Não são histórias que nos impressionem positivamente. Mas existe um problema mais importante subjacente às nossas preocupações éticas sobre o modo como as empresas se comportam nestas situações: permitimos que nos deixassem — enquanto médicos prescritores, enquanto doentes, enquanto pessoas que pagam cuidados de Saúde — sem provas inequívocas de comparação entre diferentes tratamentos. Não fazemos ideia de quais são os melhores tratamentos e, por extensão, de quais são prejudiciais. Se morremos porque fomos tratados com o terceiro melhor medicamento, morremos desnecessária e evitavelmente, e temos todo o direito de nos enfurecermos na nossa campa.
Parece simples: necessitamos de realizar mais ensaios depois dos Medicamentos chegarem ao mercado, comparando-os directamente uns com os outros em ensaios um a um. Os cuidados de Saúde são um enorme encargo financeiro que pesa sobre todas as sociedades no mundo inteiro e, na maior parte dos países à excepção dos Estados Unidos, esse fardo é suportado pelo Estado. Se formos tão fracos que não conseguimos forçar as empresas da Indústria Farmacêutica, através dos nossos reguladores, a realizar ensaios significativos, fará sentido que os governos os financiem? Isto parece especialmente sensato quando se tem em conta que o custo de prescrições irracionais é, na maior parte dos casos, muitíssimo mais elevado que o custo da investigação destinada a impedi-las.
Um exemplo claro desta situação é o ensaio Allhat, que se iniciou em 1994 e custou 125 milhões de dólares. O projecto estudava a tensão arterial elevada, uma situação que afecta cerca de um quarto da população adulta, metade da qual medicada para o efeito. O ensaio comparava a clortalidona, um comprimido para a tensão arterial, muito barato e antiquado, com a amlodipina, um medicamento novo muito caro que estava a ser muito amplamente receitado. Sabia-se, de ensaios que os comparavam directamente, que os dois Medicamentos eram igualmente eficazes no controlo da tensão arterial, mas não são esses números que interessam aos doentes: foi necessário um ensaio em que se ministrou a alguns doentes o medicamento antigo, e a alguns o novo, medindo-se depois o número de pessoas que tinham tido ataques cardíacos e que tinham falecido. Quando o Allhat realizou finalmente esta comparação, medindo os desfechos no mundo real que interessam aos doentes, descobriu-se, para surpresa geral, que o medicamento antigo era muito melhor. A poupança alcançada só com este estudo supera em muito o custo do próprio ensaio, embora tivesse sido um enorme projecto: o estudo iniciou-se em 1994, e terminou em 2002 (altura em que o autor do texto acabou a sua formação médica. Tal é referido porque é importante e difícil que os médicos se mantenham actualizados).
Por conseguinte, a investigação de eficácia comparativa, como é chamada, é de importância vital, ainda que só tenha sido adoptada recentemente. Eis um exemplo de como esta jornada tem sido lenta e difícil: em 2008, pouco depois de ter sido eleito presidente, Barack Obama demonstrou perante muitos académicos e médicos que compreendia claramente os problemas profundos dos cuidados de Saúde, ao comprometer-se a gastar mil milhões de dólares em ensaios comparativos um a um de Medicamentos comummente utilizados, a fim de descobrir o melhor. Em troca, foi ridicularizado por críticos de direita que o apelidaram de “anti-indústria”.
Sobre este assunto, e como as pessoas com recursos costumam defender as empresas da Indústria Farmacêutica de críticas merecidas, vale a pena recordar o seguinte: os cuidados de Saúde são uma das áreas onde todos nós, na verdadeira acepção da palavra, estamos no mesmo barco. Se uma pessoa é super-rica, fazendo parte dos mais ricos do mundo, pode comprar praticamente tudo o que deseja. Mas por muito rica que seja, quando adoece, não consegue criar Medicamentos inovadores de um dia para o outro, porque o processo é demorado e requer mais dinheiro do que aquele de que dispõe. E tão-pouco consegue saber os verdadeiros efeitos dos Medicamentos à nossa disposição neste momento, porque ninguém consegue, se eles não tiverem sido adequadamente testados e se alguns resultados dos ensaios tiverem desaparecido pelo caminho. Os médicos mais caros de todo o mundo não sabem mais do que as outras pessoas, pois qualquer pessoa experiente consegue ler com espírito crítico as melhores revisões sistemáticas sobre um determinado fármaco, que efeitos terá sobre a nossa esperança de vida, e não há qualquer forma de contornar este sistema corrompido. Mesmo que a pessoa seja super-rica, mesmo que tenha um rendimento anual de 10 milhões de dólares, está na mesma situação que todas as outras pessoas.
É por isso que a investigação de eficácia comparativa é uma área de importância vital, e, em muitos casos, o valor de descobrir o medicamento mais eficaz entre todos aqueles de que já dispomos excede em muito o valor de desenvolver outros completamente novos. Trata-se de uma área onde é muitíssimo sensato investir mais dinheiro.