Biografia de Apolónio de Tiana, segundo o livro «Apolónio de Tiana, o taumaturgo contemporâneo de Jesus»

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Apolónio de Tiana
Apolónio de Tiana

Apolónio de Tiana foi uma das personagens mais notáveis do seu período histórico e pouco se sabe dele mesmo entre aqueles que têm uma boa formação filosófico-religiosa. Parece inverosímil que uma figura deste porte espiritual não conste dos livros sobre Religião, mas apenas em Documentos indexados ao ocultismo. Todavia, tentaremos tanto quanto possível retratar, em primeiro lugar, a sua vida e doutrina e, em segundo lugar, estudar a sua acção em paralelo com uma personagem igualmente importante na época, Jesus de Nazaré.

O seu nascimento encontra-se envolto num manto lendário, à semelhança do que corria naqueles dias sobre o nascimento de um “filho de Deus” gerado de uma virgem. A sua vida é um mistério, pois está mesclada com a de Jesus, sendo difícil traçar uma fronteira entre as duas personagens. Alguns Documentos narram-nos que ele não nasceu, mas manifestou-se na Terra, o que adensa ainda mais o mito do seu aparecimento. Tal como aconteceu com Jesus, ele teria nascido de uma virgem e também teria sido previamente anunciado. O mistério adensa-se ao verificarmos que não há dados precisos sobre a data do seu nascimento. Contudo, pensa-se que tenha nascido entre 2 a 3 anos a.C. numa antiga e abastada família aristocrata (facto que a Igreja procura ocultar), descendente dos primeiros fundadores de Tiana, na antiga cidade grega da Capadócia (actual Turquia, embora naquela época este território pertencesse à Grécia), na Ásia Menor. Viveu entre sacerdotes, líderes e imperadores, interpelando-os sobre a ética e a honestidade.

O que a lenda nos conta sobre o nascimento de Apolónio é que Proteus, deus egípcio, apareceu à sua mãe e anunciou-lhe que se encarnaria na criança que iria nascer. Seguindo as instruções que lhe foram dadas pelo sonho, a sua mãe foi a um prado colher flores, surgindo aí um bando de cisnes que formaram um círculo em seu redor e, batendo as asas, cantaram em uníssono, tal como se de um coro se tratasse. Enquanto permaneciam juntos em forma circular, no ar soprava um gentil zéfiro, nascendo, assim, Apolónio. Proteu era um deus que assumia qualquer forma para evitar ser capturado. Mas, se vencido, revelava o passado e o futuro.

Desde muito cedo Apolónio mostrou grande capacidade de memorizar e uma inteligência que lhe aguçava a aptidão para o estudo. A sua juventude primava pela beleza pessoal e pela argúcia com que se pronunciava sobre determinados temas, mas encontrava especial satisfação nas conversas que mantinha com os discípulos de Platão e Aristóteles (também ouvia os discursos de Epicuro); aliás, os seus companheiros eram discípulos de Platão e dos Peripatéticos. Também estudou as Ciências fenícias sob a direcção de Eutidemo.

Mas de todas as “filosofias” que estudou a que mais o entusiasmou foi a pitagórica. Daí que aos dezasseis anos, no Egeu, tivesse sido discípulo da Ordem dos pitagóricos e tivesse sido instruído nos seus mistérios. Empenhando-se com especial devoção nos ensinamentos de Pitágoras aplicou com rigor os seus preceitos, de entre eles o silêncio que cumpriu durante cinco a seis anos, de forma a desenvolver e apurar os outros sentidos que, uma vez exercitados, pudessem absorver tudo. Aí, então, aprendeu tudo o que podia ser dito e ensinado, faltando, todavia, vivenciar esses mesmos ensinamentos, isto é, aplicar a teoria dos mesmo na prática. Doravante dedicou, pois, a sua vida à filosofia. Optou por comer frutos secos e vegetais, renunciando à carne e ao vinho por serem demasiado impuros e pesados, e poderem toldar-lhe o equilíbrio e o discernimento mental. Passou a usar roupa de linho, como ele chamava, que era à base de fibras de plantas (em vez de roupa de origem animal), dispensou os sapatos e deixou que o seu cabelo e a sua barba crescessem.

Seu pai, um dos mais ricos cidadãos de Tiana, deixou-lhe uma considerável fortuna que ele doou à sua família, ficando para si apenas uma pequena parte, o suficiente para as suas necessidades básicas. Segundo as suas próprias palavras, o sábio devia saber contentar-se com pouco.

De imediato tornou-se um reformista e, tendo sido iniciado pelos sacerdotes no Templo de Asclepios Aegae (capital da antiga Macedónia), aí aprendeu a fazer prodígios (milagres) e a curar os doentes encomendados ao deus da medicina. Tendo tido a aprovação do oráculo, fixou residência no templo de Esculápio, onde Hipócrates estudara e se tornara o pai da medicina moderna, criador do juramento médico. Pouco tempo depois passou a ser conhecido pelas inúmeras curas que aí operou, tendo muitas pessoas doentes rumado ao templo, a fim de serem curadas por Apolónio de Tiana.

Com a idade de vinte anos, tendo os seus pais já falecido, Apolónio lança-se na procura da Sabedoria, tal como Ela era transmitida pelo seu professor espiritual, Pitágoras.

Viajou muito para se instruir. Decidiu-se, então, por uma árdua viagem à Índia para contactar e ficar entre os sábios brâmanes. De caminho visitou os magos da Babilónia. Apesar da relutância dos seus discípulos em acompanhá-lo e de o persuadirem a não viajar, ele respondeu nestes termos: “Eu consultei o conselho dos deuses e comunico-vos a sua decisão… eu vos testei para ver se seríeis suficientemente fortes para empreender o mesmo que eu.” A verdade, porém, é que os seus discípulos temiam entrar na terra dos encantamentos, ou seja, a Índia. Contava-se que lá ocorriam Fenómenos Estranhos, pois parecia que a paisagem se movia.

Logo depois que saiu da sua cidade natal, Apolónio ficou conhecido como um neopitagórico.

A sua primeira paragem foi em Nínive, na Babilónia (Pérsia, actual Irão e Iraque), onde encontrou Damis, um nativo da cidade que, reconhecendo a sua sapiência, acabou por ser o seu inseparável e fiel companheiro: “Partamos Apolónio. Tu seguindo Deus e eu a ti.” Em seguida, Damis interpelou Apolónio, dizendo-lhe que conhecia a região à volta da Babilónia e que falava várias línguas como a dos arménios, medos e persas, ao que Apolónio retorquiu que entendia todas as línguas sem que, no entanto, tivesse aprendido alguma. Perante o espanto de Damis, Apolónio responde: “Não precisas espantar-te com o conhecimento que tenho das línguas, pois, para te dizer a verdade, também conheço todos os segredos do silêncio humano.” Com mais esta resposta Damis não teve dúvidas de que estava perante um sábio e ofereceu os seus serviços, permanecendo a seu lado até ao fim da vida.

Tendo conseguido a companhia de Damis, ambos deixaram Nínive e, ainda em terras da Babilónia, entraram no maravilhoso Palácio Real. Aí, e sem dar muita importância à opulência que se destacava, Apolónio apresentou-se ao rei Vardan que, estando prestes a sacrificar um belo cavalo branco nísio em honra do Sol, esperava que Apolónio se lhe juntasse, mas este declinou tal honra oferecendo, em vez disso, ao Sol incenso, proferindo, então, as seguintes palavras de sabedoria:

“Oh tu Sol, derrama sobre a terra até onde for agradável a mim e a Ti, e possa eu associar-me aos homens bons, mas que dos maus nunca ouça nada, nem eles de mim.”

E lançou a oferenda ao fogo. Contamos este episódio para exemplificar o carácter reformista das práticas religiosas que Apolónio propunha, pois opunha-se a todo o tipo de sacrifício de animais que implicasse a perda de vida de qualquer ser vivo da Natureza.

Depois do contacto com os magos, a quem revelou o seu respeito e recomendação, pois a maior parte deles eram sábios, despediu-se do Rei Vardan, não sem antes oferecer conselhos judiciais, curar doenças e transmitir as bases para uma boa governação.

De acordo com o testemunho de Damis (que foi mais tarde copiada por Philostratus, Filóstrato), depois de Apolónio ter sido iniciado pelos caldeus e magos na Babilónia dirigiu-se para a terra dos encantos, a Índia. A viagem até ao Indo foi dura e, quando chegaram a Taxila (actual Paquistão), foram recebidos pelo rei Fraotes no seu palácio. Apolónio ficou agradavelmente impressionado com a simplicidade e austeridade aí reinantes, argumentando que estava satisfeito em saber que o rei vivia como filósofo. Contente e falando em grego, o rei convidou Apolónio para um banquete onde descreveu o modo como se praticava o estudo e o exercício da filosofia na Índia. Foram estas, então, as palavras proferidas:

“Na maior parte das vezes os olhos do homem revelam os segredos do seu carácter; pelas suas sobrancelhas e face pode-se formar um julgamento e avaliar o seu valor. Com estas características, os homens de sabedoria e Ciência podem detectar a disposição das pessoas como se as vissem num espelho… É imperativo que os que abraçam a filosofia sejam postos à prova e sejam sujeitos a muitas formas de prova… Nós estudamos filosofia sob a direcção dos Mestres e, assim entre nós, a admissão faz-se através do exame.”

Refira-se que Fraotes, aos doze anos, tinha sido entregue aos sábios, que o adoptaram como “filho” e que Apolónio procurava iniciar-se na Sabedoria. Nestes termos continuou a explicar:

“Os verdadeiros sábios vivem entre o Hífase e o Ganges, um país que Alexandre nunca se atreveu a invadir, não por medo do que pudesse haver, mas porque o oráculo assim o aconselhou a não fazer.”

Aquando da partida de Apolónio, Fraotes entrega-lhe uma carta endereçada ao mestre dos sábios, Iarcas. Percorrem a Mongólia (actualmente localiza-se entre a Rússia (a norte) e a China a leste, sul e oeste) e o Tibete e atingem as colinas do Himalaia. Aí chegados foram recebidos por um jovem indiano que ordenou a Damis que ficasse na vila e que Apolónio o acompanhasse ao cimo da montanha, até à morada dos sábios. Mais tarde, as palavras foram relatadas a Damis que escreveu: “Encontrámos homens que são verdadeiramente sábios, pois parecem ter o dom de prever o futuro.”

O percurso até ao cimo da montanha era feito como por artes mágicas, pois à medida que subiam a montanha formava-se uma nuvem que os escondia; passaram pela Fonte do Teste; pelo Fogo do Perdão, uma cratera incandescente; pelo Vaso das Chuvas e, por último, pelo Vaso dos Ventos; ou seja, o percurso simbolizava a superação e o domínio dos quatro elementos da Natureza. Chegado ao cume, Apolónio teve a visão da simplicidade e da beleza da vida dos brâmanes indianos.

Quando Apolónio finalmente chegou à presença dos sábios, Iarcas falou-lhe em grego ao que Apolónio, respondendo, falou-lhe da carta de Fraotes. Iarcas sabia bem o conteúdo da carta e, principalmente, o que significava, razão pela qual indagou Apolónio:

“Vieste com um pouco de sabedoria, mas ainda não és um Adepto.”

Apolónio respondeu:

“E, vós, ensinareis a Sabedoria?”

De pronto, o sábio responde:

“Sim, e com satisfação, pois é melhor do que esconder assuntos de interesse. ”

“E, vós, sabeis quem de facto sou?”, pergunta Apolónio.

“Nós”, responde Iarcas, “podemos ver em ti o espírito, pois estudamos e vemos os sinais. Nós sabemos porque, primeiro, começamos por nos conhecer a nós próprios, pois de outro modo nenhum de nós seria aceite sem esta filosofia”.

Iarcas falou de muito mais coisas e, das várias reuniões que manteve com Apolónio (em algumas delas Damis esteve presente), descreveu o universo como uma criatura viva, explicou sobre os 5 elementos presentes na Natureza, designando o éter como o mais elevado e característico da alma sábia. Falou sobre a separação da ordem natural e entregou a Apolónio 7 anéis dos sete planetas que lhe serviriam de auxílio e protecção.

Findos os quatro meses, Apolónio estava pronto para partir. Entregou uma carta a Iarcas onde dizia: “Cheguei até vós a pé, e presenteaste-me com o mar; compartilhando a vossa sabedoria, fizeste-me voar pelos céus.”

Encontrou-se com Damis e iniciaram a jornada para Éfeso, na Grécia. Aí incentivou a filosofia e o sentido comunitário como modo de, nesse espírito, se encontrar o equilíbrio da harmonia e concórdia entre todos como garantia da segurança do Estado, onde cada um faria o melhor em prol do bem comum e evitaria o natural desgaste da estrutura social. Predisse uma epidemia que então se aproximava e aconselhou a melhor forma de minimizar os seus efeitos. Feito isto partiu para Esmirna, após ter aceite o convite que então lhe tinha sido feito. Contudo, quando o surto de cólera tomou proporções alarmantes em Éfeso, a cidade enviou uma delegação para lhe pedir ajuda. Apolónio apenas disse: “A viagem não deve ser longa” e desapareceu, surgindo no mesmo instante em Éfeso (a mesma capacidade tinha Pitágoras quando uma vez esteve em Turi e em Metaponto simultaneamente). Foram várias as vezes que Apolónio utilizou o dom da ubiquidade para viajar instantaneamente de um local para outro. Tal como Jesus, Apolónio tinha o poder de expulsar os demónios. E fê-lo nessa ocasião quando, para combater o surto em Éfeso, identificou-o na forma de um homem velho que, confrontado, foi pelo taumaturgo destruído, transformando-se em cão selvagem. Logo a praga desapareceu diante da população que ali se juntara no anfiteatro com Apolónio.

Continuando a sua jornada, Apolónio chegou a Atenas no dia do festival epidáurico — cidade de Epidauro, famosa pelo Santuário de Asclépio e pelo majestoso teatro (Asclépio é o nome grego do deus da Medicina, sendo Esculápio o seu nome romano). O seu objectivo era ser iniciado nos mistérios eleusinos (de Elêusis), mas o sacerdote recusou-lhe tal intento a pretexto de Apolónio ter sido já introduzido em vários outros ritos. Quando Apolónio objectou que a verdadeira razão era porque ele temia a sua sabedoria, o sacerdote ainda recuou, mas Apolónio recusou então, profetizando que seria iniciado mais tarde por outro sacerdote que não ele. Tal profecia foi cumprida quatro anos mais tarde, tendo, então, sido iniciado nos segredos dos mistérios eleusinos.

Durante a estadia em Atenas o seu carácter reformista fez-se sentir, demonstrando que um homem religioso poderia adaptar a libação a qualquer deus e que era possível o sacrifício sem sangue; curou um jovem possuído e reestruturou as festas a Dionísio.

Quando se deslocou a Lacedemónia, onde defendeu que os espartanos deveriam volver aos seus valores tradicionais, Apolónio foi assaltado por um sonho que lhe pedia que fosse a Creta. Pouco depois de aí ter chegado, a Terra abalou fortemente e o terramoto espalhou terror entre a população. Apolónio aplacou a população dizendo que a Terra tinha dado à luz uma nova terra. Entretanto, viajantes narraram que uma nova ilha tinha surgido entre Thera e Creta.

De seguida, Apolónio partiu para Roma após ter tido conhecimento de que Musónio da Babilónia tinha sido preso. Muitos acompanhavam Apolónio pelos vários locais que visitava, mas poucos foram, então, aqueles que ousaram entrar em Roma com ele. Era a época de Nero, caracterizada pelas duras perseguições que o imperador fazia a todos os filósofos de Roma. Tentou introduzir reformas religiosas. Quando interrogado, Apolónio respondia de forma a que não confrontasse o imperador, mas em vão. Foi acusado por impiedade pelo camareiro-mor de Nero. No entanto, este último, querendo ler o conteúdo do pergaminho onde estava redigida a acusação viu que estava em branco. Atónito, de imediato libertou Apolónio. Este e muitos outros prodígios foram operados pelo taumaturgo. Aonde quer que fosse granjeava admiração, pois reformava a adoração religiosa e executava actos maravilhosos. Fazia aparecer pão, frutos, legumes, pedidos que lhe eram feitos pelos convidados; estátuas tomavam vida e figuras de bronze nos seus pedestais saíam dos seus lugares, executando as tarefas dos criados. Fazia desaparecer o conteúdo dos objectos e até mesmo os assistentes desapareciam durante um determinado período de tempo. Todos estes prodígios aumentavam de dia para dia. De entre outros casos extraordinários, ocorridos em Roma, a ele atribuídos, podemos contar aquele em que um dia Apolónio, encontrando uma procissão fúnebre, viu que a defunta era uma moça que tinha falecido no momento em que ia casar. Pediu que baixassem a moça e sussurrou algo ao seu ouvido, ao que ela se levantou para espanto de todos os presentes.

Depois de visitar Atenas e Rodes, Apolónio embarca para Alexandria, onde, na qualidade de reformador religioso por excelência, examina, de forma crítica, os sumptuosos cultos do fogo egípcio nos seguintes termos:

“Se de facto tivésseis conhecimento da natureza do culto do fogo, veríeis quantas coisas são reveladas no disco do Sol quando nasce.”

Em Alexandria, Vespasiano (enviado de Nero para conter a revolta judia na Palestina), juntamente com os seus dois conselheiros, Díon e Eufrates, encontra-se com Apolónio depois de este ter recusado o seu convite. Durante vários dias Apolónio aconselhou o general Vespasiano, ganhando o respeito de Díon e o ódio de Eufrates. Apolónio defendia que a liderança de um imperador sábio era muito mais importante do que as constituições que regiam os homens, pois elas eram seguidas por homens medíocres enquanto que, ao invés, a sua vida era “governada pelos deuses”.

Logo que Vespasiano foi nomeado Imperador, sinal de que a partir dessa altura alguma ordem iria reinar, Apolónio dirigiu a sua atenção para o Alto Egipto e Etiópia. Visitou cada cidade, templos e locais religiosos e, à medida que subia o Nilo, encontrou os gimnosofistas que o desapontaram, uma vez que lhe disseram que os brahmanes não tinham a verdadeira sabedoria. Verificou que os seus conhecimentos tinham caído na esfera do ritual e do dogma. Porém, houve um entre eles, o mais jovem, Nilo, que seguiu Apolónio e integrou o grupo.

Entretanto, em Roma Tito, a quem tinha sido oferecida a coroa, recusou e Domiciano, o perseguidor dos amigos de Apolónio, aceitou-a. Eufrates então seguiu para Roma e convenceu o Imperador de que Apolónio estava envolvido numa conspiração contra o trono. Nesse sentido, Domiciano emitiu uma ordem ao governador da Ásia para prender Apolónio, mas este, prevendo os acontecimentos, partiu para Roma. No entanto, foi preso por Eliano, um conselheiro de Domiciano, quando navegava do Tibre para Roma. Na prisão confortava os outros prisioneiros, apesar de Damis protestar dizendo que tais homens não estavam dispostos a ouvir filosofia, mas Apolónio não pensava assim “…são precisamente eles que mais desejam que alguém lhes fale e os conforte”. Foi tal a transformação que operou nesses homens que Domiciano viu-se na necessidade de antecipar o julgamento. Face a este volte face, Damis receou que Apolónio não tivesse tempo de preparar a sua defesa e, vendo as condições em que o mestre se encontrava, chorou. Apolónio, vendo a falta de “fé” do seu companheiro, disse: “Até onde o veredicto da corte for, estarei livre ainda hoje; mas, se depender da minha vontade, será agora mesmo.” Dito isto, libertou o pé das correntes que o prendiam e disse: “Vê a prova de que sou livre, confia.” Perante o que tinha acabado de ver, Damis teve a certeza de que Apolónio não só era abençoado pelos deuses, como ele próprio era divino. Mandou Damis ir para Diceárquia (os italianos chamam-lhe Puteoli) antes de o julgamento ter início e aí aguardá-lo. Damis ainda perguntou se o veria vivo, a que Apolónio respondeu, sorrindo: “ Vivo, embora me creias ressuscitado dos mortos.”

No julgamento a que Apolónio se apresentou em 93 d.C., a corte estava apinhada (utilizando a terminologia actual), pois Domiciano fez questão de ter um grande número de pessoas que testemunhassem a conspiração urdida contra si por Apolónio. Este não podia defender-se, pois Domiciano, antecipando-se a qualquer eventualidade, iniciou o interrogatório com perguntas curiosas: Por que te chamam de deus? Quem te disse que os efésios sofreriam uma praga? Em relação à primeira pergunta, Apolónio respondeu que todo o homem bom era honrado com o título de deus; em relação à segunda pergunta cito o que disse: “Como eu seguia uma dieta mais leve do que todos os outros, fui o primeiro a sentir a praga.”

Domiciano não podia estar mais incomodado com estas respostas. Tentou adiar a sessão de julgamento, mas desta vez foi Apolónio que, interpondo-se, disse: “Concede-me então a oportunidade de falar. Se não, podes mandar alguém prender o meu corpo, mas a minha alma não. Digo-te mais, não podes nem ter o meu corpo, pois não me podes matar, uma vez que, afirmo, não sou mortal.” Findas estas palavras desapareceu diante de toda a gente, indo encontrar-se com Damis em Puteoli (a 3 dias de distância), contando-lhe o que se tinha passado. Domiciano, atónito com a cena que tinha presenciado, nada fez contra Apolónio. Este é o caso mais paradigmático que se conhece de Apolónio que contava quase 100 anos de idade. Depois partiu com Damis para a Hélade.

Quando chegou à Grécia, Apolónio foi considerado um deus, pois os feitos milagrosos que operara em Roma tinham sido espalhados pelos viajantes. Viajou por vários santuários e locais sagrados, passando por Esmirna e Éfeso. Neste lugar Apolónio viu o assassinato de Domiciano que, de facto, ocorria em Roma, e falou ao povo da libertação do tirano. Nerva, que quando foi preso tinha sido defendido por Apolónio, ascendeu ao trono e convidou Apolónio a visitá-lo. Mas Apolónio, recusando, enviou Damis com uma carta, contendo o seguinte conselho: “Vive sem seres observado e, se isso não te for possível, sai da vida sem que te observem.” Damis partiu e Apolónio desapareceu da história dos homens, não sem antes ter proferido, a modo de despedida, um conselho a Damis: “Quando filosofares por ti próprio, mantém os teus olhos em mim.” Muito se tem especulado à volta da sua presumível morte, em Éfeso ou em Creta; que tenha subido aos céus; que apareceu a quem dele duvidava; que foi para um templo de Esculápio; e, por fim, há quem defenda que não tenha morrido. Meras hipóteses sem dados concretos.

O que é um facto é que Apolónio tinha a capacidade de desaparecer e aparecer num outro local quando lhe aprouvesse, e não foram poucas as vezes que recorreu a um tal poder. Um caso aconteceu com outra condenação, cuja sentença ditava que deveria ser morto por cães ferozes, mas, no momento em que ia ser atacado pela matilha desapareceu perante os olhos da multidão.

Várias condenações foram proferidas contra Apolónio, em consequência dos seus ensinamentos e do contacto estreito com os cristãos, mas nenhuma delas foi efectivada, mesmo a sentença de morte ditada pelo imperador Diocleciano (que foi um dos maiores perseguidores dos cristãos), a que Apolónio respondeu: “Não me matarás” e virou as costas, saindo do local sem que alguém o perturbasse, perante a surpresa dos presentes.

A sua vida foi relatada por Flavius Philostratus em «Apolónio de Tyana».

As coisas maravilhosas de que foi protagonista perduraram durante séculos, apesar das tentativas de se ocultar a sua existência, que vieram, aliás, contribuir, sobremaneira, para aumentar o mito sobre Apolónio de Tiana. Era possuidor de uma sabedoria ecuménica e a sua acção parecia ser votada para a restauração dos ensinamentos, dos mistérios e dos rituais de todas as filosofias por onde a sua presença marcou a diferença. Este filósofo taumaturgo chegou a ser considerado a versão pagã [1] de Cristo, pois os seguidores de Apolónio eram quase na totalidade cristãos.

NOTAS:

[1] O termo paganismo foi criado pela hierarquia católica após o Concílio de Niceia, no sentido pejorativo, para qualificar todos os cidadãos romanos que não tinham aderido à nova fé e que, perseguidos pelos cristãos católicos de Roma, viram-se obrigados a refugiar-se nas suas casas de campo (pagus). Tratava-se, fundamentalmente, das elites cultas e abastadas, para quem o dogma e a intolerância não eram aceites.

Fonte: LIVRO: «Apolónio de Tiana – O Taumaturo Contemporâneo de Jesus» de Eduardo Amarante, Dulce Leal Abalada & George Robert Stowe Mead

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