CIA: Caso Ellsberg

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Daniel Ellsberg
Daniel Ellsberg

Nascido em Chicago em 1931Daniel Ellsberg licenciou-se nas prestigiadas universidades de Cambridge e Harvard, e doutorou-se em Ciências Económicas nesta última. Em Fevereiro de 1954 alistou-se no corpo de marines, onde chegou ao grau de primeiro-tenente. Quando os seus dois anos de serviço estavam prestes a acabar, pediu ao Pentágono uma extensão de serviço uma vez que a sua unidade seria destacada para o Médio Oriente durante a crise do Suez.

Após abandonar o ExércitoEllsberg regressou a Harvard para se doutorar em Análise Política. Antes de terminar o doutoramento foi recrutado pela prestigiada RAND Corporation, onde se especializou em projectos de investigação e análise de Política internacional. As análises de Daniel Ellsberg eram depois enviadas ao governo federal e às maiores empresas mundiais com o fim de tomar decisões estratégicas.

Em Setembro de 1967Ellsberg já era um famoso investigador associado no Centro de Estudos Internacionais dependente do Instituto Tecnológico do Massachusetts (MIT). No final do mesmo ano Ellsberg chamou a atenção do secretário da DefesaRobert McNamara. O secretário incumbiu Daniel Ellsberg e outros 34 analistas de realizarem um estudo exaustivo das relações entre os EUA e o Vietname, de 1945 a 1968. O próprio McNamara pediu a Ellsberg que tomasse pessoalmente conta da etapa da administração de Kennedy em 1961. Os 35 estudiosos demoraram 18 meses a redigir os 47 volumes que formavam o relatório U.S.Vietnam Kelations1945-1968.

Não restam dúvidas de que Ellsberg sofreu uma autêntica transformação desde o início do projecto. O analista era um ardente defensor da necessidade de intervenção norte-americana no Sudeste Asiático, mas conforme ia redigindo o volumoso relatório, apercebia-se de que a escalada bélica era mais uma questão pessoal dos presidentes dos Estados Unidos que uma questão estratégica. “Nenhum presidente norte-americano, democrata ou republicano, queria ser o presidente que perdeu a Guerra ou que perdeu Saigão“, diria anos depois o próprio Daniel Ellsberg.

Pouco a pouco o analista converteu-se num pacifista convicto e num defensor até à morte da retirada de tropas do Sudeste Asiático. “Chamar a uma Guerra, na qual um exército é financiado e equipado inteiramente por outro estrangeiro, “Guerra Civil”, é simplesmente uma descrição distante da realidade: essa Guerra é, antes de mais, uma agressão estrangeira. A nossa agressão”, diria também Ellsberg.

Em Abril de 1969Ellsberg e alguns dos analistas que redigiram o relatório para McNamara decidiram enviar uma carta ao presidente Richard Nixon expressando a sua oposição à Guerra. O protesto público seguinte de Daniel Ellsberg aconteceria em 1970 quando participou numa grande manifestação contra a Guerra na Universidade de Georgetown. Quando o analista observou as forças policiais e a Guarda Nacional enviada por Nixon a dissolver a manifestação, decidiu então que ele próprio tinha um dever para com o povo norte-americano.

Em 1971 Daniel Ellsberg entregou ao diário The New York Times cerca de três mil páginas de análises com a categoria de «confidencial», mais outras quatro mil páginas de documentos anexos com a categoria “altamente secreto” e “altamente secreto-sensível”. A primeira história sobre os “Papéis do Pentágono” apareceu na capa do Times a 13 de Junho, o mesmo dia do casamento de Tricia, a filha de Nixon. Nesta primeira história, o jornalista relatava de forma pormenorizada o envolvimento norte-americano no Vietname desde 1968. Nos dias seguintes outros Meios de Comunicação como o Washington Post e Boston Globe fizeram eco dos documentos. Henry Kissinger foi quem pior reagiu à publicação dos “Papéis do Pentágono“. Bob Haldeman recorda: “A primeira reacção de Kissinger foi telefonar a Colson para se reunirem no seu gabinete e dar-lhe ordens para que descobrisse quem estava a tentar destruir o governo.” Kissinger chegou a dizer: “O pior de tudo é que este acto de subversão provém de algum sítio do próprio governo. Isto pode destruir a nossa capacidade de manobra na condução da Política externa.”

“Se as outras potências sentem que perdemos o domínio interno, talvez nunca voltem a realizar acordos secretos connosco”, insistiu Kissinger.

Curiosamente, e ainda que a história do Times se referisse apenas aos presidentes anteriores a Nixon, a Casa Branca ordenou à Comissão de Avaliação de Informação a redacção de um relatório intitulado «Divulgação não Autorizada de Informação Confidencial». O relatório redigido por Richard Ober da CIA era tão secreto que apenas se imprimiram vinte e cinco cópias. O governo de Richard Nixon conseguiu com o relatório uma interrupção temporária da publicação dos “Papéis do Pentágono“, mas o Supremo Tribunal emitiu um veredicto a favor dos Meios de Comunicação e os documentos continuaram a aparecer.

Daniel Ellsberg
Daniel Ellsberg

O presidente Nixon estava obcecado em descobrir quem disponibilizará os “Papéis do Pentágono” à ImprensaCharles W Colson, um dos “canalizadores” da Casa Branca, escreveu a 6 de Julho de 1971 um memorando a John Ehrlichman, um dos mais próximos colaboradores do presidente, em que dizia: “Esperamos saber em pouco tempo quem disponibilizou os “Papéis do Pentágono” à Imprensa. Talvez seja um dos redatores. Não tenho dúvidas de que o saberemos em breve.” Pouco depois outro “canalizador” chamado John Caulfield foi enviado ao gabinete de Colson na segunda semana de Julho de 1971 para o informar de que o presidente Nixon tinha dado “máxima prioridade à tarefa de se entrar no gabinete de um analista da Brookings Institution chamado Leslie Gelb“. Richard Nixon acusava esta instituição «demoliberal» fundada em 1916 de tentar organizar uma conspiração para acabar com a sua presidência e com o governo dos EUABob Haldeman e John Ehrlichman, os dois assessores de Nixon, telefonaram a Colson e a Caulfield e deram-lhes ordem para entrar no gabinete de Gelb.

A ideia era penetrar na sede da Brookings Institution com o objectivo de efectuar uma inspecção no âmbito da nova legislação anti-incêndios que acabava de entrar em vigor no distrito de Columbia. A inspecção seria levada a cabo pelo FBI. Enquanto os escritórios da Brookings eram abandonados pelo pessoal para a inspecção, os agentes do FBI entrariam no gabinete de Gelb e encontrariam o relatório em questão. Caulfield ofereceu-se para se fazer passar por agente do FBI e inspeccionar o gabinete de Gelb pessoalmente. Era evidente que o “canalizador” da Casa Branca não tinha problemas em realizar uma atividade criminosa se fosse por ordem do próprio presidente ou dos seus assessores.

O plano de John Caulfield foi discutido por Haldeman e por Ehrlichman. Pediu-se por fim a Caulfield e a Colson que se reunissem com John Dean, o conselheiro legal da Casa BrancaDean disse a ambos os «canalizadores» que o que tentavam fazer era um acto ilegal e que poderiam ser todos acusados de ConspiraçãoJohn Ehrüchman ordenou então a Colson que suspendesse o plano de penetração na Brookings Institution. Poucos dias depois os investigadores da Casa Branca descobriram quem estava a passar os documentos para a Imprensa: um analista chamado Daniel EllsbergRichard Nixon estava furioso. Haldeman escreveu nas suas memórias: “O presidente estava furioso. Nixon dizia aos gritos que Ellsberg era o típico funcionário público que ainda acreditava que a Casa Branca era ocupada por Franklin D. Roosevelt.”

Daniel Ellsberg foi acusado de várias coisas, incluindo utilização de propriedade governamental para fins privados. O analista tinha utilizado uma fotocopiadora do governo para efectuar fotocópias das sete mil páginas que compunham os “Papéis do Pentágono“. Foi também acusado de possuir documentos do governo, de Conspiração, de roubo e de espionagem.

Durante o primeiro julgamento, o advogado do analista defendeu perante o tribunal que os “Papéis do Pentágono” eram de domínio público e, portanto, a sua disponibilização não violava a segurança nacional dos Estados Unidos da AméricaNixon decidiu passar à acção. Convocou Charles Colson e Bob Haldeman à Sala Oval e disse-lhes: “Não quero saber como o vão fazer. Não quero explicações nem desculpas. Usem qualquer método.”

A obsessão de Nixon pelos “Papéis do Pentágono” e por Ellsberg era mais uma questão pessoal que uma questão de segurança nacional. Nixon e Colson convenceram-se de que Daniel Ellsberg era apenas a ponta visível de um grande icebergue «conspirativo» contra a presidência. “Temos aqui um contra-governo e devemos combatê-lo por todos os meios”, diria o próprio Richard Nixon. O presidente tentava convencer o FBI e Hoover disso, ainda que não com muito êxito. Em Washington os rumores eram cada vez mais insistentes a respeito de o presidente ter perdido a fé e a confiança em J. Edgar Hoover e o FBI, e inclusive que Nixon tinha pensado despedir o poderoso director de 76 anos.

12 de Julho o assistente do procurador-geral Robert Mardian alertou Nixon de que Hoover pretendia instalar dezassete microfones em dependências da Casa BrancaNixon escreveu nas suas memórias: “Hoover talvez nunca tivesse posto em perigo a segurança nacional, mas teve medo de que algum dia o FBI o fizesse.” Perdida a fé no FBINixon decidiu então criar a sua própria Unidade de Acções Secretas com membros do seu próprio pessoal e “neutralizar” Ellsberg e, na sua imaginação, neutralizar o “contragoverno” que estava por trás do analista.

17 de Julho, John Ehrlichman designou para a nova unidade Egil KroghHenry Kissinger designou David Young. Na Casa Branca eram conhecidos como os “canalizadores”, uma vez que a sua base se encontrava nas caves do Executive Office Building, anexo ao edifício presidencial. Por recomendação de Charles Colson, juntaram-se também aos “canalizadores” Gordon Liddy, antigo agente do FBI, e Howard Hunt, um antigo agente da CIAJohn Ehrlichman, o poderoso assessor de Nixon, telefonou pessoalmente a 8 de Julho de 1971 ao general Cushman, subdirector da CIA, para o informar de que Hunt tinha sido nomeado “assessor de segurança” da Casa Branca.

Howard Hunt, nascido a 9 de Outubro de 1918, licenciou-se na Universidade de Brown e posteriormente juntar-se-ia à Reserva Naval. Em 1942 dedicou-se a produzir e a escrever guiões para Documentários propagandísticos durante a Segunda Guerra Mundial, e em 1943 trabalhou como correspondente para a revista Life. Nesse mesmo ano Hunt juntou-se ao OSS, iniciando a sua carreira como espião. Após o fim da Guerra uniu-se à recém-criada CIA como agente de operações secretas. De 1950 a 1952 foi chefe do posto da CIA no México, mas quando se criou o Departamento de Coordenação Política pediu transferência para este.

Em 1953, Howard Hunt foi enviado para Washington como oficial de contra-espionagem. A sua primeira missão foi organizar acções de espionagem na Albânia, mas em 1954, quando o presidente Dwight Eisenhower deu luz verde à CIA para começar as operações na GuatemalaHunt foi transferido para a Divisão do Hemisfério Ocidental.

As suas responsabilidades seriam planear campanhas de propaganda Política a fim de promover um golpe de Estado. Nos anos seguintes Howard Hunt passaria pelos postos da CIA, do Japão e do Uruguai, até que em 1960 tomaria conta das operações para “retirar” Fidel Castro do poder de Cuba. Em 1964, aborrecido com os escassos resultados, decidiu oferecer os seus serviços de espião aos poderosos.

Por exemplo, ofereceu-se para espiar Barry Goldwater, que competia pela nomeação do Partido Democrata contra o então presidente Lyndon B. JohnsonHunt afirmou conseguir os discursos de Goldwater e entregá-los à equipa de Johnson antes de serem pronunciados. Desta forma, Hunt desejava ganhar a confiança do presidente e ser nomeado para algum posto importante na Casa Branca. Em 1970Hunt decidiu retirar-se da CIA, até que foi chamado por Charles Colson para se juntar aos “canalizadores” da Casa Branca. Há algum tempo que Hunt pedia ao director Richard Helms o apoio para conseguir a reforma antecipada da CIA. Para Helms aquele pedido era um alívio, uma vez que, após o fiasco da Baía dos PorcosHunt tinha sido enviado a Madrid para realizar um trabalho e, já na capital espanhola, designado como novo chefe de Operações Secretas na Divisão da Europa Ocidental. “Não entendo como alguém [Hunt] de extrema-direita pode ajudar de alguma maneira os sociais-democratas na Alemanha“, chegou a dizer um alto dirigente da CIA. O certo é que pouco depois Howard Hunt foi novamente enviado para Langley, para a Divisão de Operações Internas. Vendo que a carreira estava em ponto-morto, Hunt decidiu pedir pessoalmente a Helms baixa da CIA, que foi aprovada em Abril de 1970. Um ano depois Hunt começou a fazer parte dos “canalizadores” de Nixon.

Daniel Ellsberg
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O caso de Gordon Liddy era bem diferente. Liddy sentia uma verdadeira obsessão pelas armas, pela violência e pelo uso da força. Um antigo membro do FBI que conheceu Liddy disse sobre ele: “Liddy era um louco, além de absolutamente estúpido. Com estas duas características era o tipo indicado para trabalhar na Casa Branca de Nixon em 1971.” Egil Krogh contratou-o por 26.000 dólares ao ano, com a tarefa de coordenar as operações no terreno que os “canalizadores” do presidente orquestravam. As únicas coisas em comum que Liddy e Hunt tinham era o amor pela aventura, a lealdade à presidência dos EUA e a mesma ideologia Política: a extrema-direita.

Desse momento em diante estabeleceu-se uma cadeia de comando para lidar com os “canalizadores”. De Nixon a Ehrlichman; deste a Egil Krogh; de Krogh a Colson e a John Dean, conselheiro do presidente, e destes a Howard Hunt e a Gordon Liddy.

Se algo corresse mal, era óbvio que com uma cadeia de comando tão grande seria impossível relacionar o presidente Nixon com Hunt e Liddy, ou pelo menos assim se pensava.

O próprio presidente Nixon reconheceria anos depois que foi ele mesmo quem dera pessoalmente instruções a Krogh sobre as prioridades da nova unidade especial. Em primeiro lugar, encontrar qualquer dado sobre Daniel Ellsberg, os seus motivos para expor os “Papeis do Pentágono” ou o nome dos seus contactos.

A 11 de Agosto de 1971Krogh e Young reuniram-se com John Ehrlichman para que este aprovasse uma operação secreta que consistia em “examinar o historial médico de Daniel Ellsberg em posse do seu psiquiatra”. Algumas fontes garantem que o assalto ao gabinete do psiquiatra de Ellsberg foi ideia de Howard Hunt e o mais provável é que tivesse sido autorizado directamente pelo próprio Nixon. Mas o presidente estava decidido a proteger as costas, dentro da melhor tradição presidencial da “negação plausível”, criada para proteger a figura presidencial e não ter de admitir nenhuma responsabilidade de acções secretas. Nixon indicou então a Krogh e a Young que pedissem autorização a John Ehrlichman. Segundo John Dean, “Krogh disse-me que tinha a aprovação para o assalto [ao gabinete do doutor Lewis J. Fielding, o psiquiatra de Ellsberg] da própria Sala Oval.” Ehrlichman confirmaria este dado poucos anos depois, ao passo que Nixon o negou.

O já então ex-presidente dos Estados Unidos da América declararia: “Achei de crucial importância a protecção da segurança nacional. Consigo compreender as grandes motivações que certos indivíduos porventura tivessem para realizar certas actividades específicas que eu desaprovaria se tivessem chegado ao meu conhecimento.”

Haldeman, o conselheiro presidencial, escreveria nas suas memórias: “Nixon reconheceu perante mim próprio que tinha ficado furioso com Ellsberg. E enquanto Henry [Kissinger] andava de um lado para o outro, pensei que talvez eu desse a ordem de levar a cabo o assalto [ao consultório] do doutor Fielding.”

Hunt foi o encarregado de recrutar os cubanos que assaltariam o consultório do doutor Fielding. Para tal pegou em antigos colaboradores com quem já trabalhara em operações como MONGOOSE e a da Baía dos Porcos. Um desses cubanos era Eugênio Martínez, especialista em operações secretas e o encarregado de fornecer os barcos que os mercenários da CIA usaram na Baía dos Porcos.

Durante o fim de semana de 4 de Setembro de 1971 uma equipa de três cubano-americanos, chefiados por Howard Hunt e Gordon Liddy, entraram no consultório do psiquiatra de Daniel Ellsberg em Beverly Hills. Em pleno assalto, Hunt e Liddy, que aguardavam no carro, tentavam manter-se em contacto por via de uns rádios baratos com os cubanos que inspeccionavam o consultório do psiquiatra. Os “canalizadores” não encontraram nenhum rasto do historial de EllsbergLiddy telefonou a Krogh na Casa Branca para lhe indicar que não tinham encontrado nenhum indício contra o analista. John Ehrlichman disse que Nixon sabia do assalto ao consultório do psiquiatra de Ellsberg e do assalto à sede da Brookings Institution.

Quando os “canalizadores” regressaram a WashingtonLiddy encontrou Krogh com várias fotografias dos danos causados no consultório do doutor Fielding. Nesse momento Hunt e Liddy sabiam que Krogh não teria o menor problema em entregá-los aos agentes federais se com isso se salvasse do que aconteceria daí a pouco tempo. No encontro seguinte no Executive Office BuildingKrogh reparou que Liddy tinha pendurada ao cinto uma enorme faca de caça.

Daniel Ellsberg
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“Pensas usá-la para matar alguém?”, perguntou Krogh enquanto apontava para a arma.

“Estou disposto a matar qualquer um que ponha em perigo os meus homens”, respondeu com frieza o ex-agente do FBI.

Uns dias mais tarde a CIA telefonou a John Ehrlichman na Casa Branca para o questionar sobre o pedido de Hunt de uma peruca, uma máquina deformadora de vozes e outros equipamentos. O conselheiro de Richard Nixon mostrou-se seriamente preocupado quando soube que Gordon Liddy e Howard Hunt se dispunham a administrar a Daniel Ellsberg uma droga potente na sopa durante um jantar para angariar fundos em Washington.

John Ehrlichman telefonou urgentemente a Egil Krogh e deu-lhe ordens para suspender qualquer acção contra Daniel Ellsberg. No fim desse mesmo ano, exactamente a 22 de Dezembro de 1971, a Unidade de Investigações Especiais da Casa Branca foi desmantelada, mas o panorama complicar-se-ia para os “canalizadores” de Nixon. Durante a viagem de Washington até à Califórnia para dirigir o assalto ao consultório do psiquiatra de EllsbergGordon Liddy e Howard Hunt fizeram uma grande festa no avião à base de champanhe, enquanto tentavam ter relações sexuais com duas hospedeiras. Quando irrompeu o escândalo do Watergate e as fotografias dos implicados saíram nos jornais, as duas hospedeiras telefonaram ao FBI. As mulheres reconheceram Hunt e Liddy, e graças a isso os investigadores do Watergate puderam relacioná-los com o assalto ao consultório do psiquiatra de Daniel Ellsberg. A 15 de Abril de 1973 John Dean, o conselheiro legal da Casa Branca, declarou perante o juiz que o assalto ao consultório do psiquiatra de Ellsberg tinha sido pensado por Howard Hunt. A 16 de Abril o próprio Hunt confirmou a história perante um grande júri. A 18 de Abril o presidente Nixon disse a Henry Petersen, o procurador principal da acusação, que “não sabia absolutamente nada do assalto de Hunt ao consultório do doutor Fielding“. É óbvio que mentia, mas acrescentou que de qualquer forma tudo o que se referia a esse caso se encontrava classificado de “segurança nacional”

25 de Abril o próprio Petersen informou o procurador-geral Richard Kleindienst de que tudo o que se relacionava com o assalto ilegal ao consultório do psiquiatra de Daniel Ellsberg era em si material ilibado e que portanto deviam informar o juiz Matthew Byrne. Finalmente, a 26 de Abril de 1973, quando se celebraria o segundo julgamento contra Daniel Ellsberg, o juiz Byrne recusou todas as acusações contra o analista quando foi informado de que alguns acusados do Watergate que tinham relação directa com a Casa Branca de Richard Nixon haviam assaltado o consultório do doutor Lewis J. Fielding, psiquiatra de Ellsberg, para encontrarem o seu historial médico. O próprio juiz declararia nesse mesmo dia: “Ellsberg e nós, povo norte-americano, somos vítimas de uma conspiração para nos privar das nossas liberdades civis.”

Após o fim da Guerra do VietnameDaniel Ellsberg juntou-se aos movimentos contra a corrida aos armamentos e a proliferação nuclear. Ao todo, foi detido setenta vezes por actos de desobediência civil. De 1992 a 1995 trabalhou como membro de um lóbi em Washington chamado Físicos pela Responsabilidade Social.

10 de Janeiro de 1999 foi entrevistado pelo jornalista Bruce Kennedy no programa da CNN Cold War Perspectives. O jornalista perguntou a Ellsberg sobre as alegações da Casa Branca a respeito da sua “neutralização”. O analista respondeu: “Sabia que vários operacionais da CIA tinham sido incumbidos da tarefa de acabar comigo fisicamente.”

Kennedy voltou a perguntar: “A que se refere com “acabar comigo fisicamente”? Assassiná-lo?”

Ellsberg contestou: “Charles Colson, que havia sido conselheiro do presidente, telefonou a Jeb Magruder, responsável da Comissão para a Reeleição do Presidente, com o objectivo de organizar uma contra-manifestação para o dia 3 de Maio de 1972Magruder telefonou a Gordon Liddy e a Howard Hunt para que convocassem doze cubanos-americanos — todos eles tinham trabalhado para a CIA — a fim de que voassem até Miami. Eles testemunharam que lhes mostraram a minha fotografia e lhes disseram que eu era o “objectivo” e que deviam espancar-me durante a contra-manifestação. O procurador especial do Watergate que estava a investigar este assunto disse-me que eles [LiddyHunt e os doze cubanos-americanos] tinham recebido ordens para “incapacitar Daniel Ellsberg totalmente”. Eu perguntei-lhe: “O que significa isso? Assassinar-me?”. Ele [o procurador especial] apenas me repetiu a ordem. Segundo penso, e tendo procurado em quase um milhar de páginas de entre os documentos da Força Especial do Watergate, não creio que tivessem a intenção de me matar, mas simplesmente de me dar um tiro “psiquicamente” num momento concrecto e internar-me num hospital [psiquiátrico].”

Os dados relativos ao caso ELLSBERG nas («Jóias de Família») encontram-se no Memorandum for: Director of Central Intelligence. Subject: Per your instructions, com a data de 9 de Maio de 1973 e assinado por John M. Clark (página 00072); Memorandum for: Director of Central Intelligence. Via: Deputy Director for Management and Services. Subject: Watergate/Ellsberg and Like Matters, com a data de 8 de Maio de 1973 e assinado por Charles H. BriggsDirector of PlanningProgramming and Budgeting (páginas 00165 e 00166); Memorandum for: Director of Central Intelligence. For: Deputy Director of Intelligence. Subject: Activities Possibly Outside of CIA’s Legislative Charter.; com a data de 8 de Maio de 1973 e assinado por Edward W ProctorDeputy Director for Intelligence (páginas 00180 a 00182); Memorandum for: DDL Subject: Sensitive Activities, com a data de 8 de Maio de 1973 e assinado por E. H. KnocheDirector of Foreign Broadcast Information Services (páginas 00202, 00203 e 00204 [confidencial]; possível relatório dirigido a William Colby, director da CIA, ou a um funcionário superior desconhecido da CIA, onde aparecem anotações à mão (desde a página 00268 à página 00311); Memorandum for: All Employees. Subject: Agency Involvement in the Watergate Case, datado de 23 de Maio de 1973 e assinado por William Colby, secretário executivo, CIA Management Committee, e aprovado por James Schlesinger, director da CIA (páginas 00411, 00411a e 00411b); DCI Statement before Senate Appropriations Subcommittee on Intelligence Operations9 May 1973 (páginas 00419 a 00422a); Response to Press Inquiries Concerning Mr Hunt’s Grand jury Testimony (página 00424); Memorandum for: Mr. W. E. ColbyExecutive SecretaryCIA Management Committee. From: Director. National Estimates. Subject: Comments on Proposed DCI Statement (Hunt Case), com a data de 8 de Maio de 1973 e assinado por John Huizenga (páginas 00428 e 00429); e Memorandum for: Mr. Colby. Subject: Intelligence Evaluation Commitee and Staff com a data de 14 de Maio de 1973 e assinado por Richard Ober (páginas 00546 a 00550).

O documento adjunto na página 00551 continua confidencial.

Fonte: LIVRO: «CIA – Jóias de Família» de Eric Frattini

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