Temos assistido aos desabafos de vários técnicos de saúde, que têm utilizado as redes sociais para darem conta de algum cansaço causado pelo volume de trabalho que têm tido nos últimos tempos.
Os técnicos de saúde, ao longo dos anos, o que afirmaram foram queixas (e com razão) acerca das suas precárias condições de trabalho, fracos vencimentos e também a insuficiência do Sistema Nacional de Saúde (SNS) em fazer face ao período de mortalidade mais acentuado do Inverno, tendo estado em ruptura várias vezes nos últimos anos.
Breves referências ao estado do SNS nos anos anteriores:
2007
A gripe levava cerca de 16 mil pessoas por dia ao hospital. Anunciava-se que os médicos estavam a trabalhar sob pressão. [1]
2012
Anunciava-se a pré-ruptura em muitos serviços hospitalares, com os corredores a servirem de abrigo a muitos doentes enquanto as Unidades de Saúde reorganizavam os serviços por falta de camas para internamento. A maior parte teve de abrir vagas noutros serviços e reorganizar a assistência. [2]
2015
O secretário de Estado da Saúde afirmou que alguns hospitais estavam “a atingir os máximos da sua capacidade de resposta” e apelou à população para evitar o congestionamento das urgências hospitalares. [3] Avançou-se com a possibilidade dos hospitais em ruptura puderem desviar doentes para privados. [4] A DGS recordou que é habitual morrerem 12 mil a 13 mil pessoas no Inverno. [5]
Uma equipa de reportagem da TVI registou o caos em muitos hospitais, que continuavam há algum tempo, com doentes internados em macas nos corredores. Referia-se que havia “pessoas a gritar” e agressões a médicos. Tal verificava-se, mesmo após medidas anunciadas pelo Governo. Relatava-se que o Hospital de Chaves parecia um “retrato de outro mundo”, e à semelhança do Hospital Amadora–Sintra, tinha macas espalhadas pelos corredores. No Hospital de Setúbal, havia ambulâncias retidas à espera de maca para libertarem os doentes. Foi assim que alguns pacientes faleceram. [24]
Vários hospitais da região Norte viram aumentada a sua capacidade de resposta com a abertura de mais 145 camas e com horários alargados em 85 Unidades de Saúde. [27]
António Arnaut assumiu um colapso do SNS e fez apelo a Cavaco Silva, então Presidente da República. [25]
A jornalista Ana Leal descreveu estado do serviço de urgência de 15 Unidades de Saúde em Portugal, como sendo de «terceiro mundo»: “Corredores parecem hospitais depois de um Tsunami.” [26]
2016
Noticiava-se que vários hospitais de todo o país estavam à beira da ruptura com tempos de espera na urgência que atingiam as 12 horas, apesar de na altura, ainda se estar longe do pico da gripe. [6] Os médicos falavam em falta de meios. A maioria dos casos foram de idosos com doenças crónicas e doentes com infecções respiratórias. [7] Houve hospitais, que em desespero de causa, tentaram recrutar médicos, oferecendo-lhes verbas avultadas (mil euros por turno). [8] Outra notícia avançava que o caos nas urgências esgotou camas e macas nos hospitais. [9]
2017
Anunciou-se que a Pneumonia era a doença respiratória com maior índice de mortalidade em Portugal. [28] Acrescentou-se que as doenças respiratórias matavam mais de 22 mil por ano em Portugal, [29] tendo subido 25% na última década. [30]
2018
Filipe Froes queixava-se que o SNS estava no limite, apesar de ainda não se ter atingido o pico da gripe. [10] Vários hospitais denunciaram condições de sobrecarga: macas aglomeradas em zonas de recepção e triagem. Enfermeiros a queixarem-se da falta de capacidade — humana e material — para atender os doentes em pleno pico da gripe. Urgências sobrelotadas com dezenas de doentes deitados em macas acumuladas por vários espaços do hospital, etc. [11] António Costa admitiu situações de “ruptura” e “caos” em alguns hospitais devido ao surto de gripe. [12]
Ainda em 2018, Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos, não tinha dúvidas ao afirmar: “Se houver um pico grande, a maioria dos hospitais não está preparada.” [13]
No programa televisivo da RTP, Prós & Contras de 2018, confrontada com um pico de gripe, surge o relato dramático de uma enfermeira, Vanda Veiga, que admitiu emocionada: “tínhamos de escolher quem ia para o ‘canto da morte’.” Segundo esta enfermeira, o SNS está em ruptura há anos. [14]
2019
Foi anunciado que o SNS estava a “cair aos bocados”. [15]
2020
Em Janeiro, ainda antes do alegado aparecimento da pandemia de COVID-19, também se noticiava a que a gripe estaria a conduzir as urgências dos hospitais ao caos. [16]
Em Janeiro de 2020, mais de 15 ambulâncias em simultâneo causaram o caos nas urgências do Hospital de Setúbal. Os profissionais garantiram que não havia macas suficientes para transportar doentes. [17]
Actividade hospitalar comparada com os anos anteriores:
O site da Transparência do SNS fornece números da actividade hospitalar nas suas várias vertentes. Tendo em conta o publicado, com os números de 2020, constata-se uma muito menor actividade ao nível do Internamento, [18] Intervenções Cirúrgicas, [19] Consultas Médicas Hospitalares [20] e Taxa de Ocupação Hospitalar. [21]
Ao nível da actividade de Urgências os dados dizem-nos que a actividade das urgências diminuiu muito em 2020 e continua muito reduzida em 2021, se comparada com os anos anteriores. [22]
Há um serviço que permite um acompanhamento em tempo real do número de pessoas presentes nas urgências dos vários hospitais. Têm sido várias as partilhas pelas redes sociais que têm atestado o reduzido número de casos de urgência. [23]
Conclusão
Não duvidamos de que em Janeiro de 2021 verificou-se um elevado volume de trabalho nos hospitais. Também não duvidamos do cansaço dos técnicos de saúde. O protocolo de segurança a seguir também não facilita e os procedimentos tornam-se todos muito mais demorados, o que contribui.
No entanto, como se pode ver pelas fontes apresentadas, duvido que esse volume de trabalho seja superior ao dos anos anteriores. Os dados sugerem que é inferior.
Não consideramos particularmente deletérios os desabafos dos técnicos de saúde, mas ao surgirem sem recurso a comparações com os anos anteriores, acabam por transmitir a ideia de que nunca houve rupturas no SNS nem falta de condições, ou excesso de trabalho, aos estimados funcionários.
É sempre perigoso oferecer informação sem termo de comparação. Excelente aproveitamento tem feito a Comunicação Social desse recurso falacioso.
Com o advento da alegada pandemia, o passado alterou-se:
– Sintomas de gripe deixaram de ser encarados como tal, criando pânico a quem os manifesta.
– Nunca antes morreram pessoas. Sobretudo de problemas respiratórios.
– As pneumonias, sobretudo quando causam a morte a alguém, nunca foram horríveis! Os raios-X aos seus pulmões nunca apresentaram extensas lesões.
– As pessoas nunca apresentaram sequelas de uma gripe ou de uma pneumonia.
– As pessoas deixaram de falecer da patologia de que padeciam.
– A vida dos técnicos de saúde sempre foi fácil.
– O SNS nunca foi caótico. Os hospitais nunca entraram em ruptura.
Consideramos particularmente insólita a amnésia de muitos dos nossos técnicos de saúde (por quem nutrimos respeito). Mas uma coisa é certa: os incompreendidos de antanho, tornaram-se nos heróis da actualidade. Heróis da Terra Queimada de um Reino que brevemente estará reduzido a cinzas.
PS: Do desgoverno do SNS, sai ileso o governo, que aproveita a falsa pandemia de COVID-19 para se ilibar de responsabilidades, apontando o dedo à plebe que, de bom grado, aceita semelhante ónus a despeito da crescente degradação das suas condições de vida.
Fontes:
[1] «Gripe leva 16 mil por dia ao hospital», Correio da Manhã. 9 de Fevereiro de 2007
[2] «Frio e gripe podem ser responsáveis por pico de mortalidade», RTP Noticias. 26 de Fevereiro de 2012
[4] «Hospitais em rutura podem desviar doentes para privados», Diário de Noticias. 9 de Novembro de 2015
[6] «Hospitais em rutura. Já se espera 12 horas nas urgências», Diário de Noticias. 5 de Janeiro de 2016
[7] «Urgências cheias e a gripe ainda não chegou», Sábado. 8 de Dezembro de 2016
[9] «Caos nas Urgências esgota camas e macas nos hospitais», Correio da Manhã. 30 de Novembro de 2016
[10] «”Por que é que o SNS está de pantanas se a gripe ainda é ligeira”?» Público. 12 de Janeiro de 2018
[12] «Costa admite situações de “caos” nos hospitais e nas escolas» Renascença. 9 de Janeiro de 2018
[13] «Hospitais não estão preparados para pico forte de gripe», Público. 31 de Dezembro de 2018
[15] «Como o Serviço Nacional de Saúde está a cair aos bocados», Visão. 4 de Agosto de 2019
[16] «Gripe alastra e leva o caos às Urgências», Correio da Manhã. 3 de Janeiro de 2020
[18] «Atividade de Internamento Hospitalar», Serviço Nacional de Saúde
[19] «Intervenções Cirúrgicas nos Cuidados de Saúde Hospitalares», Serviço Nacional de Saúde
[20] «Consultas Médicas Hospitalares», Serviço Nacional de Saúde
[21] «Taxa de Ocupação Hospitalar», Serviço Nacional de Saúde
[22] «Monitorização Diária dos Serviços de Urgência», Serviço Nacional de Saúde
[23] «Tempos de Espera do Serviço Nacional de Saúde», Serviço Nacional de Saúde
[24] «Caos nas urgências: há «pessoas a gritar» e agressões a médicos», TVI24. 5 de Fevereiro de 2015
[25] «Colapso do SNS: António Arnaut faz apelo a Cavaco», TVI24. 8 de Abril de 2015
[26] «Urgências:« Corredores parecem hospitais depois de um Tsunami», TVI24. 13 de Abril de 2015
[27] «Mais camas e horários alargados para combater a gripe a Norte», TVI24. 24 de Janeiro de 2015
[29] «Doenças respiratórias matam mais de 22 mil/ano em Portugal», SIC Noticias. 23 de Novembro de 2017
[30] «Mortes por doença respiratória sobem 25% na última década», SIC Noticias. 23 de Novembro de 2017