Apesar dos EUA e Israel terem tomado a dianteira nas alegações de existirem provas firmes de que o último ataque foi, de facto, perpetrado com armas químicas pelo regime de Assad, justificando assim uma intervenção militar de algum tipo, há questões que permanecem.
A principal prova citada pelos EUA que ligava os ataques aos governo sírio são chamadas telefónicas interceptadas entre outros dados de agências secretas, tendo sido o grosso da matéria providenciado por Israel. “Na última Quarta-Feira, nas horas após o horrível ataque químico a leste de Damasco,” relatou a revista Foreign Policy, “um oficial do Ministério da Defesa sírio trocou comentários em pânico através de chamada telefónica com um líder da unidade de armas químicas, exigindo respostas por causa de um agente químico que teria morto mais de 1000 pessoas.”
Trata-se de algo que dificilmente poderá ser considerado uma prova decisiva da culpabilidade de Assad no ataque – o que daqui se pode concluir é que os oficiais de defesa sírios aparentemente não terão ordenado especificamente um tal ataque, e estariam a tentar investigar se os seus agentes químicos teriam sido os responsáveis.
No próprio ataque, os especialistas são unânimes em afirmar que as chocantes imagens de civis, incluindo as de crianças, que sofrem os efeitos de algum tipo de ataque químico, é real – mas permanecem divididos se terá envolvido armamento químico de grau militar associado ao arsenal de Assad, ou uma mistura mais amadora potencialmente ligada aos rebeldes.
Muitos especialistas independentes em armas químicas apontam para a insuficiência de provas que permitam tirar conclusões firmes. Steve Johnson, um especialista em explosivos químicos no Cranfield Forensic Institute, apontou para inconsistências nas imagens de vídeo e para os sintomas exibidos pelas vítimas, levantando questões sobre a natureza dos agentes utilizados. Apesar do trauma no sistema nervoso ser claro: “Neste momento, andam todos a dar respostas de sim ou não acerca do ataque químico. No entanto, é demasiado cedo para retirar conclusões apenas destes vídeos.”
Dan Kaszeta, um ex-oficial do Corpo Químico do Exército dos EUA afirmou: “Nenhuma das pessoas que estavam a tratar das vítimas ou a fotografá-las estavam a usar qualquer tipo de equipamento de protecção em relação a guerra química, e apesar disso, nenhum deles parece ter ficado prejudicado… Também não existem nenhuns outros sinais que se esperaria ver após o rescaldo de um ataque químico, tais como níveis intermediários de mortes, problemas visuais severos, vómitos e perda de controlo nos intestinos.”
Gwyn Winfield, da revista de armamento químico CBRNe World afirmou ser difícil definir um produto químico específico a partir dos sintomas observados nas imagens, mas sugeriu que poderia tanto ser uma arma química como um agente de controlo de distúrbios: “a falta de munições convencionais sugere tratar-se de munições não-convencionais, ou um RCA (riot control agent) num espaço confinado, mas quem o disparou e do que se tratava, ainda está para ser provado.”
Outros especialistas citados pela agência noticiosa France Press (AFP) concordam com essas avaliações- ou discordando que as imagens tenham provado tratar-se de armamento químico militar, ou observando a inadequação de provas que impliquem um autor específico.
As poucas provas disponíveis no registo público sobre o uso de agentes químicos implica tanto Assad como os rebeldes – não o Exército Livre da Síria como um todo, mas antes facções de militantes jahidistas ligados à Al-Qaeda e subsidiados por apoiantes na Arábia Saudita e Qatar.
Em Março deste ano, um grande ataque na cidade predominantemente Xiita de Khan al-Assal, matou 26 pessoas, incluindo civis e soldados sírios, foi aparentemente cometido por rebeldes “simpatizantes da Al-Qaeda“. Os peritos de armamento norte-americanos suspeitaram que as vítimas foram expostas a agentes “caústicos” tais como o cloro, e não a armas químicas de nível militar. “Tratava-se de um dispositivo químico improvisado”. Como o Telegraph relatou: “Houve intensa experimentação no uso do cloro, por insurgentes no Iraque“.
De facto, em Maio de 2007, a Al-Qaeda no Iraque, tentou uma série de ataques suicidas usando bombas construídas a partir de recipientes de gás de cloro. No ano passado, jihadistas sírios liderados pela afiliada da Al-Qaeda, a Frente al-Nusrah, ligada às forças da Al-Qaeda do Iraque, capturou várias bases militares sírias que tinham armazenados vário mísseis Scud e outros mísseis anti-aéreos, assim como a fábrica de cloro próxima de Allepo.
No entanto, testemunhas das vítimas e também os seus médicos alegaram outros casos de ataques de armas químicas atribuídos pela população local às forças do governo sírio.
Apenas três meses antes do mais recente ataque, no entanto, a ex-promotora geral de crimes de guerra, Carla del Ponte, uma investigadora independente de crimes de guerra das Nações Unidas na Síria, disse ao Channel 4 que provas derivadas de entrevistas com vítimas, médicos e hospitais de campo confirmam que os rebeldes têm usado gás sarin.
“Tenho observado existirem suspeitas concretas se não mesmo provas irrefutáveis de que tem sido usado gás sarin… Tem sido usado pelos rebeldes oposicionistas e não pelas autoridades governamentais.”
De acordo com o Channel 4, “ela não encontrou quaisquer provas de que o regime do presidente Bashar al-Assad tenha usado gás sarin“.
Entretanto, o último relatório das Nações Unidas divulgado em Junho de 2013 confirma diversas alegações de ataques com armas químicas, mas conclui da seguinte forma:
“… não tem sido possível, através das provas disponíveis, determinar com precisão que agentes químicos foram usados, e os seus autores”.
Para complicar ainda mais o assunto, Dave Gavlak, um correspondente veterano do Médio Oriente para a Associated Press, cita entrevistas com “médicos, residentes de Ghouta, combatentes rebeldes e as suas famílias” que acreditam que “certos rebeldes receberam armas químicas através do chefe dos serviços secretos sauditas, o Príncipe Bandar bin Sultan, e foram responsáveis por levar a cabo o ataque químico.” As armas teriam sido dadas por combatentes da al-Nusrah a rebeldes comuns, sem informá-los da sua natureza. “Mais de uma dúzia de rebeldes entrevistados relataram que têm recebido pagamentos do governo saudita.” O relatório de Gavlak vem com a ressalva de que algumas das suas informações “não puderam ser verificadas de forma independente”.
Poderá tratar-se do caso de ter sido contra-informação plantada pelos agentes de Assad em Damasco, tal como aconteceu no massacre de Houla ?
Teremos de esperar pelas descobertas dos inspectores de armas das Nações Unidas para verificar se se pode trazer alguma clareza em relação ao último ataque. Nas palavras da revista Foreign Policy:
“Dado que os inspectores das Nações Unidas com um mandato para investigar se foram usadas armas químicas quando aconteceu o ataque, a decisão de libertar o que parece ter sido um agente químico num subúrbio a leste de Damasco tem intrigado muitos observadores. Porque faria a Síria algo deste género, quando está perfeitamente ciente de que o uso maciço de armamento químico é a única coisa que iria implicar acções militares por parte dos Estados Unidos? Trata-se de uma questão que os analistas dos serviços secretos americanos tentam deslindar. “Não sabemos exactamente porque aconteceu”, afirmou um agente dos serviços secretos. “Apenas sabemos que se tratou de algo terrivelmente estúpido”.
Escrito por:
Dr. Nafeez Ahmed. É um autor de bestsellers, jornalista investigador e estudioso sobre segurança internacional. É director executivo do Instituto para Pesquisa Política e Desenvolvimento, e autor do «Guia do utilizador para a Crise da Civilização: e como Salvá-la», entre outros livros. Também escreve para o jornal The Guardian em geopolítica, ambiente, energia e crises económicas através do seu blog.
Artigo Original: http://www.nafeezahmed.com/2013/08/special-report-syria-intervention-plans.html