Chichén Itzá: a cidade dos Maias

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Chichen Itza
Chichen Itza

A misteriosa cidade Maia em ruínas de Chichén Itzá (que significa à boca do poço dos Itzá) fascinou e intrigou arqueólogos, exploradores e historiadores desde que foi descoberta e descrita pelo bispo Diego de Landa, que escreveu sobre a história do Yucatán no final do Século XVI. Chichén Itzá teve o seu apogeu entre 600 a. C. e 1200 a. C. e era provavelmente o principal centro político e religioso de todo o Yucatán nessa época. O local propriamente dito consiste em vários edifícios de pedra elaboradamente concebidos e ornamentados, incluindo templos em pirâmide, palácios, observatórios, balneários e campos de bola, todos construídos sem a utilização de ferramentas de metal. Por motivos que ainda não compreendemos, os Maias começaram a abandonar Chichén Itzá por volta do início do Século XIII d. C., e pouco depois as ruínas ficaram entregues ao avanço da selva.

Apesar de a existência de Chichén Itzá ser conhecida séculos depois do seu abandono, não houve qualquer exploração das suas ruínas até à década de 1830. De 1839 até 1842, o explorador e escritor americano John Lloyd Stephens, em conjunto com o arquitecto e desenhador inglês Frederick Catherwood, fez várias viagens à América do Sul para visitar inúmeros locais da antiguidade. A sua pesquisa resultou em dois importantes livros, «Incidents of Travel in Central America, Chiapas and Yucatán» (1841) e «Incidents of Travel in Yucatán» (1843), ambos escritos por Stephens e ilustrados por Catherwood. Entre 1875 e 1883, o antiquário e fotógrafo francês Augustus Le Plongeon e a sua mulher Alice levaram a cabo as primeiras escavações em Chichén Itzá e fizeram algumas estereografias incríveis de locais Maias. Contudo, as conclusões de Plongeon sobre os Maias foram prejudicadas pela sua crença de que a América do Sul era a origem de todas as civilizações do mundo. Nas décadas seguintes houve várias outras expedições ao local, entre as quais a do italiano Teoberto Maler, que, na década de 1880, viveu em Chichén Itzá durante três meses documentando as ruínas de uma forma mais exaustiva do que qualquer outro explorador antes dele. Em 1889, o diplomata colonial, explorador e arqueólogo inglês Alfred P. Maudslay visitou o local para inspeccionar e fotografar as ruínas. O seu assistente Edward H. Thompson (cônsul dos EUA no Yucatán) mudou-se mais tarde para Chichén Itzá com a sua mulher maia e passou trinta anos a fazer pesquisas por entre as ruínas e dragando artefactos de cobre, ouro, jade e ossos humanos do Cenote Sagrado (uma depressão no calcário, bastante profunda e cheia de água).

Arqueólogos profissionais da Carnegie Institution na Universidade de Harvard começaram a trabalhar em Chichén Itzá em 1924. O projecto de escavação que durou vinte anos foi dirigido por Sylvanus G. Morley, que fora convidado de Edward H. Thompson na sua primeira visita às ruínas, em 1907. Em 1961, o Instituto Nacional de Antropologia e História do México levou a cabo uma dragagem metódica do Cenote Sagrado, através da qual recuperaram quatro mil artefactos. Desde 1993, o Projecto Arqueológico Chichén Itzá com sede no México (sob a direcção do Dr. Peter Schmidt) tem vindo a fazer escavações, pesquisas e trabalhos de restauro e conservação no local, de forma a mapear toda a área, examinar a cerâmica e restaurar as muitas estruturas previamente deixadas num estado semi-escavado.

A antiga cidade sagrada de Chichén Itzá localiza-se na selva do Nordeste da península do Yucatán, cento e vinte quilómetros a sudeste de Mérida. A razão que levou os Maias a colocar aí a sua cidade sagrada pode ser explicada pela presença de poços naturais, conhecidos na área como cenotes, pois a falta de rios à superfície torna essencial a existência de uma fonte permanente de água. O Cenote Sacrificial, ou Cenote Sagrado, que já referimos é o mais famoso destes poços e foi utilizado pelos Maias como local de oferendas rituais a Chaac, o seu deus da chuva. Durante períodos de seca extrema, pensa-se que também eram aí efectuados sacrifícios humanos por forma a propiciar o deus.

De uma maneira geral, acredita-se que Chichén Itzá teria sido fundada em 514 d. C. pelo sacerdote Lakin Chan, também conhecido como Itzámma, e no seu auge era composta por várias centenas de edifícios. As ruínas da cidade podem ser divididas em dois grupos: um que pertence ao período clássico da civilização Maia (250900 d. C.), construído entre os Séculos VII e X d. C., e outro que pertence ao período maia-tolteca, que durou de finais do Século X até ao início do Século XIII. Os Toltecas, um outro povo nativo americano provavelmente originário do México central, fizeram de Chichén Itzá a sua capital no final do Século x d. C., apesar de não sabermos se o fizeram à força ou através de um acordo com os Maias. Foi durante o período maia-tolteca que as ruínas mais espectaculares de Chichén Itzá foram construídas.

A estrutura que as pessoas melhor identificam com os Maias e Chichén Itzá é provavelmente a gigantesca pirâmide em degraus que domina o local, chamada Templo de Kukulcan e também conhecida pelo seu nome espanhol El Castillo. 0 templo é de facto composto por dois edifícios, uma pirâmide maior e mais grandiosa, construída sobre uma estrutura mais modesta e antiga. O edifício tem cerca de cinquenta e cinco metros de altura e cada um dos seus quatro lados teve outrora noventa e um degraus que, em conjunto com a plataforma que coroa a estrutura, perfazem trezentos e sessenta e cinco degraus, um para cada dia do ano. Outra prova do significado calendárico do templo são os seus cinquenta e dois painéis (representando o ciclo de cinquenta e dois anos do calendário Maia) e dezoito socalcos (para os dezoito meses do ano no calendário religioso Maia). A pirâmide está também orientada de forma a marcar com precisão a ocorrência dos equinócios. No interior da mais antiga das duas pirâmides existe uma estreita escadaria que leva até uma câmara secreta no topo da estrutura, onde os arqueólogos descobriram o Trono do Jaguar talhado na pedra e pintado em vermelho vivo com pontos de jade, assim como uma escultura de uma figura Chac Mool. Este último objecto é uma espécie de altar de pedra que consiste numa figura deitada segurando uma taça ou tabuleiro sobre o ventre. Pensa-se que este tabuleiro era utilizado para as oferendas de incenso à figura, que serviria de mensageira junto dos deuses. A taça também pode ter servido para receber corações humanos retirados de vítimas sacrificiais. Durante o equinócio da Primavera ou de Outono (21 de Março e 21 de Setembro), a luz do Sol incide nos degraus da face norte da pirâmide e cria a espectacular ilusão da sombra de uma serpente que sobe pela pirâmide à medida que o Sol se desloca no céu.

A leste de El Castillo fica o Templo de los Guerreros, ou Templo dos Guerreiros, uma enorme estrutura piramidal com o topo plano, que originalmente possuía um telhado de madeira e estuque. O templo tem pilares com baixos-relevos representando guerreiros, muitos dos quais ainda mantêm as cores originais. À volta do templo encontram-se centenas de colunas, os restos de edifícios arruinados conhecidos como o Grupo das Mil Colunas.

No lado ocidental encontra-se o Templo dos Jaguares. O nome desta estrutura deriva da procissão de jaguares talhados na frente da parte superior do edifício e foi construída no estilo arquitectónico maia-tolteca entre 900 e 1100. No interior do templo encontram-se algumas das mais fascinantes pinturas murais de Chichén Itzá, entre as quais a que representa uma antiga batalha entre os Maias e os Toltecas. Adjacente ao Templo dos Jaguares podemos encontrar o complexo do Campo de Bola (Juego de Pelota), um de sete campos para a prática do jogo meso-americano descoberto em Chichén Itzá. As dimensões deste campo específico são, contudo, de cento e sessenta e cinco por setenta metros, fazendo dele o maior campo de bola alguma vez construído na América Central, bem como o que se encontra mais bem preservado. Ninguém tem bem a certeza de como era praticado este jogo, a que os Maias chamavam Pok-Ta-Pok, apesar de ser provável que se tratasse mais de uma cerimónia ritual do que de um jogo recreativo. A opinião consensual é que, para que uma das equipas marcasse pontos, um dos seus jogadores tinha de fazer passar uma bola rígida de couro ou borracha através das aberturas dos anéis de pedra, localizados em paredes opostas do campo, sem usar as mãos ou os pés. Este pode ter sido também um passatempo mortal, pois acredita-se que o capitão da equipa vencedora ou derrotada (os investigadores não têm bem a certeza) era decapitado no final do jogo como uma oferta aos deuses. No entanto, o tamanho deste campo em particular, em Chichén Itzá, levou alguns eruditos a declararem que jogar neste campo estaria fora de questão. Devido ao enorme tamanho do campo, não teria sido possível a um jogador arremessar a bola de uma ponta à outra e os anéis de pedra estão a quase seis metros de altura nas paredes verticais tornando-se completamente inacessíveis aos jogadores.

Uma hipótese que foi avançada é de que a área do campo de bola era utilizada como um espaço ritual onde eram levadas a cabo cerimónias que tinham um significado semelhante ao do jogo de bola. Os painéis que se encontram ao longo das paredes laterais do campo estão decoradas com aspectos dos jogos de bola, incluindo cenas com jogadores vestidos com protecções acolchoadas e uma ilustração particularmente macabra em que se pode ver a decapitação de um jogador perante as duas equipas. Grande parte da história da criação Maia (o Popol Vuh) está relacionada com um jogo de bola disputado neste mundo e também no mundo dos mortos, indicando a importância religiosa do jogo. Numa parte do mito, os heróis gémeos jogam pelas suas vidas contra os senhores do mundo das trevas. Noutra parte descreve-se a utilização de uma bola composta por uma cabeça decapitada envolvida em borracha.

Há ilustrações ainda mais gráficas da relevância da cabeça humana nos rituais Maias no Tzompantli, ou o Muro dos Crânios, uma grande plataforma em T com sessenta metros de comprimento por doze de largura. Esta estrutura era utilizada como uma base para estacas de madeira onde as cabeças decapitadas de guerreiros inimigos e de vítimas sacrificiais eram empaladas, para serem expostas ao público. As paredes estão cobertas com baixos-relevos representando crânios, bem como águias, serpentes aladas e guerreiros Maias que transportavam cabeças humanas. Este Muro dos Crânios foi provavelmente concebido para mostrar o poderio dos Maias e deve ter sido um local temido pelos exércitos invasores.

Na zona sul da cidade encontra-se um dos maiores feitos dos arquitectos Maias em Chichén Itzá. Trata-se do Observatório, com vinte e dois metros de altura, ou El Caracol, devido à escadaria em espiral no seu interior. O Observatório, tal como o podemos ver hoje, é de facto a ruína de uma estrutura cilíndrica e consiste numa torre construída sobre uma plataforma rectangular. O edifício tem aberturas em vários pontos, que deveriam servir como pequenas janelas que permitiam a observação e rastreio das estrelas e dos planetas. A sul de El Caracol fica o Convento, também conhecido pelo seu nome espanhol La Monjas, uma estrutura colossal cuja base mede setenta metros por trinta e cinco e com uma altura de dezoito metros. Este edifício elaboradamente decorado foi construído durante um período de vários séculos, mas funcionou como o palácio do governo da cidade.

Está registado nas crónicas Maias que em 1221 os Maias revoltaram-se contra os senhores maias-toltecas que então governavam Chichén Itzá. Foram encontradas pelos arqueólogos provas de destruição na forma de um incêndio no Grande Mercado e no Templo dos Guerreiros. A guerra civil rebentou de seguida e o controlo do Yucatán foi mudado para Mayapan, cinquenta quilómetros a sudeste de Mérida. A cidade de Mayapan tornou-se no mais importante centro da civilização Maia antes da chegada dos espanhóis, em 1519. Depois desta mudança de poder, no início do Século XIII, Chichén Itzá entrou em declínio, os seus habitantes foram para outras paragens e, quando os espanhóis encontraram o local, em 1517, deparou-se-lhes apenas uma cidade fantasma, com as suas glórias passadas há muito desaparecidas.

Fonte: Livro «História Oculta» de Brian Haughton

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