A CIA teve realmente luz verde para acabar a todo o custo com Castro nos primeiros dias de Junho de 1960 quando Anastas Mikoyan, vice-primeiro-ministro dos Negócios Estrangeiros da União Soviética, negociou em Havana um pacto de cooperação cubano-soviético. Esse foi o momento em que o então presidente Eisenhower e Allen Dulles, director da CIA, perceberam que Fidel Castro devia desaparecer da cena Política. Segundo o relatório da Comissão Church, a CIA deu os primeiros passos para assassinar Castro em Agosto de 1960, quando da Casa Branca se deu a ordem a Richard Bissell, subdirector de Operações Secretas da CIA, para se encarregar desta nova tarefa. Assim que recebeu o encargo, Bissell contactou Sheffield Edwards, o poderoso director de Segurança da CIA, para solicitar ideias e agentes capazes de cumprir a missão.
A chegada da nova administração de John Kennedy à Casa Branca provocou, ao contrário do que pensava Bissell no início, um estímulo importante ao seu esforço para levar a cabo a tarefa encomendada pelo anterior presidente. Tanto John Kennedy como o irmão Bobby estavam convencidos de que Castro devia desaparecer e para tal efeito aprovaram o pagamento de 150.000 dólares. Muito se falou desde aí da implicação da Máfia nas tentativas de assassínio de Fidel Castro, mas durante quase quarenta anos apenas se discutiram conjecturas, até se tornarem públicas as «Joias de Família» em 2007. Ao passo que a operação Zapata (a invasão da Baía dos Porcos) teve como objectivo uma invasão militar de Cuba por uma força de exilados cubanos treinados, armados e financiados pela CIA, a Operação Mongoose tinha como objectivo um programa sério de propaganda, sabotagens económicas tanto dentro como fora da ilha, infiltração de exilados para organizar revoltas internas e, como é óbvio, tentativas de assassínio do dirigente cubano.
Para dirigir a primeira parte da Operação Mongoose, a Casa Branca nomeou Edward Lansdale, famoso piloto que efectuara operações secretas com bastante êxito nas Filipinas e no Vietname. William Harvey, chefe da Special Task Force W, no âmbito do chamado Projecto ZR / Rifle, recebeu a missão de procurar, programar, desenvolver e levar a cabo planos para acabar com a vida de Fidel Castro.
A CIA e Allen Dulles estavam convencidos de que a Máfia poderia dispor a qualquer momento de «torpedos» (nome por que são conhecidos os assassinos da organização criminosa) em Havana para se aproximar de Castro e acabar com a sua vida. Sheffield Edwards ouviu o plano de Bissell e, após uma pausa, disse-lhe que para tentar contactar a Máfia podiam usar um ex-agente do FBI com amplas ligações em Las Vegas, assessor do milionário Howard Hughes e com boas amizades dentro do crime organizado. O seu nome era Robert Maheu.
James O’Connell, segundo ao comando de Edwards, foi o encarregado de se reunir com Maheu. O agente da CIA perguntou diretamente a Maheu se colaboraria numa operação destinada a «eliminar» Castro. Robert Maheu declararia anos depois que nesse momento soube que se tornaria a ligação de dois grandes e poderosos exércitos: a CIA de um lado e a Máfia do outro. Robert Maheu compreendeu que participar no assassínio de Castro era mais uma questão de patriotismo que de segurança nacional. No dia seguinte telefonou a O’Connell e disse-lhe que aceitava a missão. O passo seguinte de Maheu foi reunir-se em segredo com Johnny Roselli, representante da Família de Chicago na Costa Oeste.
Roselli era um simples «soldado» de Chicago que foi subindo na Máfia graças mais ao cérebro do que à violência. Pouco a pouco, todos os negócios da Família de Chicago foram passando pelas suas mãos. Quando se criou Las Vegas, e com ela os casinos, Roselli foi enviado como representante de Chicago. Com o passar do tempo, o mafioso começou a ser conhecido como «o Coveiro», uma vez que, quando a Família desejava fazer alguém desaparecer, chamavam Roselli e este enterrava-o no deserto do Nevada.
Roselli, cujo nome verdadeiro era Filippo Sacco, nascera em 1905 na cidade italiana de Estera. Com apenas seis anos chegou ao porto de Nova Iorque; instalar-se-ia com a família no bairro italiano. Após a morte do pai, a mãe voltou a casar, com um homem que pertencia à organização criminosa da Mão Negra, que introduziu o pequeno Johnny no mundo do crime. Com dezassete anos foi para Chicago, onde se juntou ao bando de Al Capone até à morte deste.
Na década de 1930 Roselli representava já a Família de Chicago na indústria cinematográfica de Hollywood. Conseguiu para eles cerca de um milhão de dólares da época, produto da extorsão às grandes produtoras, aos sindicatos e inclusive às estrelas. As suas relações com as grandes estrelas do cinema da época eram muito próximas. Joan Crawford, Errol Flynn, Gary Cooper e muitos outros passavam pelos casinos clandestinos dirigidos por Zeppo Marx, famoso jogador de póquer e membro do grupo dos Irmãos Marx. Zeppo era o encarregado de limpar os avultados bolsos das estrelas de Hollywood para Johnny Roselli.
Para o FBI, Roselli era simplesmente um mafioso, envolvido no assassínio de pelo menos trinta pessoas e com uma forte ligação a Sam Giancana, chefe da Família de Chicago. Para a CIA, por outro lado, Roselli era um homem elegante, culto, refinado e com boas ligações para levar a cabo a missão de liquidar Fidel Castro.
A 11 de setembro de 1960 Maheu telefonou a O’Connell, do Departamento de Segurança da CIA, e confirmou-lhe que estabelecera contacto com Roselli e que este solicitara uma reunião secreta três dias depois. O encontro teve lugar num quarto do Hotel Hilton Plaza de Nova Iorque. Assistiram à reunião o próprio Johnny Roselli, Robert Maheu e James O’Connell. Maheu apresentou O’Connell como Sam Gold. Após cerca de meia hora a explicar ao mafioso o que a CIA queria dele, Roselli manteve-se em silêncio e por fim respondeu que ajudaria a CIA, mas não por dinheiro. Isto foi uma surpresa para O’Connell, mas aceitou. O alto funcionário da CIA tornar-se-ia o contacto de Roselli até Maio de 1962.
Durante a semana do dia 25 de Setembro, Roselli telefonou duas vezes a Maheu. Numa delas disse-lhe que deviam viajar para Miami a fim de conhecer dois amigos seus que também participariam activamente na operação em Cuba. Esses dois amigos eram nada mais nada menos que Sam «Momo» Giancana, padrinho de Chicago, e Santo Trafficante, padrinho da Florida. Tanto Giancana como Trafficante estavam na lista dos dez alvos mais importantes de Robert Kennedy, o procurador-geral dos Estados Unidos.
Era evidente que Giancana participava na Operação Mongoose para tentar reduzir a pressão do governo federal sobre os seus negócios ilícitos. A participação de Trafficante era mais uma questão pessoal. O chefe da Cosa Nostra da Florida vivia em Havana desde 1946, mas em 1959 teve de voltar aos EUA quando Fidel, assim que se viu no poder, expulsou todos os chefes da Máfia da ilha.
Após a chegada de John Kennedy à Casa Branca, em Janeiro de 1961, Allen Dulles, director da CIA, informou o novo presidente e o novo procurador-geral, Robert Kennedy, da operação iniciada em 1960 por Eisenhower para acabar com a vida de Fidel Castro. O director da CIA deu todos os pormenores da operação, incluindo os nomes de Maheu, Roselli, Trafficante e Giancana. Tanto John como Bobby ouviram com entusiasmo o desenvolvimento da Operação Mongoose. Pouco depois, o próprio presidente dos Estados Unidos daria ordens para a operação prosseguir, inclusive com maior esforço e mais meios.
Por seu lado, William Harvey ordenou a transferência de David Sánchez Morales do posto da CIA no México para o de Miami para o utilizar como correio clandestino. Agora apenas restava esperar pelas ordens de O’Connell e de Maheu.
A reunião na Florida realizou-se a 12 de Março de 1961, no Hotel Fontainebleau de Miami Beach. Durante o almoço, Giancana sugeriu vários meios para acabar com a vida de Castro. O chefe da Família de Chicago disse a O’Connell e a Maheu que seria impossível aproximar-se de Fidel Castro com uma arma no bolso, mas seria possível administrar-lhe uma cápsula com veneno. A ideia era pôr a cápsula dissolvida na comida ou na bebida. O’Connell interessou-se pela pessoa que poderia executar a operação. O mafioso respondeu que a única pessoa que podia aproximar-se a Castro era Juan Orta, um alto funcionário da administração cubana que devia muito dinheiro à Família da Florida por causa de dívidas de jogo. Giancana e Trafficante garantiram a Orta que lhe perdoariam as dívidas se conseguisse matar o dirigente cubano. A 14 de Março O’Connell voltou a encontrar-se com Johnny Roselli e entregou-lhe uma caixa com três cápsulas que continham um veneno potente e 10.000 dólares para despesas.
Entretanto, a Casa Branca continuava a exercer pressão sobre a CIA para levar a cabo acções contra Castro. «O pessoal que a CIA tinha na sua origem não era muito eficiente. Eu tentava fazer as coisas, sobretudo influenciá-los a procurarem novas ideias sobre o que se devia fazer, mas era impossível», declararia anos depois o próprio Robert Kennedy sobre a questão cubana.
Samuel Halpern, especialista em assunto do Extremo Oriente, ex-membro do OSS, ajudante do subdirector de Operações Clandestinas da CIA e chefe da equipa «Cuba», responderia: “Tínhamos a impressão de que as coisas que fazíamos em Cuba eram por vingança familiar, não pelo bem dos Estados Unidos ou pela segurança nacional. Não soubemos o que era pressão até termos esses dois filhos da puta [John e Robert Kennedy] no poder.”
Richard Bissell foi chamado uma manhã à Casa Branca para se reunir com o presidente Kennedy e seu irmão Robert. “Mostraram-se agressivos e disseram-me para mexer o cu e fazer alguma coisa contra o regime de Castro e o próprio Castro. Disseram-me que não tinha feito nada desde o fiasco da Baía dos Porcos e que chegara a hora de retomar a acção. Esperavam que se continuasse a fazer o mesmo que se tentara na Baía dos Porcos: eliminar Castro“, confessou o próprio Bissell a William Harvey. Esta confissão ficaria refletida na biografia escrita por Bayard Stockton sobre Harvey, intitulada «Flawed Patriot: The Rise and Fall of CIA Legend Bill Harvey».
Halpern declararia anos mais tarde: “Richard [Bissell] disse-me que era preciso livrarmo-nos dele [Castro], embora, como é óbvio, ninguém falasse de “assassínio”. Ninguém usaria essa palavra num género de operação como essa. […] Apostaria que a Máfia não tem nenhum manual escrito sobre esse tipo de coisas. Sabíamos o que devíamos fazer porque era o que eles [John e Robert Kennedy] queriam.”
William Harvey declararia em 1975 perante a Comissão Church: “Bissell disse claramente que a Casa Branca reiterara o seu interesse num dispositivo de “acção executiva”. Nesta linha é provável que o presidente e o irmão tivessem aprovado o assassínio de Castro de novo nesse outono.”
A 19 de Janeiro de 1962 Bobby Kennedy foi muito explícito ao falar da Operação Mongoose. Kennedy disse: “Cuba é altamente prioritária para o governo dos Estados Unidos. Tudo o resto é secundário. Não se poupará nem tempo, nem dinheiro, nem esforços, nem homens. O capítulo final [o assassínio ou derrube] de Castro está ainda por escrever. É necessário escrevê-lo e escrever-se-á.”
Em 1975, perante a Comissão Church, Richard Helms, o homem que substituiu Richard Bissell no comando das operações clandestinas da CIA e futuro director da instituição, declarou então em relação à operação Mongoose: “O discurso de [John] Kennedy reflectia a atmosfera que nos fez compreender que o assassínio [de Castro] estava autorizado.”
A verdade é que William Harvey, à frente da Operação ZR/Rifle, continuou a conceber, ao lado de Robert Maheu e do gangster Johnny Roselli, planos para liquidar o dirigente cubano. Tudo valia para tal.
A equipa do Diretório de Ciência e Tecnologia da CIA, com Gottlieb à cabeça, estava decidida a encontrar um sistema capaz de matar Castro numa questão de segundos e disponibilizá-lo para os homens de Johnny Roselli. Entre algumas destas invenções estava uma caixa de charutos cubanos, os preferidos do dirigente cubano, impregnados com a toxina do botulismo. Também se desenvolveram umas pílulas de aspeto inofensivo que, assim que dissolvidas, impregnavam a comida ou a bebida com um veneno potente, mas a invenção mais rocambolesca criada por Gottlieb e os «magos de Langlep», como eram conhecidos os membros do Directório de Ciência e Tecnologia, foi um fato de mergulho cujo interior tinha sido besuntado com esporos do bacilo da tuberculose. Gottlieb recebeu a informação de que Fidel Castro era muito adepto da pesca submarina e que costumava praticar na costa norte da ilha. A ideia da CIA era entregar o fato a um agente de Giancana ou de Trafficante para que ele o incluísse no equipamento que Fidel Castro usava.
Outros sistemas propostos foram, por exemplo, utilizar um mi-nissubmarino da Marinha norte-americana, despojado de todos os distintivos. Assim que um homem de Giancana na costa notificasse Miami que Castro partira para alto-mar a fim de dar azo ao seu gosto pela pesca submarina, o comandante do submarino seria informado disso. Dar-se-lhe-ia a posição exata do barco cubano e este seria atacado com torpedos em alto-mar. Também se estudaram outros sistemas como o proposto por Peter Wright, director adjunto do MI5, a contraespionagem britânica. Durante um encontro com Richard Bissell, Wright disse-lhe que os britânicos tinham pensado levar a cabo uma acção contra a imagem de Castro; consistia simplesmente em enviar-lhe uma caixa de charutos que ao serem acendidos soltariam uma substância que provocaria a queda do pelo facial do dirigente cubano.
Roselli, entretanto, comunicou a Harvey que o envenenador previsto, empregado de mesa do palácio presidencial de Havana, tinha sido despedido uma semana antes de se pôr o veneno na comida de Fidel. O segundo envenenador tinha sido descoberto pelos serviços secretos cubanos e obrigado a ingerir as pílulas criadas nos laboratórios da CIA. Morreu numa questão de segundos, sofrendo dores terríveis.
Angleton, de novo dedicado às conspirações e às traições, informou McCone de que Trafficante talvez estivesse a revelar as tentativas da CIA para acabar com o dirigente cubano, ou ao próprio Castro ou ao seu círculo de confiança. John McCone tomou nota disso e deu ordens a William Harvey para informar Robert Maheu. Richard Bissell, ao inteirar-se dos comentários de Angleton, exigiu a Harvey, por sua vez, que investigasse as acusações contra Santo Trafficante entre a comunidade de exilados cubanos de Miami. Acredita-se que o FBI detectou os agentes da CIA a fazer perguntas sobre o padrinho da Florida.
J. Edgar Hoover, o todo-poderoso director do FBI, já sabia nessa altura que Eisenhower tinha planeado matar Castro antes de abandonar a Casa Branca; que Sam Giancana, o padrinho de Chicago, estava envolvido de alguma forma nessa conspiração; que Giancana e Trafficante trabalhavam para a CIA, e que Giancana e Johnny Roselli usavam uma das suas amantes, Judith Campbell Exner, como «mensageira» com o presidente Kennedy, com quem também tinha relações sexuais. O certo é que nem a Casa Branca, nem a CIA, nem o Departamento de Justiça, nem a comunidade de exilados cubanos em Miami sabiam como Hoover tinha conhecimento de cada passo da Operação Mongoose. A sua «garganta funda» na Operação Mongoose era o próprio Johnny Roselli.
Para o FBI, John Kennedy estava metido num jogo muitíssimo perigoso, simplesmente porque Giancana esperava que com a sua ajuda na conspiração contra Fidel Castro fosse recompensado pelas autoridades federais, que fechariam os olhos aos seus negócios. O mais curioso de tudo é que enquanto Giancana e o presidente dos EUA trocavam misteriosos envelopes, Bobby Kennedy, procurador-geral, continuava com os seus ataques contra o crime organizado. Sam Giancana estava na linha da frente destes ataques.
A verdade é que o chefe da Família de Chicago acreditou que o presidente Kennedy não cumprira a promessa de lhe tirar o Departamento de Justiça de cima. Chuck Giancana, irmão de Sam e consigliere da Família de Chicago, declararia anos depois que o irmão tivera um papel relevante no assassínio do presidente Kennedy a 22 de Novembro em Dallas. Em Abril de 1961, enquanto continuava em pleno andamento a colaboração CIA–Máfia para acabar com Castro, Kennedy lançou a operação Zapata contra Cuba: a tentativa de invasão na Baía dos Porcos por um exército de exilados cubanos treinados e armados pela CIA. Kennedy deixara-se levar pelo entusiasmo de Richard Bissell, mas a Baía dos Porcos terminou em desastre.
Depois do fiasco, John Kennedy chamou Bissell à Sala Oval e, sem o deixar falar, disse-lhe: “De cu tremido e não fazendo nada, não conseguiremos acabar com Castro ou com o regime de Castro.” Ao abandonar a Casa Branca, Bissell compreendeu que acabava ali a sua carreira na CIA. Dias depois seria despedido e substituído por Richard Helms.
Kennedy desejava acções concretas contra Fidel Castro, pelo que aceitou qualquer recomendação, por mais fantástica que fosse. Desta vez o grupo especial, que se ocuparia de estudar todas as opções apresentadas, seria formado pelo procurador-geral Robert Kennedy, o general Maxwell Taylor e o secretário da Defesa Robert McNamara.
“Estávamos histéricos quanto ao que fazer com Castro na época do fiasco na Baía dos Porcos. As pressões de JFK e de RFK eram enormes em relação ao assunto Fidel Castro“, declararia McNamara à Comissão Church. Na realidade seria Richard Helms o grande arquitecto da Operação Mongoose. “Não haverá barreiras para qualquer ideia apresentada. Todas serão estudadas. O pessoal da CIA deve apresentar-nos várias opções a fim de serem apreciadas”, disse o presidente Kennedy a John McCone, director da CIA, e a Helms, responsável das Operações Secretas.
O grupo de Helms apresentou opções como usar armas químicas e biológicas contra os trabalhadores do açúcar cubano, lançar herbicidas contra as plantações de cana-de-açúcar, empregar gangsters cubanos para levar a cabo atentados contra altos funcionários do regime de Fidel Castro, técnicos soviéticos e outras personagens afins do regime comunista, pôr minas nos principais portos da ilha e sobretudo oferecer pagamentos avultados a todos os cidadãos cubanos que matassem ou sequestrassem funcionários do governo. Esta última vertente da campanha contra Fidel Castro receberia o nome operação Bounty.
A 10 de Abril de 1962 J. Edgar Hoover escreveu um memorando ao presidente Kennedy em que dizia que o FBI tinha detectado uma operação secreta desenvolvida pela CIA, com a ajuda de Robert Maheu e Sam Giancana, para oferecer 150.000 dólares a vários pistoleiros a fim de viajarem para Cuba e matar Castro.
Hoover tivera especial cuidado para não citar o presidente ou o irmão no memorando, mencionando apenas Maheu e Giancana, e não Roselli.
Soaram rapidamente os alarmes na Casa Branca e no Departamento de Justiça. Helms disse a Harvey para informar Johnny Roselli, a fim de este cortar qualquer comunicação de forma imediata com Maheu ou Giancana e avisá-lo de que, se não apresentasse um plano de acção concreto contra Castro, quebrar-se-iam de imediato as comunicações com a CIA.
Roselli disse então a Harvey que uma equipa de voluntários cubanos (três homens) lhe garantiram que podiam evitar os seguranças de Fidel Castro e matá-lo, mas para tal precisariam da ajuda da CIA para fornecer as armas e os aparelhos de comunicação.
William Harvey conduziu pessoalmente a carrinha alugada da empresa U-Haul com todo o equipamento necessário lá dentro. Estacionou-a no parque de estacionamento de um centro comercial de Miami para que pudesse ser roubada por homens de Roselli. Certo é que com o passar do tempo a CIA comprovou que os três presumíveis “assassinos” eram realmente homens de Johnny Roselli e as armas desapareceram ou foram vendidas no mercado negro.
No mês de Outubro de 1962 surgiu a chamada «crise dos mísseis» em Cuba, quando os soviéticos decidiram instalar armas nucleares na ilha. Os mísseis seriam descobertos por aviões espiões norte-americanos U-2, e isto foi comunicado ao Pentágono e à Casa Branca. Assim se iniciava uma das maiores crises diplomáticas de toda a História, que pôs o planeta à beira de uma possível Terceira Guerra Mundial, só que desta vez os combates seriam levados a cabo com armas nucleares. A 27 de Outubro, pela noite, Krutchov propôs a Kennedy o desmantelamento das bases soviéticas de mísseis nucleares em Cuba em troca da garantia de que os Estados Unidos não efectuariam nem apoiariam uma invasão de Cuba; os EUA também deveriam desmantelar as bases de mísseis nucleares na Turquia. Depois de contínuas negociações secretas, de que Fidel Castro foi excluído, Kennedy aceitou. Este acordo seria conhecido mais tarde, já que John Kennedy, aconselhado por McNamara e pelo irmão Bobby, assinou-o com a condição de que nem a não invasão de Cuba nem o desmantelamento seriam de domínio publico até pelo menos Abril de 1963. Os soviéticos aceitaram a condição.
No mês de Outubro de 1962, no âmbito da nova era de tensão entre Washington e Moscovo, John Kennedy deu ordens à CIA para pôr fim a qualquer operação secreta contra Cuba ou contra Fidel Castro. Imediatamente depois, Robert Kennedy telefonou a John McCone e a Richard Helms e ordenou-lhes o findar da Operação Mongoose.
O nome da unidade da CIA responsável pelas operações secretas contra Cuba mudou para Special Affairs Section (Secção de Assuntos Especiais). William Harvey foi despedido no início de 1963, e foi substituído por Desmond Fitzgerald, amigo íntimo de Robert Kennedy.
As ligações entre a CIA e a Máfia terminaram quando Fitzgerald comunicou pessoalmente a Johnny Roselli que a Operação Mongoose deixara de existir. Durante alguns meses as tentativas para acabar com a vida de Castro deixaram de ser uma prioridade de segurança nacional, ainda que a ideia nunca fosse totalmente abandonada. Enquanto John Kennedy cumpria o acordado com Krutchov para pôr fim à «crise dos mísseis», o irmão Bobby continuava a pressionar a CIA para acabar com Castro. Assim eram os irmãos Kennedys.
A 7 de Setembro de 1963 o major Rolando Cubela viajou ao Brasil integrado numa delegação oficial cubana. Nessa mesma tarde entrou em contacto com um agente da CIA e disse-lhe que “voluntariamente, trataria de assassinar Fidel Castro“. Certo é que Fitzgerald não pôde recusar semelhante oferta.
Cubela era um homem conhecido pela CIA. Em Março de 1961, quando se planeava a invasão da Baía dos Porcos, telefonou à CIA e propôs desertar em troca de um contacto inicial com a instituição. James Jesus Angleton, o polémico chefe da Divisão de Contraespionagem da CIA, alertou os seus superiores para a personalidade de Cubela. “[Cubela] era amigo pessoal de Castro e segundo parece trabalha num escritório particular em Havana onde leva a cabo missões oficiais para o governo de Fidel Castro. É também um assassino experiente. Antes da chegada de Castro ao poder em 1959, Cubela assassinou em plena rua Blanco Rico, chefe dos serviços secretos militares de Fulgencio Batista“, escrevia Angleton. O chefe de Contraespionagem concluía que Rolando Cubela era uma fonte «insegura» que devia ser tratada como tal, mas Desmond Fitzgerald via, pelo contrário, uma boa oportunidade e decidiu arriscar. Cubela, que recebeu o nome de código AM/LASH, queria reunir-se pessoalmente como o procurador-geral Robert Kennedy para confirmar que a administração de Kennedy estava por trás da operação de assassínio de Castro.
A reunião de Cubela com Bobby era impensável para Fitzgerald, mas o agente da CIA apresentou ao cubano uma segunda opção. Ele tornar-se-ia pessoalmente, com a autorização dos superiores, o «correio especial» entre o próprio Cubela e Bobby Kennedy.
O plano era encontrar-se com Cubela (AM/LASH). O cubano continuava interessado em que alguém de «alto nível» da administração Kennedy lhe garantisse a aprovação do plano de assassínio de Castro.
Ainda que Desmond Fitzgerald nunca utilizasse o verdadeiro nome nos encontros com Cubela, os investigadores da Comissão Church descobriram quem era mediante fotografias surgidas na Imprensa. Nalgumas delas via-se o agente da CIA com Robert Kennedy e umas amigas deste.
Na reunião de 29 de Outubro de 1963 Fitzgerald garantiu a Cubela que como sinal de «boa-fé» escrever-se-ia uma frase-chave no próximo discurso do presidente John Kennedy. Cubela entregou a frase a Desmond Fitzgerald para que fosse incluída no discurso. O presidente Kennedy fez um discurso em Miami a 18 de Novembro no qual garantiu que “o regime de Fidel Castro é formado por um pequeno bando de conspiradores que deve ser arrancado do poder”. Esta era a frase que Cubela entregara a Fitzgerald. A reunião seguinte, assim que fosse confirmado o apoio do presidente Kennedy, aconteceria a 22 de Novembro de 1963 em Paris. Na capital francesa, a CIA entregou a Rolando Cubela uma seringa com um líquido no interior e uma agulha hipodérmica. O agente da CIA (Fitzgerald) explicou a Rolando Cubela que a seringa continha a toxina da peste negra e que tinha sido preparada pela Secção Química da Divisão de Serviços Técnicos da CIA, dirigida por Sidney Gottlieb. A toxina fornecida era tão potente que a vítima podia morrer numa questão de minutos. Cubela disse então a Fitzgerald que seria impossível aproximar-se o suficiente de Castro para lhe inocular a substância e voltou a pedir uma espingarda de precisão. O enviado da CIA respondeu que a espingarda ser-lhe-ia entregue na própria ilha e que seriam «amigos» da CIA quem trataria de lha entregar em Havana. Esses «amigos» a que Fitzgerald se referia eram, sem dúvida, delinquentes associados a Sam Giancana e Santo Trafficante.
Quando Desmond Fitzgerald regressava aos Estados Unidos, soube que o seu comandante-chefe e amigo acabava de ser assassinado na cidade de Dallas. Assim se punha um ponto final aos mil dias da administração de Kennedy. Com a chegada de Lyndon B. Johnson à Casa Branca, terminaram também as tentativas de assassinar Castro. Logo depois de assumir o poder do país e da Sala Oval, o próprio Johnson convocou McCone, o director da CIA, e deu-lhe ordens para pôr fim a qualquer acção contra Cuba e contra o seu chefe máximo.
Os motivos de Cubela para se oferecer à CIA foram, segundo Angleton, conseguir a ratificação oficial por parte de Robert Kennedy de matar Castro. Assim que esta confirmação foi conseguida, Cubela regressou a Havana. De facto, Rolando Cubela jamais foi condenado ou preso por ter «supostamente» fugido dos Estados Unidos.
Em 1966 o major Rolando Cubela foi acusado de actos de subversão cometidos em 1964, juntamente com quase meio milhar de altos funcionários cubanos. Todos eles seriam executados, menos Cubela. O próprio Fidel Castro interveio pessoalmente para impedir que fosse executado. Depois de cumprir uma curta sentença de prisão, Cubela foi para Espanha em 1977, onde vive desde então.
Outros dois cubanos que participaram de alguma maneira na Operação Mongoose foram Juan Orta Cordova e o doutor Manuel Antonio Varona y Loredo.
Orta era funcionário de nível superior que ocupava o cargo de director do gabinete do primeiro-ministro, ainda que fosse de facto o secretário privado de Fidel Castro. “Tinha acesso direto ao dirigente cubano todos os dias”, como explicou Orta a Giancana. Juan Orta ofereceu-se para introduzir o veneno na bebida de Castro. Após muitos ensaios por parte do sinistro Sidney Gottlieb, a CIA conseguiu criar seis pílulas de um potente veneno que se dissolvia na água em poucos segundos. Em Fevereiro de 1961 Sam Giancana entregou uma caixa metálica a Orta com as seis pílulas, mas quando o cubano estava prestes a dar o golpe foi imediatamente despedido e, por conseguinte, viu-se sem acesso a Castro. Pensando que tinha sido denunciado, Orta fugiu e refugiou-se na embaixada da Venezuela em Havana, poucos dias antes da Baía dos Porcos. Juan Orta Cordova continuou preso na delegação diplomática até o governo cubano ter autorizado a sua saída rumo ao exílio no México, em Outubro de 1964.
O segundo era o doutor Varona, a quem Trafficante e Giancana chamavam «Plano B». Varona trabalhara durante anos em estreita colaboração com os proprietários de casinos em Cuba para derrubar Castro. Agora vivia em Miami e encabeçava a poderosa coligação anticastrista da Frente Democrática Revolucionária, financiada em parte com fundos da CIA. Varona ocupar-se-ia de conseguir dentro da ilha algum voluntário para o fazer. Certo é que Manuel Antonio Varona y Loredo e o seu pessoal dos casinos sabiam mais do que acontecia dentro de Cuba do que muitos dos homens que faziam parte da Operação Mongoose, incluindo William Harvey.
A Operação Mongoose foi na realidade imposta pelos irmãos Kennedys à CIA, como missão estratégica para a segurança nacional dos Estados Unidos na região da América Latina e na zona das Caraíbas.
Para a CIA, acabar com Castro e com o seu regime era mais uma batalha na Guerra Fria, ao passo que para os irmãos Kennedys acabar com Fidel Castro era simplesmente uma questão pessoal.
Fosse como fosse, o certo é que por um motivo ou outro o posto JM-WAVE (Miami) para operações contra Cuba experimentou grandes transformações para se pôr à altura das futuras acções secretas que se realizariam. Calcula-se que no primeiro ano da Operação Mongoose se gastaram entre 50 e 100 milhões de dólares.
Com o passar dos anos, os intervenientes da Operação Mongoose começaram a prestar contas. William Harvey foi afastado de Washington por Richard Helms e enviado para Roma para chefiar o posto da CIA dessa cidade.
Um documento tornado público pela CIA demonstrava que em Outubro de 1962 existiam cerca de 415 organizações anticastristas que operavam em Miami, Los Angeles, Nova Iorque, São Francisco e no interior de Cuba. Havia sempre em cada posto da CIA um responsável encarregado das acções secretas no âmbito da Operação Mongoose.
A planificação da Operação Mongoose, manuscrita por Robert Kennedy, tinha o seu término previsto para antes de Dezembro de 1962. O calendário operativo era o seguinte:
- Março: início das operações;
- Abril – Maio: reforço da actividade clandestina dentro de Cuba;
- 1 de Agosto: início das acções subversivas (ataques terroristas, sabotagens, atentados e infiltrações);
- Finais de Agosto – princípios de Setembro: aumento de acções subversivas em Cuba;
- Outubro: revoltas generalizadas em todo o território cubano em diversas frentes para conseguir o derrube do governo de Fidel Castro;
- finais de Outubro: reconstrução do governo, com a criação de um governo de unidade nacional, com grupos, partidos e sindicatos anticastristas financiados pela CIA.
Entre 1962 e 1965 a CIA empenhou-se em criar no âmbito da Operação Mongoose uma rede de guerrilhas contrarrevolucionárias que abarcasse toda a ilha, apesar de a operação ter sido oficialmente «encerrada» em Outubro de 1962, após a «crise dos mísseis». A CIA destinou inúmeros recursos militares, técnicos e económicos para abastecer estes grupos armados que em determinado momento seriam unificados num só exército contrarrevolucionário para chegar a Havana.
A CIA criou três organizações: FAL, RCA, e a mais importante de todas, Alpha-66. Além disso, criaram-se cinco redes de espionagem, desde Pinar del Rio a Las Villas. Os chefes operativos das cinco redes comunicavam directamente com os oficiais da CIA destacados na base naval de Guantánamo.
As tarefas que deviam executar no âmbito da Operação Mongoose destinavam-se a destruir a produção açucareira e tabaqueira nas várias províncias e a assentar as bases de uma insurreição armada que se estenderia do campo para as cidades.
O presidente Kennedy aprovou, pelo Memorando de Segurança Nacional 181 do dia 23 de Agosto de 1962, a Opção B, que não contemplava a acção militar directa dos Estados Unidos. Contudo, a esta variante juntava-se-lhe o termo «ampliada», para incluir o emprego de forças militares norte-americanas, quando fosse do interesse da administração.
Deste modo, os planos para uma futura invasão militar norte-americana de Cuba tornaram-se novamente, nos primeiros meses de 1962, uma ameaça real e iminente. Se relacionarmos a variante ampliada atrás mencionada com as fases em que estavam previstas as operações contra Cuba, a invasão militar dos Estados Unidos à ilha ficaria programada para Outubro de 1962.
Muitos dos intervenientes da Operação Mongoose não chegariam a revelar nenhum segredo à Comissão Especial do Senado para Actividades de Informação, criada em 1975.
Sam «Momo» Giancana seria assassinado a 19 de Junho de 1975 na cozinha de sua casa de Oak Park (Chicago), mesmo antes de se apresentar perante a Comissão Church para responder pelo seu papel na Operação Mongoose. Johnny Roselli desapareceu da face da terra até que em Julho de 1976 uns pescadores encontraram um bidão de gasolina fechado a flutuar na costa. Ao abri-lo, descobriram lá dentro os restos de Roselli.
Amigos próximos de ambos os mafiosos declararam que tanto Giancana como Roselli tinham sido mortos não pelas suas ligações à Máfia, mas pelas suas relações com a CIA, a Operação Mongoose e os irmãos Kennedys.
A respeito de Santo Trafficante, torna-se óbvio, passados estes anos, que William Harvey não cumpriu bem a sua tarefa. Se o experiente agente da CIA tivesse feito bem o seu trabalho, teria descoberto que Trafficante, na sua luta por uma maior fatia do jogo cubano e por retirar poder a Meyer Lansky, tinha efectuado um acordo secreto com o próprio Fidel Castro. A CIA jamais se apercebeu de que, durante a guerra de guerrilhas contra o exército de Batista, Fidel Castro recebeu uma grande quantidade de armas de Santo Trafficante. Como moeda de troca, Castro prometeu ao chefe da Máfia da Florida que, se a Revolução triunfasse, Trafficante tornar-se-ia o único «dono e senhor» do jogo em Cuba. O chefe mafioso também permitiu a agentes de Castro que introduzissem heroína em Miami e a distribuíssem dentro da sua área de actuação.
Santo Trafficante assumiu o poder absoluto dentro da comunidade de exilados cubanos de Miami e Nova Jérsia. Sem o saber, Trafficante foi introduzindo pouco a pouco espiões de Castro no organigrama da Operação Mongoose. Nem a CIA nem o FBI alguma vez se aperceberam de que parte dos grupos anticastristas mais extremistas eram na verdade fachadas da Dirección General de Inteligencia, os serviços de espionagem cubanos. Da mesma maneira que William Harvey falhara em conseguir boas fontes de informação em Berlim Oriental, agora em Cuba, e por esse mesmo motivo, não descobriu nunca que um dos gangsters usados pela CIA na Operação Mongoose era na verdade um fiel aliado do dirigente cubano Fidel Castro.
“Realmente”, como escreveu Seymur Hersh, “Kennedy e o seu irmão Bobby não se preocupavam com as questões dos assassínios políticos por motivos éticos, mas sim pela dificuldade de os levar a cabo sem deixar a menor prova do seu envolvimento”.
Os dados relativos à Operação Mongoose aparecem no «Attachment A» (página 00005) do Memorandum for: Executive Secretary, CIA Management Commitee. Subject: «Family Jewels», com a data de 16 de Maio de 1973 (página 00002). No Subject: Johnny Roselli, da página 00012 até à 00016. No artigo de 13 de Janeiro de 1971, publicado no Washington Post, com o título «6 Attempts to Kill Castro Laid to CIA» (página 00018). No Memorandum for: Executive Director-Comptroller. Subject: Roselli, Johnny, com a data de 15 de Fevereiro de 1972 (da página 00039 à 00042). No Memorandum for: Director of Central Intelligence. Subject: Roselli, Johnny, com a data de 9 de Novembro de 1970 (da página 00044 à 00050). No Memorandum for the Record. Subject: General Office of Security Survey, de 11 de Maio de 1973 (da página 00059 à 00061). Na cronologia de acontecimentos desde 9 de Julho de 1970 na página 00284. No artigo publicado a 29 de Maio de 1973 pelo jornal The New York Times intitulado «Chilean Break-Ins Puzzle Watergate Investigators» (página 00322). No Employee Bulletin da CIA, número 359, de 21 de Maio de 1975 (00416, 00416a, 00417), e no Memorandum for: Executive Secretary, CIA Management Commitee. Subject: Potentially Embarassing Agency Activities, com a data de 8 de Maio de 1973 (página 00425).