A Comissão Europeia anunciou que não irá aceitar uma Iniciativa Cidadã Europeia que recomende o fim das negociações secretas, que decorrem entre Bruxelas e Washington, com vista a aumentar o poder das multinacionais sobre os Estados.
A iniciativa cidadã foi proposta por 230 organizações da sociedade civil europeia e visava conseguir o apoio de mais de um milhão de pessoas em toda a União Europeia para levar a Comissão a travar os tratados de comércio e investimento que a Europa negoceia com os Estados Unidos da América (TTIP) e o Canadá (CETA). O que se conhece das negociações destes acordos é muito pouco, já que decorrem longe da vista dos cidadãos e da Imprensa. Mas o secretismo à volta das negociações já foi quebrado algumas vezes por fugas de informação.
Na prática, o Tratado irá criar uma carta de direitos das multinacionais, equiparando-as a Estados e aumentando o seu poder sobre estes. Os Estados ficarão privados de agir quando as suas medidas possam prejudicar os interesses das grandes empresas. A estas é dada a possibilidade de processarem os Estados em tribunais privados. Na Austrália, país que assinou um tratado semelhante, a gigante tabaqueira Philip Morris reclama agora milhares de milhões de dólares do Estado, a título de lucros perdidos com as novas restrições na venda de tabaco aprovadas pelo governo.
Esta quinta-feira, a Comissão Europeia respondeu aos promotores da Iniciativa Cidadã que não a iria aceitar por estar “fora do âmbito de competências da Comissão”, escudando-se na responsabilidade do Conselho Europeu, que tem o poder de concluir as negociações, e do facto dos mandatos negociais contestados não serem actos legais, mas apenas actos preparatórios internos entre instituições europeias.
“Agora é que a batalha vai começar”, dizem promotores da iniciativa.
Para Michael Efler, representante das 230 organizações de 21 países, os argumentos de Bruxelas para rejeitar a iniciativa não têm fundamento legal: “O argumento da Comissão de que apenas os actos com efeito sobre terceiros são admissíveis para as iniciativas cidadãs é obviamente um erro legal. O mandato negocial da Comissão é uma decisão formal do Conselho e por isso é um acto legal. Se a opinião da Comissão tivesse algum fundamento, então quereria dizer que a população europeia está excluída de participar no desenvolvimento de qualquer tipo de acordos internacionais, uma notícia tão assustadora como escandalosa”.
Em resposta ao argumento da Comissão de que não podia fazer propostas de ratificação negativas, a iniciativa pedia à Comissão que propusesse a não conclusão das negociações, o porta-voz das organizações cidadãs diz que “isso significa que os cidadãos apenas podem aplaudir as negociações internacionais levadas a cabo pela Comissão, mas não podem criticá-las”.
Para o Partido da Esquerda Europeia, que apoiou a Iniciativa Cidadã, a decisão de Bruxelas “serve de escudo para que possa concluir livremente o processo de negociações secretas que entre outras coisas irá fortalecer os interesses das poderosas empresas transnacionais por cima dos governos nacionais”. A eurodeputada Maite Mola diz que o TTIP e o CETA irão também aumentar a desregulação laboral, provocar mais desemprego na agricultura e na indústria, bem como desproteger a população europeia em termos de Saúde e Ambiente, ao serem impostas normas menos exigentes aos produtos vendidos no espaço da União.
Também a Oikos, uma das Organizações Não Governamentais (ONG) portuguesas promotoras da iniciativa, reagiu ao anúncio de Bruxelas, acusando a Comissão de, “ao invés de prestar atenção ao apelo dos cidadãos, apenas parece ter ouvidos para os lobistas das empresas transnacionais norte-americanas e europeias, as grandes beneficiárias destes acordos”. De facto, ao contrário dos povos europeus, os lóbis das multinacionais estão sempre representados nas negociações bilaterais entre Bruxelas e Washington. Para esta ONG, a liberalização prevista para as trocas comerciais com os Estados Unidos da América e o Canadá far-se-á “desmantelando os direitos aduaneiros e impugnando as normas e regulações que permitam garantir a soberania dos Estados e a defesa do bem colectivo contra as multinacionais”.
Fonte: Esquerda.net
Artigo Original: http://www.esquerda.net/artigo/bruxelas-impede-iniciativa-cidada-contra-tratado-transatlantico/34102