Numa tarde de Janeiro de 1962 um agente do KGB chamado Yuri Ivanovich Nosenko aproximou-se, durante a Conferência do Desarmamento de Genebra, de Peter Bangley, um agente da CIA, e ofereceu-se como «agente duplo», mas a 4 de Fevereiro de 1964 mudou de opinião e decidiu desertar definitivamente para o Ocidente. Oito dias depois uma equipa especial da CIA conseguiu «evacuá-lo» para os EUA. Na manhã de 5 de Fevereiro o próprio DCI John McCone informou pessoalmente o presidente Lyndon B. Johnson de que um tenente-coronel do KGB decidira desertar para os Estados Unidos e que a CIA o tinha recrutado dois anos antes. Iniciava-se assim o chamado Caso Nosenko.
Yuri Nosenko começara a sua carreira dentro da espionagem em 1945, destacado no Directório de Informação Militar. Devido ao seu domínio do inglês, foi transferido para o Departamento de Análise de Sinais de Informação dos Estados Unidos no Sudeste Asiático.
No início de 1953, graças à intervenção do pai, foi transferido para o KGB a fim de trabalhar em operações de espionagem no estrangeiro, e ocasionalmente era incumbido da tarefa de tentar recrutar turistas norte-americanos em Moscovo. Em 1957, sob protecção do Ministério da Cultura da União Soviética, viajou com as equipas de atletas como responsável de segurança do KGB para evitar que algum membro da delegação desportiva pudesse desertar. Na Grã-Bretanha pôde observar pela primeira vez. como era o estilo de vida ocidental. Isso, sem qualquer dúvida, ajudou-o a tomar a decisão de desertar. Em 1959, como funcionário do KGB, foi designado para o caso de um antigo oficial dos marines dos EUA que decidira renunciar à cidadania e estabelecer-se na URSS. O nome deste norte-americano era Lee Harvey Oswald.
Quando Yuri ívanovich Nosenko desertou, identificou-se ao agente da CIA como tenente-coronel do KGB e disse ter pertencido ao Primeiro Directório, encarregado de operações externas, e de ter realizado tarefas de espionagem na Grã-Bretanha. Para tal, Nosenko entregou à CIA um cartão deformado que usara numa anterior operação secreta do KGB e onde figurava como tenente-coronel. A contraespionagem da CIA, sob o comando de James Jesus Angleton, mostrou o cartão a Anatoli Golitsyn, que ao vê-lo disse que era falsificado. O próprio Nosenko reconheceu que lhes tinha mentido para dar a si mesmo maior importância, que realmente era capitão e que a maior parte do seu trabalho no KGB tinha sido desenvolvido no Segundo Directório, o responsável pela fiscalização política interna dos cidadãos soviéticos e estrangeiros que residissem na União Soviética, incluindo turistas e diplomatas. Isto levantou as primeiras suspeitas da contraespionagem da CIA.
Para Angleton, Nosenko era um agente de desinformação do KGB e comunicou-o ao DCI John McCone. O director da CIA ordenou então que se determinasse o passado de Nosenko para saber se o desertor o era deveras ou se, pelo contrário, fazia parte de uma operação de desinformação. Pouco a pouco, os agentes da CIA destacados em Moscovo começaram, por ordem de James Jesus Angleton, a compor a biografia de Yuri ívanovich Nosenko.
Como Oleg Penkovski, outro famoso desertor, Nosenko provinha de uma família cujos membros tinham ocupado altos cargos no Partido Comunista da União Soviética. Graças à intervenção de alguns deles, Nosenko pôde entrar na prestigiada Escola Naval em Frunze. Aí houve um incidente que envolvia o espião do KGB. Quando Nosenko foi recrutado para uma unidade de artilharia perto da fronteira com a Sibéria, deu um tiro no pé direito para se livrar do serviço militar.
Durante três meses ficou internado num hospital psiquiátrico para evitar acabar numa prisão militar. Graças à intervenção do pai, Ivan Nosenko, máximo responsável dos estaleiros militares da URSS até à sua morte em 24 de Setembro de 1956, foi aceite no KGB. O pai de Nosenko pediu a Alexander Nikolaievich Shelepin, presidente da espionagem soviética, que vigiasse o filho e o destinasse a um posto tranquilo no quartel-general na Praça Dzierzynski.
Em pouco tempo, o jovem Yuri começou a construir fama de mulherengo e amigo de beber. Ao que parece, Nosenko tivera relações sexuais com uma jovem arquivista do KGB de dezanove anos que afinal era sobrinha de um importante membro do Politburo. Quando este soube do caso, exigiu a Shelepin que enviasse Yuri Ivanovich Nosenko para o distante posto do KGB na Sibéria, mas a intervenção da mãe do espião conseguiu evitá-lo no último instante. A mãe de Nosenko mantinha uma estreita amizade com a esposa de Aleksei Nikolaievich Kosigin.
Para James Jesus Angleton era curioso que um oficial do KGB poderosamente protegido se oferecesse à CIA para desertar de forma repentina, embora fosse isso que o espião soviético desejava realmente fazer. Peter Bagley, o agente da CIA abordado por Nosenko em 1962, tinha origem idêntica à do espião russo. Descendente de uma família de altos-comandos da Marinha norte-americana, Bagley ascendera na hierarquia da CIA mais graças a favores do que a operações secretas.
Em Langley, Bagley explicou a Angleton que Nosenko lhe tinha dito: “Quero trabalhar para os Estados Unidos, mas não posso desertar, uma vez que a minha esposa e o meu filho estão em Moscovo.” Como Bagley não falava russo, James Jesus Angleton designou George Kisevalter, um analista especialista em assuntos soviéticos que falava russo fluentemente, como «fiscalizador» de Nosenko. Kisevalter pertencia ao SR-9.
No primeiro encontro na Suíça entre Kisevalter e Nosenko, o agente soviético revelou que em Junho de 1958 tinha sido nomeado subdirector de um organismo do KGB responsável por recrutar turistas. Nessa secção estivera a operar em Tóquio, em Jacarta e em Manila. Nos encontros seguintes, Yuri Nosenko entregou a George Kisevalter o que na CIA se conhecia como «comida para frangos», ou seja, informação real mas pouco importante. Com este tipo de informação os agentes desertores especialistas em desinformação tentavam dar maior credibilidade à sua cobertura.
Kisevalter informou o seu chefe em Langley, Joe Bulick, de que Nosenko lhe dissera que a CIA devia deixar de usar um canal concreto de comunicações uma vez que o KGB o andava a vigiar. Por aquele canal a CIA mantinha comunicação com o coronel Oleg Penkovski, uma das mais famosas toupeiras norte-americanas na União Soviética. Ao regressar aos Estados Unidos, George Kisevalter levava consigo quatro horas e meia de gravações em russo com Yuri Ivanovich Nosenko. Antes de o deixar na casa-esconderijo de Berna, o agente do SR-9 entregou a Nosenko uma lista de contactos que apenas devia usar em caso de emergência e um quadro de códigos telegráficos para transmitir informações ao agente que o fiscalizava.
Numa manhã de sábado de 1963, James Angleton telefonou a Peter Bagley e disse-lhe que o fosse ver ao seu gabinete. Enquanto tomavam um café, Angleton apresentou a Bagley as secções de contraespionagem da CIA. Alguns minutos depois, ambos os homens se sentaram em frente de uma mesa de conferências com um magnetofone ao centro. Bagley viu várias fitas amontoadas num lado. Angleton pôs a primeira fita no magnetofone e carregou no botão de iniciar. Peter Bagley pôde ouvir a voz do major Anatoli Mijailovich Golitsyn.

Oficial do KGB, Golitsyn tinha desertado para os EUA em Dezembro de 1961, quando era chefe da espionagem soviética no posto de Helsínquia. Nascido na Ucrânia, de mãe ucraniana e pai russo, Golitsyn serviu no Exército Vermelho durante a Segunda Guerra Mundial, na unidade de contraespionagem. Após o fim da contenda, seria transferido para o Comissariado Popular para Assuntos Internos e posteriormente para o seu sucessor, o KGB. De 1953 a 1955 o espião do KGB seria destacado para Viena e, por fim, em 1960, para Helsínquia. Como sinal de boa-fé, Anatoli Golitsyn ajudou o MI6 a encerrar o caso contra Harold Kim Philby e a desmascarar John Vassall, um espião soviético no Almirantado britânico. As suas revelações sobre as actividades soviéticas em França também tiveram repercussões. Dois chefes da espionagem gaulesa e o assessor do presidente Charles de Gaulle para questões de espionagem foram obrigados a demitir-se.
Desde então, James jesus Angleton, chefe de contraespionagem da CIA, tomou-o sob sua alçada, dando-lhe livre acesso a documentos «altamente sensíveis» da instituição. Golitsyn disse a Angleton que o KGB tinha conseguido penetrar na CIA há vários anos. O suposto espião tinha como nome de código «Sasha».
Ao findar a quarta gravação no magnetofone, a voz de Golitsyn garantia que o KGB enviaria um agente de contraespionagem e propaganda para o desprestigiar aos olhos da CIA e, por conseguinte, aos olhos de Angleton. Ao ouvir isto, Peter Bagley, o agente que fiscalizava, convenceu-se ainda mais de que podia tratar-se do agente enviado pelos soviéticos.
No domingo seguinte e no mesmo local, James Jesus Angleton preparou um encontro curioso. Quando Bagley entrou no gabinete do chefe de contraespionagem, encontrou-se frente a frente com o major Anatoli Mijailovich Golitsyn. Depois de uma conversa de quase uma hora, Bagley saiu de Langley totalmente convencido de que Yuri Nosenko continuava a ser um agente do KGB.
Justamente um mês depois do assassínio do presidente Kennedy em Dallas, da detenção de Lee Harvey Oswald e seu posterior assassínio perpetrado por Jack Ruby, Peter Bagley escreveu um memorando interno para Langley onde vaticinava que Yuri Nosenko poderia accionar o sinal de alarme a qualquer momento, como acabou por acontecer. Alguns dias depois, exactamente a 12 de Fevereiro de 1964, o posto da CIA em Genebra recebeu o sinal de alarme de Nosenko. Langley decidiu enviar ao encontro do desertor soviético o próprio Bagley e George Kisevalter. Este último tinha lido o relatório que Bagley redigira sobre Nosenko, pelo que não lhe parecia bem ir ao encontro do desertor com um agente da CIA que já tinha a sua opinião formada sobre o agente soviético.
Ao chegar a Genebra, os dois agentes da CIA alugaram um carro e dirigiram-se ao bairro residencial onde se encontrava a casa-refúgio onde Yuri Nosenko os devia esperar.
Na reunião, Bagley foi o primeiro a falar: “Por que razão quer desertar agora, se antes me disse que jamais abandonaria a sua esposa e o seu filho?” Kisevalter traduziu a pergunta de Bagley. “Recebi uma chamada do meu Directório do KGB e ordenaram-me que regressasse a Moscovo. Tenho medo de que saibam que tenho estado a colaborar convosco. Tenho de desertar agora, não posso esperar”, respondeu Nosenko com um tom de voz algo alterado, enquanto Kisevalter tentava acalmá-lo explicando-lhe que já não tinha nada que temer e que estava nas mãos da CIA.
Bagley não conseguia entender de que falavam ambos os homens, quando de repente viu como o rosto de Kisevalter se tornava mais sério. Em metade das frases em russo, Bagiey distinguiu as palavras Kennedy e Oswald. Nosenko acabava de revelar a Kisevalter que era o agente do KGB encarregado de recrutar estrangeiros e portanto tinha sido agente «fiscalizador» de Lee Harvey Oswald quando este renunciou à cidadania norte-americana e se instalou em Moscovo. Kisevalter explicou a Bagley o que Nosenko acabava de dizer.
Bagley pediu então a Kisevalter que perguntasse a Nosenko se fora ele quem tinha recrutado Oswald para o KGB. “Não. Oswald era um tipo demasiado instável, pelo que o KGB desistiu de o recrutar. A ordem para não o recrutar veio directamente de Yekaterina Furtseva“, respondeu Nosenko.
Peter Bagley e George Kisevalter tentaram convencer Nosenko a regressar a Moscovo e que de lá passasse informação à CIA. Bagley até lhe disse que Langley se interessaria pelo relatório do KGB sobre Oswald. Nesse momento, Yuri Ivanovich Nosenko tornara-se chefe de segurança do poderoso ministro dos Negócios Estrangeiros da URSS, Andrei Gromiko, dentro do Nono Directório do KGB, encarregado da protecção dos altos membros do Partido Comunista.

Apesar de Bagley tentar convencer Nosenko a regressar a Moscovo, Kisevalter acreditava que os seus conhecimentos sobre Oswald o tornavam demasiado valioso para a CIA e para os EUA. A decisão devia ser tomada por Richard Helms, como chefe de Operações.
O futuro DCI ordenou a Bagley e a Kisevalter que escoltassem Nosenko até aos Estados Unidos a fim de ser interrogado. No SR-9 estavam encantados com Nosenko como uma fonte fiável das relações entre Oswald e o KGB, mas a contraespionagem, sob o comando de Angleton, sabia que se Furtseva tinha proibido qualquer aproximação a Oswald, era óbvio que ninguém dentro do KGB se aproximaria do presumível assassino de Kennedy, nem sequer para lhe dar os bons-dias ou perguntar-lhe as horas.
Dado que Yuri Nosenko não conferia credibilidade ao relato, o próprio James Jesus Angleton ordenou a sua reclusão numa prisão clandestina da CIA até que se comprovasse a sua bona fides. Angleton, completamente imerso numa psicose de toupeiras dentro da CIA, estava seguro de que Nosenko era um espião enviado pelo KGB para desacreditar Golitsyn, tal como este dissera anteriormente.
Um dado curioso é o que nos dá o escritor Joseph Trento na sua magnífica história da CIA quando garante que, com a autorização para Nosenko entrar nos Estados Unidos, Helms tentava incomodar Angleton, com quem tinha uma séria rivalidade. “[Helms] decidiu que Nosenko viesse porque queria resolver a questão do assassínio de Kennedy, como o lixo que escondemos debaixo do tapete. Mas tudo era parte da operação de encobrimento […]. Nosenko absolvia os russos de toda a culpa e a CIA não tinha capacidade real para saber com certeza se os russos o tinham feito ou não.” A Divisão Soviética, o SR-9, acreditava em Nosenko, ao passo que Angleton, Bagley, a contraespionagem e o Departamento de Segurança da CIA suspeitavam do desertor e dos seus reais motivos para desertar.
Quando Yuri Ivanovich Nosenko pisou os Estados Unidos em 1964, não encontrou uma banda de música, nem altos cargos da CIA a seus pés. Pelo contrário, deparou-se com suspeitas da maior parte das divisões da CIA sobre as suas intenções ou motivos para desertar.
Com a abertura da Comissão Warren, incumbida de investigar o assassínio do presidente Kennedy, Yuri Nosenko seria interrogado por dois agentes da contraespionagem do FBI, Elbert Turner e James Wooten, sobre o que declarara à CIA em Genebra. Os relatórios redigidos por ambos os agentes acabaram nas mãos do todo-poderoso J. Edgar Hoover. O director do FBI declarou à Comissão Warren e ao presidente Johnson que Oswald não tinha sido recrutado pelos soviéticos. Na Comissão Warren, o antigo DCI Allen Dulles subscreveu a teoria de Hoover com a única intenção de desviar a atenção do FBI e da CIA e dos erros cometidos por ambos os organismos federais que levaram ao assassínio do presidente dos EUA na cidade de Dallas.
Depois disso, James Angleton escreveu um memorando onde afirmava que Nosenko já não era um informador fiável e que, portanto, o Caso Nosenko devia passar da Divisão Soviética de Serviços Clandestinos para o Departamento de Segurança da CIA. No mesmo memorando, Angleton dava ordens a Howard Osborne para que impedisse qualquer acesso do FBI a Nosenko. Para Hoover e para o FBI aquilo implicava uma declaração de guerra aberta por parte da CIA.
Durante os anos seguintes as relações entre o FBI e a CIA foram, segundo o escritor Mark Riebling, “as piores de toda a história de ambas as agências”.
As provas contra Yuri Nosenko começavam a amontoar-se quando a Divisão de Contraespionagem da CIA foi alertada pela NSA. Sem dúvida que, desde a primeira comunicação de Nosenko com Peter Bagley em Genebra em 1962, a NSA tinha estado a monitorizar as comunicações do soviético. A NSA confirmou a Angleton que Nosenko não tinha recebido nenhuma chamada de Moscovo antes de desertar.
Este dado seria o último de que James Angleton precisaria para convencer Helms e os restantes altos comandos da CIA da necessidade de ordenar a reclusão em solitária de Yuri Ivanovich Nosenko, até poder confirmar se era um verdadeiro desertor ou um agente enviado pelo KGB numa operação de desinformação.
Na madrugada de 13 de Agosto de 1965 Nosenko, de 38 anos, foi escoltado por agentes do Departamento de Segurança desde a casa onde se encontrava em Clinton, no Maryland. Tinha lá permanecido desde 4 de Abril de 1964 sob vigilância da Divisão Soviética de Serviços Clandestinos. O desertor soviético foi levado com as mãos atadas atrás das costas e encapuçado para Camp Peary, nos subúrbios de Williamsburg, na Virgínia, local também conhecido como «a Quinta». Eram para aí levados os futuros agentes da CIA para serem treinados em técnicas de espionagem.
Ao chegar à «Quinta», os oficiais de segurança da CIA entregaram-lhe um macacão do Exército a que tinham arrancado os bolsos. Com os olhos vendados foi novamente transferido para um barracão de cimento, sem luz eléctrica e sem água corrente. O alojamento constava de duas divisões. A primeira estava forrada para absorver as ondas eléctricas. Do outro lado de uma parede falsa também se tinha instalado um magnetofone e um detector de mentiras para medir as respostas involuntárias, a temperatura corporal, a condutividade eléctrica da pele e o pulso de Nosenko. A segunda divisão tinha um catre militar e dois baldes de água, um vazio para as necessidades e outro com água para se lavar.

A responsabilidade dos interrogatórios estaria a cargo da Divisão de Serviços Técnicos chefiada por Sidney Gottlieb. Durante semanas, William Buckley, o oficial da CIA destinado aos Projectos MKUltra e MKSearch, dirigiu alguns dos interrogatórios por ordem do próprio Gottlieb.
Todas as perguntas que Buckley dirigia a Nosenko eram pessoais ou questões sem importância, como o nome de uma rua de Moscovo, de que cor estavam pintadas as paredes do KGB, qual era o nome da sua primeira namorada ou se tivera relações sexuais com homens. O desertor soviético respondia de forma tranquila, como os seus batimentos cardíacos. William Buckley procurava um qualquer sinal de alerta para desmascarar Yuri Nosenko. Interrogavam-no durante horas e remetiam-no para uma completa escuridão durante as horas seguintes, para depois voltar a interrogá-lo até altas horas da noite.
Em alguns relatórios de Buckley na «Quinta» enviados a Richard Helms em Langley, garantia-lhe que Nosenko dizia a verdade, mas noutros assegurava que o desertor russo mentia. Richard Helms ordenava então que aplicassem uma pressão maior sobre o soviético.
Depois de o submeter a interrogatório e a pressão física, retiravam-no vendado e descalço da sala de interrogatórios e metiam-no dentro de um veículo da CIA, com que circulavam cerca de duzentos quilómetros para regressar ao mesmo lugar. Depois tiravam-no do veículo e atiravam-no para dentro de uma câmara de aço cuja construção custara cerca de 2500 dólares à CIA.
Estavam a aplicar os mesmos sistemas de interrogatório que os efetuados pelo sinistro Sidney Gottlieb aos pacientes e aos prisioneiros do Vietcongue no âmbito do Programa MKUltra. Não deixavam que Yuri Ivanovich Nosenko lesse absolutamente nada. Arrancaram-lhe as etiquetas da roupa, entregaram-lhe uma pasta dentífrica sem texto e inclusive limaram a marca do sabão. Gottlieb e Buckley sabiam que muitos agentes preparados do KGB se agarravam a um simples texto para manter o domínio da própria mente. Um dia em que o prisioneiro tinha sido levado à sala de interrogatórios, os oficiais de segurança da CIA descobriram que Nosenko andava a fabricar um xadrez com linhas da camisola e fios das bainhas das calças. Entregaram-lhe de imediato um macacão de náilon impossível de desfiar.
William Buckley declararia anos depois: “Nosenko era um tipo duro. Até chegara a admitir que os soviéticos o tinham treinado para resistir a todo o tipo de interrogatórios. Não havia dúvidas de que os russos o tinham feito passar por isso antes de nós. Isso incomodava muitíssimo Gottlieb.”
Quando levava já setecentos e quinze dias de cativeiro, torturas e interrogatórios, Yuri Nosenko foi-se abaixo pela primeira vez. Pôs-se a chorar e pediu aos interrogadores que por favor acreditassem nele, mas Richard Helms precisava de um culpado.
Injectaram-lhe LSD, meteram-no numa cela onde nunca se apagavam as luzes; os vigilantes batiam constantemente no telhado metálico com cassetetes para evitar que dormisse; deixavam-no sem comer durante dias; atavam-lhe auriculares na cabeça para ouvir, uma e outra vez, gravações com a sua própria voz; deixavam-no sem água, obrigando-o a beber a própria urina para não desidratar; obrigavam-no a fazer as necessidades num balde; ou obrigavam-no a ouvir sons distorcidos durante vinte e três horas seguidas. Nem sequer o deixavam sair para caminhar assim que o Sol se tivesse posto, uma vez que os agentes da CIA que o escoltavam temiam que Yuri Nosenko pudesse identificar onde estava graças à posição das estrelas.
Com o passar de semanas, meses e anos de interrogatórios, torturas e sofrimentos, o Departamento de Segurança da CIA começou a chegar à conclusão de que se Yuri Ivanovich Nosenko mentia, fazia-o de forma magistral, e se assim não fosse, então Nosenko era de facto um desertor do KGB. Enquanto Richard Helms pensava já que Nosenko era quem afirmava ser, Sidney Gottlieb tentava convencer Helms a deixá-lo continuar a realizar experiências sobre Nosenko para lhe tentar lavar o cérebro. Por fim, numa reunião secreta em Langley, Helms ouviu todos os implicados no caso Nosenko. Ao ouvir todas as recomendações a favor ou contra, o DCI ordenou a 27 de Outubro de 1967 a libertação do espião soviético.
Durante quase três anos, Yuri Ivanovich Nosenko tinha sido interrogado, drogado, torturado e privado de liberdade numa prisão clandestina dentro de território norte-americano, sem que a CIA informasse um advogado ou um órgão legislativo.
Após ser posto em liberdade, Yuri Nosenko passou vários meses de reabilitação num hospital militar. Ao lhe ser dada alta, o governo atribuiu-lhe uma nova identidade e facilitou-lhe a integração na Sociedade norte-americana, algo com que o desertor soviético tinha sonhado cinco anos antes. Nosenko foi levado para uma casa confortável na área de Washington e posto sob a segurança do agente de operações Bruce Solie. O FBI informou também Yuri Nosenko de que desde esse momento tinha absoluta liberdade de movimentos para viajar dentro dos Estados Unidos.
Em 1973, quando William Colby foi designado director da CIA, nomeou Yuri Nosenko como seu assessor de contraespionagem em Camp Peary (a Quinta), a academia dos futuros espiões da CIA e o mesmo local onde ele próprio tinha estado prisioneiro e fora submetido a torturas sistemáticas durante anos.
O Departamento de Segurança, a par do Departamento do Conselheiro-Geral, começou a estudar as leis que a CIA poderia ter violado em matéria de sequestro, detenção ilegal e tortura durante um longo período de tempo. A responsabilidade do Caso Nosenko foi posta sob jurisdição do almirante Rufus Taylor, subdirector da CIA.

Robert Crowly, um dos maiores especialistas da CIA em operações secretas de alto nível, declararia anos depois: “Se a Divisão da Rússia Soviética não tivesse estado sobrecarregada com o Caso Penkovsld e se [James Jesus] Angleton não tivesse estado totalmente absorvido na procura do “Sasha” de Golitsyn, alguém com um cargo de responsabilidade poderia ter perguntado o que motivava Nosenko a enviar essa mensagem. Mas ninguém o fez e aí residiu o erro.”
Outro responsável da CIA, Edward Petty, ex-agente de contraespionagem sob o comando de Angleton, diria anos depois: “Golitsyn tinha previsto que chegaria outro agente do KGB, como Nosenko, com a missão de o desacreditar. Ao tratar Nosenko como um “agente enviado”, na realidade o efeito que se conseguia era consolidar a posição do próprio Golitsyn. Quanto a saber se Nosenko era realmente um “agente enviado”, todas as análises em profundidade ignoraram o pormenor de que, à vista das provas convincentes da presença de uma toupeira muito bem infiltrada, o mais certo é que não permitiriam que um Nosenko “autêntico” voltasse alguma vez a sair da URSS depois de voltar a Moscovo em 1962.” A única coisa que Petty desejava com esta declaração talvez fosse salvar a imagem do seu chefe, o poderoso James Jesus Angleton.
Anos depois a CIA descobriria que Anatoli Golitsyn, o desertor que fez suspeitar de Nosenko, tinha aproveitado as suas conversas e encontros com a Divisão Soviética da CIA para vender depois a informação ao MI6 britânico, ao SDECE francês e ao CSIS canadiano.
Yuri Ivanovich Nosenko divorciou-se da primeira mulher russa e voltou a casar com uma cidadã norte-americana. Hoje, aos oitenta anos, vive feliz algures nos EUA com a esposa, os três filhos e os sete netos norte-americanos.
Os dados relativos ao Caso Nosenko encontram-se nas páginas 00023 e 00024 do relatório das «Jóias de Família». Também se encontram no Memorandum for: Deputy Director of Operations. Subject: Item for Possible Use in Briefing the DCI, com a data de 7 de Maio de 1973 e assinado por David H. Blee, chefe da Divisão do Bloco Soviético. Este memorando ocupa as páginas 00521 e 00522 do relatório das «Jóias de Família».