Muitos historiadores da CIA, como Joseph Trento, Jay Edward Epstein ou Peter Kornbluh, são unânimes ao assinalar o início do Projeto ZR/Rifle em 1960, durante a administração de Eisenhower, para acabar com a vida de Fidel Castro, mas na verdade seria desde 1961, durante a administração do presidente John Kennedy, que o projecto desenvolveria o maior número de operações, ou melhor, de «acções executivas», contra dirigentes políticos estrangeiros com recurso à CIA.
O antigo primeiro-ministro do Congo Patrice Lumumba tinha sido executado pela sua própria gente a 17 de Janeiro de 1961, no âmbito da Operação 5412. Ainda que planificada por Allen Dulles e autorizada por Dwight Eisenhower, foi na realidade o presidente Kennedy quem deu por fim luz verde à acção executiva contra o dirigente africano. Ao que parece, Kennedy tinha sido informado por Eisenhower, durante a transição de poderes, da operação ordenada contra Lumumba. John Kennedy ratificou unicamente uma decisão que já tinha sido aprovada por Eisenhower, deixando a este a responsabilidade da operação secreta no Congo caso acabasse em fiasco.
Mas era evidente que tanto o presidente como o seu irmão Robert Kennedy, procurador-geral dos Estados Unidos, utilizariam o Projecto ZR/Rifle em vários continentes. Allen Dulles não tinha dúvidas de que os irmãos Kennedys seriam muito adeptos dos «assassínios políticos», ou, melhor, das «acções executivas». Isso surpreendeu muito os responsáveis da CIA, que até então pensavam que o recém-eleito John Kennedy era um homem fraco, mais preocupado com as mulheres e a alta sociedade do que com operações secretas, mas não seria assim.
John Kennedy era muito mais duro que o seu antecessor no cargo, o presidente Eisenhower.
Entre Outubro de 1960 e Janeiro de 1961 Eisenhower já tinha definido três dirigentes estrangeiros como alvos a abater: Patrice Lumumba, do Congo, Fidel Castro, de Cuba, e Rafael Leónidas Trujillo, da República Dominicana. O DCI (Director of Central Inteligence) Dulles escolheu Richard Bissell para dirigir esta tarefa.
As eleições de 1960 e os meses de transição entre as administrações de Eisenhower e de Kennedy não detiveram os planos já aprovados. O novo inquilino da Casa Branca já sabia que o assassínio político não era um conceito novo para Eisenhower e também não o seria para ele.
Agora que John Kennedy ocupava a presidência, desde 20 de Janeiro de 1961, justamente três dias depois da execução de Lumumba no Congo, Richard Bissell tornar-se-ia o seu «assessor especial» para este género de operações «altamente voláteis». O agente especialista da CIA era cativante, culto, inteligente e elegante, o que o transformou numa personagem assídua das reuniões da Casa Branca e das festas de família do clã dos Kennedys. Bissell era, segundo o escritor e jornalista Seymur Hersh, o «tubarão branco das reuniões dos Kennedys».
Outra coisa que John Kennedy e o irmão Bobby apreciavam era que Bissell fosse o tipo de agente da CIA que acha que deve sempre manter o presidente dos EUA afastado de qualquer responsabilidade perante uma operação fracassada, de moralidade duvidosa ou simplesmente contrária à carta fundadora da CIA.
Uma semana depois de ocupar a Sala Oval, exactamente a 27 de Janeiro de 1961, John Kennedy telefonou a Bissell para lhe dar novas directrizes. Para todos os membros da comunidade de serviços secretos era evidente que Bissell podia tornar-se o sucessor de Dulles à frente da CIA, assim que este se reformasse. Entre Janeiro e Março, Richard Bissell teve treze encontros «não oficiais» com o presidente na Sala Oval. Ao que parece, numa destas reuniões decidiu-se a invasão de Cuba, ainda que não exista nenhuma prova documental que garanta que em alguma dessas reuniões John Kennedy e Richard Bissell tratassem de assassínios políticos. Este ponto já tinha sido estabelecido por Dwight Eisenhower antes de abandonar a Casa Branca.
Os arquivos da CIA que estão incluídos nos fundos dos National Security Archives de Washington não fazem referência alguma a que Eisenhower tivesse aprovado algum assassínio político, mas o que de facto se tornou público em 1997 foi um documento de vinte e duas páginas intitulado «Estudo Sobre o Assassínio». Ai, Eisenhower deixava muito claras as directrizes que os posteriores presidentes norte-americanos seguiriam para evitar verem-se envolvidos em tarefas semelhantes.
“Jamais se deverá escrever ou gravar qualquer ordem de assassínio”, indicava o primeiro ponto. Noutra página especificavam-se as diferentes formas para assassinar, armas utilizadas para tal fim e conselhos para fazer parecer que um assassínio político é apenas um simples acidente. Portanto, ainda que não exista nenhuma ordem escrita por John Kennedy para levar a cabo assassínios políticos, o certo é que Bissell continuou com os planos já aprovados durante a anterior administração e sem dúvida com a aprovação de Kennedy e do irmão Bobby.
No mesmo mês de Janeiro seria aprovado um projecto «altamente secreto», conhecido como «acção executiva». O nome de código dentro da CIA seria ZR/Rifle. Para o dirigir, Bissell e Dulles recomendaram um dos mais eficazes agentes da instituição: William Harvey.
Baixo, obeso, de voz afónica devido à bebida, Harvey distanciava-se muito da imagem de James Bond, mas para Kennedy era da mesma raça de espiões que Bissell. “Era desses espiões que seriam capazes de se suicidar antes de permitir que a merda pudesse salpicar um presidente dos Estados Unidos“, diria anos depois o próprio Richard Bissell sobre William Harvey.
O novo chefe do Projecto ZR/Rifle era um indivíduo brilhante, fazia análises rápidas de situações complicadas em questão de minutos, não tinha medo algum de dizer o que pensava sobre uma operação ou sobre um superior, ainda que este estivesse à sua frente. O famoso espião era também um homem que podia guardar um segredo e Bissell sabia disso. Tinha lido o relatório da CIA sobre Harvey, redigido em 1947, quando abandonou o FBI para se juntar à CIA.
O nome de William Harvey para dirigir o ZR/Rifle veio de Bissell, mas foi aprovado por John Kennedy e pelo irmão Robert. O presidente gostava da sagacidade do espião; ao fim e ao cabo, foi o único que na década de cinquenta deduziu que Harold Kim Philby era um espião soviético infiltrado no MI6 britânico; foi também o homem que projectou uma das primeiras operações de espionagem da Guerra Fria e um dos maiores êxitos da CIA, quando dirigiu a construção de um túnel debaixo de Berlim Oriental. Neste túnel, os espiões norte-americanos e britânicos puderam durante um longo período de tempo intercetar comunicações diplomáticas e militares dos destacamentos soviéticos estacionados em Berlim com o seu quartel-general em Moscovo.
Estes êxitos não só fizeram com que William Harvey fosse nomeado chefe da Divisão D4 para operações da CIA no estrangeiro, como também que fosse escolhido pela Casa Branca para a delicada tarefa de dirigir o Projecto ZR/Rifle.
Uma manhã, Bissell telefonou para o gabinete de Harvey e deu-lhe a ordem de desenvolver um programa de «acção executiva», com o único fim de assassinar vários dirigentes políticos estrangeiros. Richard Bissell foi muito claro: “A Casa Branca [John Kennedy e o irmão Bobby] ordenou-me a criação de uma estrutura com estas características para realizar este tipo de operações.”
Na manhã seguinte ao encontro com Bissell, Harvey começou a planificar e a recrutar o seu estado-maior para o Projecto ZR/Rifle. Em primeiro lugar arranjou uma entrevista com o famoso Sidney Gottlieb, assessor científico da CIA, responsável do Projeto MKUltra e o único capaz de criar um veneno potente para matar em poucos segundos e fazer que se atribuísse a morte a consequência de uma simples gripe. “Deram-me ordens para formar um grupo especial para assassinar certos alvos e preciso de saber de que forma o senhor me poderá ajudar”, disse Harvey a Gottlieb.
No dia seguinte, após o sim de Gottlieb, William Harvey procurou a colaboração de Arnold Silver, chefe do posto da CIA no Luxemburgo e com quem já havia colaborado. Desse momento em diante Harvey e Silver ocupar-se-iam de recrutar agentes para o ZR/Rifle capazes de matar sem fazer perguntas. Curiosamente, Harvey disse a Silver que todos os encontros com os possíveis operacionais do ZR/Rifle não deveriam ser registados em nenhuma nota ou relatório. “Nenhuma menção ao ZR/Rifle ou à palavra “assassínio” deve aparecer em nenhuma nota”, disse Harvey a Silver.
O primeiro alvo do Projecto ZR/Rifle durante a administração de Eisenhower seria o primeiro-ministro do Congo, Patrice Lumumba. O primeiro alvo do Projecto ZR/Rifle durante a administração de Kennedy seria o presidente da República Dominicana, o ditador Rafael Leónidas Trujillo.
Desde o início de 1961 que os Estados Unidos estavam envolvidos activamente em operações para derrubar Fidel Castro, mas a administração de Kennedy precisava de demonstrar aos restantes países latino-americanos que a nova política da Casa Branca opunha-se aos dirigentes políticos de extrema-direita, pelo que Trujillo era um bom «objectivo» para os homens do ZR/Rifle.
Durante quase três décadas a Política de Washington hesitara entre mantê-lo no poder ou ajudar a derrubá-lo. Os presidentes Truman e Eisenhower preferiram fechar os olhos às constantes denúncias de violações dos direitos humanos por parte de Trujillo, a quem chamavam «Calígula das Caraíbas». Ao fim e ao cabo, o ditador dominicano era uma espécie de corta-fogo do comunismo nessa região.
O presidente Kennedy, ao invés, pensava que se a sua administração não gerisse o derrube do ditador, o país podia cair nas mãos de sectores pró-castristas com forte apoio dos soviéticos, tornando-se um segundo Fulgencio Batista, o ditador derrubado por Castro. Se tal ocorresse, a República Dominicana podia sofrer uma «cubanização», e uma Cuba já era suficiente para John Kennedy e a CIA.
Em Agosto do ano anterior o então presidente Eisenhower já tinha cortado relações com Trujillo, retirando todo o pessoal diplomático, incluindo o chefe do posto da CIA, e fechando a embaixada. O único diplomata que ficou na ilha foi Henry Dearborn, com a missão expressa de coordenar com William Harvey e o Projecto ZR/Rifle uma possível ajuda à oposição. Num momento inicial, John Kennedy e o irmão Robert tentaram que Dearborn convencesse Trujillo a abandonar voluntariamente o poder e a entregar o domínio do país de forma pacífica a um governo de unidade nacional, mas Rafael Leónidas Trujillo não estava disposto a isso.
Dearborn disse então a Harvey que apenas poderia haver uma mudança na República Dominicana caso Trujillo fosse «eliminado». Dearborn chegou até a enviar dois telegramas nesse sentido ao Departamento de Estado. Curiosamente, Henry Dearborn utilizara a palavra «eliminação» nas suas mensagens mas ninguém lhe chamou a atenção.
John Kennedy convocou então uma vez mais Richard Bissell à Sala Oval para tratar do assunto de Trujillo. Ao entrar no gabinete do presidente, Robert Kennedy estava já sentado num cadeirão, mesmo ao lado do irmão.
Bissell foi muito claro com o presidente dos Estados Unidos e com o procurador-geral: “Sugiro fornecer armas e bombas com detonadores electrónicos a forças contrárias a Trujillo.” Antes de tomar uma decisão, Kennedy precisava de gastar todos os cartuchos a tentar que Trujillo abandonasse o poder. A Casa Branca enviou então Robert Murphy, antigo funcionário da administração de Eisenhower, à ilha caribenha. O ditador recebeu Murphy com a única condição de arranjar um encontro cara a cara com o próprio presidente dos Estados Unidos da América.
Em Maio de 1961 John Kennedy, sem o conhecimento da CIA, efectuou uma nova tentativa para convencer Trujillo. Para tal, o presidente telefonou ao seu amigo, o senador pela Florida George Smathers, e pediu-lhe para viajar até à República Dominicana com o objectivo de negociar uma saída honrosa para Trujillo. O ditador voltou a negar-se a abandonar o poder, pelo que desta vez a bola estava do lado de Richard Bissell, William Harvey e do Projecto ZR/Rifle.
No mês de Abril, Bissell, com a autorização da Casa Branca, deu ordens a Harvey para fornecer armas a um certo grupo contrário a Trujillo. Assim que isto acontecesse, devia manter os homens do ZR/Rifle fora de cena, até Trujillo ser eliminado.
Os cabecilhas do grupo anti-Trujillo eram vários membros da influente família dominicana dos De la Maza. Um deles, o jovem piloto Tavio de la Maza, fora testemunha do sequestro e posterior assassínio de Jesús Galíndez, professor de Direito Internacional da Universidade de Columbia. Tavio tinha ajudado a levar Galíndez drogado para a República Dominicana, onde foi executado.
Para apagar qualquer marca da sua implicação no sequestro e assassínio do professor espanhol, Trujillo obrigou Tavio de la Maza a «suicidar-se» enquanto estava detido na sede dos serviços secretos. Isto transformou os membros da família dos De la Maza em autênticos anti-trujillistas. A CIA, por via dos operativos do ZR/Rifle, entregou a vários membros da família e a alguns amigos metralhadoras e granadas de mão.
A 5 de Maio o presidente Kennedy convocou uma reunião urgente do Conselho de Segurança Nacional para informar oficialmente os seus membros que os Estados Unidos tinham iniciado uma operação para pôr fim ao governo do ditador dominicano Rafael Leónidas Trujillo.
A 30 de Maio de 1961, quando o ditador se deslocava no seu veículo oficial pelos arrabaldes da capital com o motorista Zacarias de la Cruz, sofreu uma emboscada. Os assaltantes, armados com metralhadoras M-1 norte-americanas, abriram fogo. A comitiva presidencial teria podido escapar, mas Trujillo deu ordens ao motorista para parar e retaliar. Trujillo morreria crivado de balas dentro do carro, mas nessa mesma noite, ao circular a notícia do magnicídio, o filho mais velho do ditador, Rafael Leónidas Trujillo Martinez, regressaria ao país para chefiar o novo governo que dirigiria com a mesma mão de ferro com que o pai governou. O novo ditador Trujillo teria somente tempo para prender e executar os responsáveis pela morte do pai, e pouco mais. Pressionado por Washington, Trujillo filho partiria em Dezembro desse mesmo ano rumo ao exílio. Tinha caído o segundo alvo do ZR/Rifle.
Em meados de 1961 Allen Dulles, director da CIA, declararia: “O Iraque é o lugar mais perigoso do mundo e continuará a sê-lo durante décadas»; de seguida recomendou ao presidente Kennedy que deviam fazer alguma coisa para «tirar do caminho» o general Abdul Karim Kasem, o homem-forte do Iraque. O terceiro alvo do Projecto ZR/Rifle acabava de ser escolhido.
Kasem subira ao poder após um sangrento golpe de Estado contra a família real, mas em vez de procurar uma aliança com Washington, Kasem virou-se para a União Soviética, legalizando o Partido Comunista iraquiano. Da tarefa foi incumbido Richard Bissell e este, por seu lado, delegou-a em William Harvey e no seu ZR/Rifle. O plano para acabar com Kasem era pedir a Sidney Gottlieb que inventasse um veneno potente para infectar um lenço de seda.
Depois, o lenço seria enviado por correio especial para o Iraque, via posto da CIA em Nova Deli, e seria levado de alguma forma ao militar iraquiano. A ideia era que Kasem, ao cheirar o lenço, aspirasse o veneno lá depositado, o que lhe provocaria a morte numa questão de horas. O certo é que não há dados sobre se o lenço chegou às mãos do general Abdul Karim Kasem, mas é de facto certo que, se tivesse chegado, ele morreria.
Dois anos depois a CIA coordenaria um golpe de Estado contra o general Abdul Karim Kasem com a ajuda de um político em ascensão chamado Saddam Hussein. Na noite de 10 de Fevereiro de 1963 o militar derrubado morreria fuzilado.
Durante os anos seguintes o Projecto ZR/Rifle continuou activo e operacional com o único objectivo de matar o dirigente cubano Fidel Castro. John Kennedy e, em especial, o seu irmão Robert chegavam quase à paranóia no seu afã de acabar com a vida de Castro ordenando operações secretas à CIA, que iam desde uma invasão da Baía dos Porcos à criação de todo o tipo de venenos e utensílios para matar o dirigente cubano. A operação Zapata (Baía dos Porcos) ou a Operação Mongoose (tentativas de assassínio) foram algumas das iniciativas dos irmãos Kennedys.
Mas como disse um dia o jornalista do New York Times Seymur Hersh, “o legado de JFK como trigésimo quinto presidente dos EUA não foi o mito de Camelot ou a trágica imagem de um jovem e atraente estadista assassinado no apogeu da carreira. Foi a Guerra do Vietname, uma contenda que no decénio após a sua morte custaria milhares de vidas de jovens norte-americanos aos quais ele [Kennedy] tinha servido de guia, empurrando muitos até à beira da insurreição”.
Certamente, dentro desta política um dos legados de John Kennedy seria a sua responsabilidade e a da CIA no derrube e posterior assassínio do presidente do Vietname do Sul, Ngo Dinh Diem, no âmbito do Projecto ZR/Rifle, a 2 de Novembro de 1963.
O ditador e presidente do Vietname do Sul tinha chegado ao poder em 1954, quando ocupou o cargo de primeiro-ministro. Nos primeiros anos do seu governo, Ngo Dinh Diem contou com o apoio dos sectores mais importantes da sociedade vietnamita: os budistas, os militares, os empresários e inclusive os serviços secretos, mas pouco a pouco foi-se transformando num déspota incompetente.
O que mais incomodava Kennedy era que estavam a ajudar Diem a ganhar uma guerra com grandes meios militares numa situação que era essencialmente uma guerra civil. “Matávamos centenas de pessoas tentando matar um só vietcongue. Era como um elefante a tentar matar uma mosca”, declararia anos depois Michael Forrestal, membro do Conselho de Segurança Nacional para assuntos vietnamitas durante os anos de Kennedy.
Ainda que os Estados Unidos tivessem naquele ano 16.500 homens no Vietname, o conflito não preocupava Kennedy, até que na primavera de 1963 tropas sul-vietnamitas dispararam contra um amplo grupo de monges budistas que protestavam a pedir liberdade religiosa. Os soldados, sob o comando de Nhu Dinh Diem, o corrupto irmão do presidente, mataram nove monges a sangue-frio.
Nhu estava também à frente do aparelho repressor do Estado: os serviços secretos. Desta posição convenceu o irmão Ngo a acabar de uma vez por todas com a oposição budista.
A chamada de atenção ao povo norte-americano chegou quando um monge se imolou no centro de Saigão enquanto Malcolm Brown, fotógrafo da Associated Press, fotografava a cena. A imagem daria a volta ao mundo. A visão de um religioso coberto por um grande manto de fogo horrorizou o povo norte-americano e a Casa Branca. A situação para o presidente Ngo Dinh Diem não melhorou quando a esposa, a quem chamavam «Dragon Lady» (Senhora Dragão), definiu o acontecimento perante a Imprensa estrangeira acreditada no Vietname como «um churrasco de fim de semana». Nesse momento, John Kennedy aprovou um golpe de Estado contra o presidente do Vietname do Sul numa reunião na Sala Oval a que assistiram, entre outros, o irmão Robert e o director da CIA, John McCone. Para o presidente Kennedy aquilo implicava uma traição a um velho amigo, mas para McCone implicava cortar pela raiz o problema vietnamita.
A relação entre John Kennedy e Ngo Dinh Diem vinha desde 1950, quando o dirigente vietnamita se viu obrigado a exilar-se depois de ser condenado à morte por Ho Chi Minh, chefe do Vietname do Norte. Diem encontrou refúgio num seminário num bairro residencial de Nova Iorque. Ai tornar-se-ia amigo de homens influentes, como Henry Luce, editor da revista Time, o historiador de Harvard Arthur Schlesinger, ou Joseph Kennedy e o filho, senador pelo Massachusetts e futuro presidente dos Estados Unidos da América, John Kennedy. Ngo Dinh Diem dedicou-se a angariar fundos para a Associação de Amigos Norte-Americanos do Vietname. John Kennedy foi o porta-voz oficial. Agora, treze anos depois, dava autorização à CIA para o seu derrube e posterior «liquidação».
No fim do mês de Outubro de 1963 o embaixador norte-americano em Saigão, Henry Cabot Lodge, convocou uma reunião secreta com o general Doung van Minh, chefe do Exército sul-vietnamita. Nesse encontro Lodge garantiu a Minh que Washington não veria com maus olhos o derrube do presidente Diem, assim como a sua «liquidação». Era evidente que para John F. Kennedy, para o irmão Robert e para o próprio McCone era preferível que o assassínio de Ngo Dinh Diem fosse levado a cabo por vietnamitas e não por agentes norte-americanos.
A 2 de Novembro o golpe de Estado triunfou. Ngo Dinh Diem e o irmão Nhu foram capturados quando estavam escondidos dentro de um armário numa igreja do centro de Saigão. Foram ambos retirados à força do esconderijo, taparam-se-lhes os olhos e foram levados para um quartel de uma divisão blindada. Assim que se encontraram dentro do quartel, Nhu gritou aos oficiais, a quem chamou cobardes e traidores. O chefe do regimento pegou numa baioneta e apunhalou-o umas vinte vezes, ainda que, curiosamente, não o matasse. Nesse momento o oficial pegou na sua arma regulamentar, encostou-a à testa do que tinha sido até então o maior repressor do Vietname do Sul e disparou. Outro general presente pegou na sua arma, apoiou-a na nuca do presidente deposto e executou-o com dois tiros.
Embora alguns garantissem que os dois irmãos se negaram a receber protecção norte-americana, certo é que justamente quando começou o golpe, na manhã de 1 de Novembro, o presidente sul-vietnamita telefonou com urgência ao embaixador Lodge para lhe pedir ajuda, mas o diplomata, seguindo ordens expressas da Casa Branca, respondeu que “os Estados Unidos não podiam meter-se na política interna de um país amigo”. Deste modo, John Kennedy, Robert Kennedy e John McCone lavavam as mãos do assunto.
Lucien Conein, agente da CIA em Saigão, declarou em 1975 perante a Comissão Church: “Servi como intermediário entre o embaixador Lodge e os militares conjurados. No início de Outubro de 1963 o general Minh disse-me que executariam o presidente Ngo Dinh Diem e o irmão Nhu. Respondi-lhe que, se o fizesse, podia ter sérios problemas com os Estados Unidos, mas o que me surpreendeu foi que ele [Minh] respondeu que Washington estava a par e aprovava.”
O que parece evidente para muitos analistas especialistas no conflito vietnamita é que o derrube e o assassínio do presidente Ngo Dinh Diem pôs fim a uma guerra vietnamita mas desencadeou um conflito norte-americano. John McCone, director da CIA naqueles anos, avisou o presidente John Kennedy de que aquilo podia acontecer, mas o jovem inquilino da Casa Branca preferiu não ouvir e tomar as suas próprias decisões estratégicas a respeito do Vietname, baseando-se nos maus conselhos dados pelo irmão Robert.
Anos depois, o analista do Pentágono Daniel Ellsberg contou a Seymur Hersh a seguinte história: “Edward Lansdale [agente da CIA no Vietname] falou-me das operações secretas levadas a cabo pela CIA nas Filipinas e no Vietname. Lansdale contou-me um episódio com Robert McNamara [secretário da Defesa de John Kennedy]. Um dia McNamara telefonou-lhe dizendo que tinha de o acompanhar a uma reunião na Casa Branca. A reunião era com o presidente Kennedy.” Durante a reunião Kennedy perguntou a Lansdale se aceitaria ir ao Vietname a fim de convencer Diem a separar-se do irmão Nhu. John Kennedy e Robert McNamara culpavam Nhu pela crise política que se vivia no Vietname do Sul. O agente da CIA respondeu afirmativamente. Nesse momento Kennedy perguntou-lhe: “Se não conseguir levar a cabo a missão ou se eu mudar de opinião e decidir livrar-me de Diem, você fá-lo-ia?”
Lansdale, muito sereno, respondeu: “Não, senhor presidente. Não poderia fazê-lo. Diem é meu amigo e eu não poderia fazer isso”. John Kennedy deu por terminada a reunião.
No percurso de regresso ao Pentágono, McNamara estava furioso. “Não se pode falar assim ao presidente. Quando o presidente quer que faças alguma coisa, tu não lhe dizes que não o vais fazer”, recriminou-o McNamara. Nos dias seguintes, o secretário da Defesa cortou qualquer comunicação com Lansdale, até que este abandonou o Pentágono um mês depois da sua recusa a Kennedy. “Quando estava a empacotar as minhas coisas no meu gabinete do Pentágono, percebi que tinham assassinado o presidente Ngo Dinh Diem.”
Ellsberg comunicou a Hersh que “Edward Lansdale não me disse que o presidente John Kennedy lhe ordenara “matar”, “assassinar” ou “liquidar” Diem de forma literal, mas que tinha a certeza de que [Kennedy] se referia concretamente a isso”.
Certo é que John Kennedy, como disse Hersh, riscara o presidente Diem da sua lista de «privilegiados» e toda a gente em Saigão o sabia, incluindo os próprios inimigos políticos de Ngo Dinh Diem.
Durante os anos seguintes e até à chegada de Richard Nixon à Casa Branca, o ZR/Rifle transformou-se num programa de assassínios selectivos no Vietname, por via do programa Phoenix, entre Janeiro de 1968 e Agosto de 1971. A última operação conhecida do Projecto ZR/Rifle aconteceria em 1970.
Naquele ano os políticos chilenos de direita viviam com pânico absoluto a possível chegada ao poder do marxista Salvador Allende, depois de vencer as eleições de 1970. O general René Schneider, nessa altura comandante-chefe do Exército chileno, garantiu que a instituição militar que dirigia ocupar-se-ia de garantir a estabilidade democrática. “O nosso dever como instituição é dar uma oportunidade ao novo presidente [Allende] e acatar as decisões do Congresso nesse sentido”, disse Schneider.
Nascido em 1913, Schneider ascendera ao grau de general apenas dois anos antes. “O general era conhecido entre os amigos pela sua simplicidade, bom humor e respeito pelas liberdades”, chegou a dizer dele o também general assassinado e companheiro de armas Carlos Prats. A 27 de Outubro de 1969 o presidente Eduardo Frei Montalva tinha nomeado Schneider como comandante-chefe do Exército. O seu discurso no momento de assumir o cargo mostrava a complexa situação que a instituição castrense vivia.
Era evidente que Schneider teria de enfrentar uma situação delicada: problemas de disciplina, remunerações baixas, aquisições fraudulentas, pobre infraestrutura militar e baixas prestações sociais para o pessoal militar. Tudo isto provocava autênticas desestabilizações dentro da instituição, mas acima de tudo Schneider tentou transmitir ao Exército o seu estrito respeito pelas leis e pela Constituição, mantendo a sua posição absolutamente apolítica.
Em 1970 o possível triunfo eleitoral de Salvador Allende era extremamente polémico, sobretudo para alguns militares chilenos, devido à ideologia marxista do candidato. Em resposta a todos os chamamentos do público para que os militares se preparassem para intervir no processo eleitoral e evitar com isso a eleição de Allende, Schneider declarou numa entrevista concedida ao jornal El Mercúrio de Santiago a 7 de Maio de 1970: “O Exército é garantia de eleições normais, de que quem seja eleito pelo povo assuma a presidência da República, em maioria absoluta, ou pelo Congresso pleno, no caso de nenhum dos candidatos obter mais de 50% dos votos […]. A nossa doutrina e missão é de apoio e respeito pela Constituição política do Estado.” Na quinta-feira, 22 de Outubro de 1970, quando o general Schneider se dirigia a bordo do carro oficial ao quartel-general do Exército em Santiago, três veículos puseram-se à frente e tentaram sequestrar o militar à mão armada. Schneider tentou resistir, mas um dos membros do comando designado «Pátria e Liberdade» sacou da arma e disparou três vezes na direcção da cabeça. Schneider não morreu no acto, mas sim três dias depois no hospital militar.
O assassínio do general René Schneider apenas procurava evitar a eleição de Salvador Allende como presidente da República, enquanto a esquerda chilena insistia que o assassínio tinha sido perpetrado por pessoas treinadas pela CIA. Aniceto Rodriguez, secretário-geral do Partido Socialista e membro da coligação pró-Allende, insistia em declarar que “a CIA é a autora moral deste crime. Este género de crime nunca antes tinha sido cometido no Chile“.
Uma semana depois do assassínio, o antigo general Roberto Viaux, caudilho de uma rebelião militar em 1969 e com importantes ligações à extrema-direita, foi detido devido a este crime, assim como mais uma dezena de cúmplices, todos eles militares. Viaux foi pouco depois enviado para o exílio no Paraguai.
Em 1975 a Comissão Especial do Senado para Actividades de Informação informou que o assassínio do general Schneider fazia parte de um golpe planeado por funcionários e oficiais norte-americanos que ou deram cobertura ou participaram. Nesse mesmo ano o New York Times informava que a CIA participara activamente em dois golpes contra o governo do Chile em 1970, incluindo o assassínio de Schneider. O jornal, citando fontes da CIA, garantia que a ordem de acabar com a vida do militar chileno chegou directamente do próprio presidente Richard Nixon, como “o último trunfo ou um último esforço para evitar que Salvador Allende chegasse à presidência do país”. Segundo parece, Nixon emitiu a ordem para se acabar com a vida do militar chileno numa reunião secreta realizada na Sala Oval a 15 de Setembro de 1970. Assistiram à reunião Henry Kissinger, conselheiro de Segurança Nacional do presidente; John Mitchell, procurador-geral dos EUA; Richard Helms, director da CIA, e Thomas Karamessines, subdirector de Operações Secretas da CIA. “Nixon estava deveras afectado, muito ansioso com a chegada de Allende ao poder, e desejava evitá-lo a todo o custo”, relata o escritor Thomas Powers na sua biografia do antigo director da CIA Richard Helms, intitulada «The Man Who Kept the Secrets: Richard Helms and the CIA».
Os alarmes soaram na Casa Branca e em Langley quando começaram a chegar relatórios preocupantes sobre o que poderia acontecer no Chile se o marxista Allende vencesse as eleições. Os telegramas tinham a assinatura de Harold Geneen, da ITT, de Donald Kendall, da PepsiCo, velho amigo de Nixon, e inclusive do próprio Edward Korry, embaixador norte-americano no Chile. Aparentemente, Geneen telefonou ao amigo McCone, antigo director da CIA durante os anos de Kennedy, e perguntou-lhe sobre a posição que Richard Helms tomaria quanto à chamada «questão chilena». “Helms, ao mais puro estilo de Helms“, escreveu Powers, “preferiu esperar para ver antes qual a reacção da Casa Branca.”
Mas a CIA tinha já adoptado o seu próprio plano de acção. Karamessines tinha formado um grupo especial, chamado Chile Task Force, sob o comando do agente da CIA David Phillips, que vinha do posto do Brasil. Phillips e Henry Heckscher, chefe do posto da CIA em Santiago, coordenariam todas as acções e operações secretas da instituição no Chile. Desta forma Helms e Karamessines tentavam não perder o comando e evitar que agentes «livres» da CIA pudessem intervir em operações mal feitas.
Roberto Viaux, chefe do grupo que assassinou Schneider, tinha mantido contactos próximos com dois agentes da CIA, Hal Hendrix e Roberto Berrellez, que estavam destacados como funcionários de segurança nos escritórios da ITT em Santiago, sem autorização directa de Langley.
Por outro lado, Edward Korry, mais preocupado com as directrizes da Casa Branca e do Departamento de Estado do que com as de Langley, escreveu um telegrama urgente onde garantia: “Os nossos homens [CIA] andam a manter relações próximas com sectores militares perigosos [Viaux] que poderão desembocar numa intervenção militar. Já disse várias vezes e continuo a dizer que esta situação entre a nossa gente e os militares chilenos não existe.” A 13 de Outubro o embaixador Korry viajou pessoalmente até Washington e reuniu-se com Kissinger. O diplomata disse ao poderoso conselheiro de Nixon: “Se os Estados Unidos apoiarem um golpe militar no Chile, pode ter a certeza de que será uma nova Baía dos Porcos.” Kissinger ouviu a recomendação de Korry e garantiu-lhe que falaria com o presidente Nixon dois dias mais tarde. A 15 de Setembro, na reunião secreta, Nixon aprovou um fluxo de caixa próximo de dez milhões de dólares com o objectivo de promover campanhas contra Allende e o seu governo. Por sua parte, Helms ordenou ao coronel Paul Wimert, adido militar da Embaixada dos Estados Unidos no Chile, que continuasse com os seus contactos «não oficiais» com o grupo dos ex-generais golpistas Roberto Viaux e Camilo Valenzuela. Apesar de o embaixador Korry ter sido muito preciso ao ordenar a todo o pessoal, incluindo Wimert, que não mantivessem contacto de nenhum tipo com os militares rebeldes, a CIA, por via do próprio Wimert, entregou 50.000 dólares a Viaux para a «operação» contra Schneider.
Certo é que nem Richard Nixon nem Henry Kissinger estavam muito satisfeitos com o modo como a CIA tinha conduzido as operações destinadas a evitar a chegada de Salvador Allende ao poder. A Casa Branca em peso queria despedir Richard Helms do cargo de director da CIA pelo fiasco na questão chilena.
A 2 de Fevereiro de 1973 Nixon despediu Richard Helms não só pelo fracasso das operações no Chile, mas também por não o ter ajudado o suficiente na investigação sobre o envolvimento da Casa Branca na questão do Watergate.
Nomeado embaixador no Irão, Richard Helms foi chamado a Washington para prestar declarações perante a Comissão de Relações Internacionais do Senado para se defender das acusações. Durante a audiência, Helms afirmou que a CIA não estava envolvida de modo nenhum no derrube do presidente Salvador Allende. Era óbvio que mentia ao Senado. A 4 de Novembro de 1977 Richard Helms foi considerado culpado de perjúrio e condenado a uma multa de 2000 dólares e a uma sentença de dois anos de prisão, com pena suspensa. O juiz Barrington Parker disse a Helms: “O senhor [Richard Helms] apresenta-se perante este tribunal caído em desgraça e desonrado.” Helms, antigo director da CIA, tornava-se assim uma nova vítima das suas próprias manipulações e das da CIA no Chile. Com Helms cairiam também os responsáveis do Projecto ZR/Rifle.
William Harvey, responsável directo do ZR/Rifle, gostava de anotar tudo, contrariamente ao que o anterior presidente dos EUA, Dwight Eisenhower, tinha recomendado. Estas notas seriam lidas em 1975 perante a Comissão Especial do Senado para Actividades de Informação, também designada Comissão Church, dando assim as primeiras pistas das ordens de assassínio dadas pela Casa Branca de Eisenhower, Kennedy, Johnson e Nixon para matar dirigentes políticos como Lumumba, Trujillo, Castro, o general chileno Schneider ou o presidente sul-vietnamita Ngo Dinh Diem.
Interrogado pelos membros da Comissão Church, Richard Bissell, em vez de negar absolutamente tudo e rejeitar a autenticidade das notas de Harvey, comprometeu John Kennedy no «assassínio político» levado a cabo pela CIA. Por exemplo, Bissell declarou que falou de «acções executivas» com McGeorge Bundy, o poderoso conselheiro de Segurança Nacional de Kennedy, mas para não se prejudicar acrescentou que “a única coisa de que falei com Bundy foi sobre como criar uma estrutura para isso, mais do que sobre um alvo concreto ou uma acção determinada”. Richard Bissell reconheceu também perante a Comissão Church que falou com William Harvey a respeito de Castro, Lumumba e Trujillo: “Eram, nesse momento histórico”, disse, “indivíduos claramente susceptíveis de ser objecto de uma acção com tais características.”
O testemunho de Bissell perante a Comissão Church pôs McGeorge Bundy numa situação comprometedora. O antigo conselheiro de Segurança Nacional de John Kennedy viu-se obrigado a clarificar vários pontos da sua declaração perante a Comissão Rockefeller, já que podia ser acusado de perjúrio.
A 7 de Abril de 1975 Bundy negara ter qualquer conhecimento de “decisões reais para levar a cabo assassínios de dirigentes políticos estrangeiros”. Finalmente, quando Bundy se viu entre a espada e a parede pela declaração de Bissell, solicitou uma reunião à porta fechada com os membros da comissão de investigação.
Após dois dias de declarações por parte do antigo conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca de Kennedy, os membros da Comissão Church acabaram por aceitar o inaceitável. McGeorge Bundy mentia e era evidente que o presidente Kennedy conhecia os conluios da CIA para acabar com a vida de dirigentes políticos estrangeiros. “Bobby [Robert] Kennedy [procurador-geral] também sabia”, chegou a declarar David Belin, director executivo da Comissão de Investigação do Senado. “Bundy e Bissell acabaram com a imagem romântica que o povo norte-americano tinha da Casa Branca de John Kennedy. Bundy reconheceu inclusive que se falou de “assassínios políticos” na Sala Oval e que o pessoal da CIA não tinha actuado sem o conhecimento da máxima autoridade [John Kennedy]”, diria Belin.
Por fim, o antigo confidente de John Kennedy para assuntos de Segurança Nacional reconheceu que, depois de ocupar o cargo, falou com a CIA, mais concretamente com o director de Operações Secretas, para ampliar a estrutura a fim de criar um determinado plano para assassinar vários dirigentes políticos estrangeiros.
A respeito da colaboração da CIA no assassínio do general chileno René Schneider, a Comissão Church, apesar de todas as provas conclusivas, concluiu que:
“Não era clara a linha divisória entre Viaux (não apoiado pela CIA) e Valenzuela (apoiado pela CIA) e que os tribunais chilenos estabeleceram mais tarde essa relação.”
“O grupo falhou duas tentativas de assassínio a 19 e a 20 de Outubro, e conseguiram levá-lo a cabo, o mesmo grupo, a 22 de Outubro, em que feriram Schneider de modo fatal. Segundo o testemunho de Wimert, discutiram-se sempre estas tentativas com Valenzuela, e de facto sugeriu que os dois generais actuavam de modo cooperante.”
“Viaux e Valenzuela tinham contactos regulares com a CIA, e esta foi activamente informada dos seus planos para sequestrar Schneider. A CIA forneceu-lhes uma substancial quantidade de dinheiro como apoio.”
“A CIA, sob o nome Track Two, uma suboperação da Rifle, financiou estes grupos (Viaux e Valenzuela) na tentativa de evitar a chegada de Allende à presidência, mediante um golpe de Estado.”
Também se manifestou que Richard Helms, depois de comprovar os planos de Viaux, determinou que não teria êxito, e que não o apoiariam por ser demasiado prematuro forçar um golpe de Estado no Chile. De igual maneira, Viaux realizou a tentativa de sequestro do general Schneider, “actuando de forma independente da CIA nesse momento”. O grupo golpista encabeçado pelo general Camilo Valenzuela era “um grupo bem conhecido da CIA e considerado capaz de conduzir com êxito um golpe de Estado no futuro”. Forneceram-se ao grupo de Viaux três metralhadoras, munições e várias granadas de gás lacrimogéneo. Estas armas acabaram por não ser usadas e foram devolvidas à CIA.
O chamado Relatório Hinchey sobre as actividades da CIA no Chile assinalou que em Novembro de 1970 “um membro do grupo de Viaux que tinha evitado ser detido entrou em contacto com a CIA e pediu ajuda económica para o grupo. Ainda que a CIA não tivesse obrigação alguma para com este grupo porque actuara por sua conta e risco, num esforço por manter em segredo o contacto prévio com este grupo, e por razões humanitárias, entregou-lhe 35.000 dólares”.
A 10 de Setembro de 2001 os filhos do militar assassinado, René e Raúl Schneider Arce, apresentaram uma reclamação perante um tribunal federal em Washington. Nela foram indicados, pelo apoio dado ao sequestro e assassínio de seu pai, o general Schneider: Henry Kissinger; o ex-director da CIA, Richard Helms; o adido militar norte-americano no Chile em 1970, Paul Wimert; e outros membros da Casa Branca. A defesa de Kissinger afirmou que a sua responsabilidade era “absolutamente política e não legal”. O Supremo Tribunal dos Estados Unidos aceitou essa posição numa decisão polémica, em Abril de 2006. O caso está ainda por resolver.
A CIA criou a denominada Special Task Force W, também chamada ZR/Rifle, dirigida por William Harvey, com o único objectivo de assassinar dirigentes políticos opositores em todo o mundo. O Projecto ZR/Rifle planeou os assassínios do dirigente congolês Patrice Lumumba, de Rafael Leónidas Trujillo, presidente da República Dominicana, do general iraquiano Abdul Karim Kasem, do dirigente egípcio Gamai Abdel Naser, do presidente do Vietname do Sul, Ngo Dinh Diem, do dirigente chinês Chou En-lai, de Che Guevara e de Fidel Castro, como documentou Joseph Trento na sua magnífica história da CIA. E sempre por ordem expressa do presidente dos Estados Unidos.
Quatro presidentes, Eisenhower, Kennedy, Johnson e Nixon, usaram, em algum momento da sua presidência, o programa ZR/Rifle. Acredita-se que a operação contra o Chile que desembocou no assassínio do general René Schneider, a 22 de Outubro de 1970, foi a última operação levada a cabo pela CIA no âmbito do Projecto ZR/Rifle.
Algumas fontes, citadas em vários livros de historiadores, destacam que o Projecto ZR/Rifle terminou realmente a 30 de Outubro de 1962, quando após o fim da «crise dos mísseis» em Cuba o próprio Robert Kennedy despediu William Harvey como responsável do projecto e ordenou o cessar de todas as operações secretas contra Cuba e Fidel Castro.
Outras fontes afirmam, contudo, que, embora o Projecto ZR/Rifle cessasse efectivamente a actividade em Outubro de 1962, Richard Helms, director da CIA durante as administrações de Johnson e Nixon, ressuscitou este projecto em 1970 para realizar operações secretas contra o Chile de Salvador Allende.
Os dados relativos ao Projecto ZR/Rifle aparecem na página 00425 do relatório das «Jóias de Família», no Memorandum for: Executive Secretary, CIA Management Committee. Subject: Potentially Embarassing Agency Activities, com a data de 8 de Maio de 1973, e também na página 00465, no artigo que apareceu no Baltimore News American, com a data de 12 de Abril de 1975, escrito por John P. Roche e com o título «The CIA and Allende».