia do Estado grego; e Mario Monti substitui formalmente um Berlusconi já excessivamente impopular para dirigir a Itália. Nenhum desses personagens jamais recebeu um voto, nenhum tem qualquer programa que se tenha comprometido a cumprir, nada de campanha eleitoral que permitisse qualquer discussão ou debate. Mas sobre cada um desses pesa uma parte da responsabilidade pela crise que agora se apresentam para resolver, desde quando viviam sob a atmosfera sulfurosa do conglomerado bancário Goldman Sachs, norte-americano, rei de burlas astronômicas. Mario Draghi, quando vice-presidente para a Europa (da Goldman Sachs Internationale); Lucas Papadémos, quando presidente do Banco Central da Grécia; e Mario Monti, quando conselheiro internacional da Goldman Sachs; os três provocaram, em diferentes graus, a crise europeia, ajudando a falsificar as contas da dívida grega e especulando sobre a dívida (falsificada). [1] Carregam pesadas responsabilidades na criação da crise que cresce hoje em toda a Europa e, por isso, têm de ser demitidos dos cargos que ocupam e têm de responder pelos seus crimes perante a Justiça.
Na Grécia, o falsificador das contas apresenta-se para saneá-las
Apesar de ter tentado a todo custo manter-se no poder e adiar as eleições gerais, motivo pelo qual propôs um referendo popular, que levou à sua demissão, Georges Papandreou teve de curvar-se sob pressões que vinham de todos os lados, até de dentro de seu próprio governo. Não esqueçamos que um mês apenas depois de Papandreou ter sido eleito em Outubro de 2009, Gary Cohn, número 2 da Goldman Sachs, desembarcou em Atenas, acompanhado de investidores, entre os quais John Paulson, que reaparecerá no centro do que ficou conhecido como “o escândalo Abacus“… [2]
Favorito do mundo dos negócios, dos banqueiros e parceiros internacionais, Lucas Papadémos deixa a vice-presidência do Banco Central Europeu para tornar-se novo primeiro-ministro da Grécia, sem ter sido eleito. Foi presidente do Banco Central Grego entre 1994 e 2002 e, nesse cargo, participou da operação de adulteração das contas perpetrada pela Goldman Sachs. A observar que o gestor da dívida grega é um tal Petros Christodoulos, ex-corrector da Goldman Sachs.
Já não cabe duvidar de que a Grécia deixou de ser nação soberana: seguindo as missões regulares da Troika (BCE, CE, FMI) que visitam os ministérios na capital, haverá agora uma missão permanente, domiciliada em Atenas, para implantar, controlar e supervisionar a política económica do país. O governo que se comporte! Para bem firmar o cabresto, a Troika prevê um novo plano de endividamento, uma vez que o primeiro memorando (cerca de 110 mil milhões de euros, em Maio de 2010), anticonstitucional, pois não foi aprovado pelo Parlamento, não foi totalmente pago. As garras da dívida ferram-se inexoravelmente à carne do povo grego.
Na Itália, depois de uma década de decadência da democracia, o conselheiro da Coca-Cola aplica o golpe de misericórdia.
Com quase nove anos na presidência do Conselho, o império Berlusconi, terceira fortuna da Itália [3] , marcou profundamente a vida política. O seu reinado marca a decadência e a agonia de uma democracia que morre sufocada. Tornado motivo de zombaria pela imprensa internacional pelos seus casos amorosos, soterrado sob histórias infindáveis de corrupção e com a popularidade em queda livre, Berlusconi renuncia à presidência do Conselho, no dia 12 de Novembro de 2011, para não convocar eleições antecipadas. No dia seguinte, o presidente italiano Giorgio Napolitano nomeia o ex-comissário europeu Mario Monti para que assuma imediatamente. Poucos dias antes, no dia 9/11, Napolitano já nomeara Monti senador vitalício. Monti obtém larga maioria na Câmara de Deputados no dia 18/11 (556 votos a 61, de 617 votantes). Sem se intimidar ante o acúmulo de funções, já primeiro-ministro, se autonomeia também ministro da Economia. Mario Monti não tem qualquer legitimidade para impor qualquer política de ‘austeridade’ aos italianos. Houve um putsch!
Conselheiro para negócios internacionais da Goldman Sachs desde 2005 (na qualidade de membro do Research Advisory Council do Goldman Sachs Global Market Institute), Mario Monti foi nomeado comissário europeu para o mercado interno em 1995, depois comissário europeu para a Concorrência em Bruxelas (1999–2004). É presidente da Universidade Bocconi em Milão, membro do comité director do poderoso Clube Bilderberg, do think tank neoliberal Bruegel fundado em 2005, do præsidium Amigos da Europa, outro influente think tank com sede em Bruxelas… e conselheiro da Coca-Cola. Em Maio de 2010, chegou à presidência do departamento Europa, da Trilateral, um dos mais poderosos cenáculos da elite oligárquica internacional.
Como escreveu Giulietto Chiesa no jornal de esquerda Il Fatto Quotidiano [4] , veio para “reeducar” os italianos na religião da dívida.No seu governo, fez-se cercar de banqueiros e o seu ministro de Assuntos Estrangeiros, Giulio Terzi di Sant’agata, foi conselheiro político da OTAN, antes de ser embaixador em Washington. Não bastasse, um novo superministério encarregado do desenvolvimento econômico, da infraestrutura e dos transportes foi entregue a Corrado Passera, PDG do banco Intesa Sanpaolo.
NOTAS:
«Como a Goldman Sachs despoletou uma tragédia grega»
[2] Ibid, p.23.
[3] No mundo, a fortuna da família Berlusconi chega a US$7,8 mil milhões ( Forbes ).
[4] Giulietto Chiesa, “E’ il governo Napolitano–Monti–Goldman Sachs“, 12/11/2011, Il Fatto Cotidiano. Versão francesa, Courrier International, 14/11/2011, “Super Mario, l’homme qui roule pour la BCE“