Alguns sintomas que sempre foram comuns em infecções respiratórias tornaram-se, subitamente, sinónimo de novidade e associação à COVID-19, perante o desconhecimento ou falta de memória de um público que aceitou de chofre estas asserções.
O distúrbio olfactivo (que nos casos mais graves, conduz à perda do olfacto – Anosmia) sempre foi associado às consequências de uma constipação comum, tornando-se um distúrbio relativamente grave e prolongado, sem rino–sinusite. [1]
A gripe e as constipações sempre foram tidas como as causas mais comuns dos distúrbios olfactivos, constituindo uma prevalência de 11% a 40% neste tipo de lesões. [2]
Em 2006, um estudo levado a cabo em San Diego, Califórnia, com mil pacientes consecutivos com perturbações olfactivas, concluiu que estas diferem conforme o sexo e a faixa etária e que podem ter causas diversas. [3] Às mesmas conclusões chegou um estudo realizado num hospital chinês em 2016. [4]
Um estudo longitudinal, que decorreu ao longo de um período de 6 anos (1999–2004), concluiu existir um padrão sazonal nas disfunções olfactivas, que costuma ter o seu pico entre Março e Maio e que os possíveis factores causativos serão os vírus Influeza e Parainfluenza (tipo 3). [5]

Em 2007, os autores de um estudo, verificaram a presença de vários vírus na descarga nasal (coloquialmente: ranho), de pacientes com disfunção olfactiva pós-infecção viral, tais como rinovírus, vírus da Parainfluenza, vírus Epstein–Barr e Coronavírus. [6]
A recuperação destas disfunções nasais é muito demorada e amiúde, não chega a ocorrer. Após vinte e quarto semanas, ainda não se observavam recuperações significativas na maior parte dos pacientes. [6]
A maioria destes e de outros estudos concluem que as mulheres têm uma maior incidência de problemas olfactivos.
Um estudo que analisou pessoas com testes COVID-19 positivos, concluiu que a maior parte dos indivíduos com problemas olfactivos era do género feminino. [7]
Comparação entre a Covid-19 e outras causas
Alguns estudos calcularam o Odds Ratio de perturbações olfactivas em indivíduos com teste positivo à COVID-19, comparadas com outros vírus e causas toxicológicas, concluindo que este tipo de disfunção ocorre mais na COVID-19. [8] No entanto, estes estudos poderão estar amplamente enviesados:
- Viés de confirmação: o foco na COVID-19, altera a neutralidade necessária. quando a gripe ainda era comum, os distúrbios olfactivos não eram confirmados de forma tão prevalente por serem desconsiderados.
- Testes PCR: distúrbio olfactivo pode ter causa diversa e estar associado à COVID-19 devido a um falso positivo obtido no teste;
- Viés de selecção: foco nos testes positivos COVID-19. Desconsiderou-se outras populações;
- Amostras muito reduzidas.
Conclusão
Existe literatura científica considerável no âmbito do estudo da Anosmia e outros distúrbios olfactivos pré-2020. Limitamo-nos a apresentar parcos exemplos. Sempre se trataram de distúrbios com um prevalência algo comum. Deparamo-nos pessoalmente com vários indivíduos que sofrem de Anosmia crónica, contraída há vários anos.
Alguns estudos epidemiológicos comparam os distúrbios olfactivos em pessoas com teste positivo à COVID-19 com os que apresentaram teste negativo, mas padecem de bastantes limitações, causadas quase todas elas pela manipulação da percepção gerada pela situação actual.
A Anosmia e outras disfunções olfactivas foram apresentadas como uma novidade associada à COVID-19, adicionando pontos ao alarmismo produzido.
No entanto, como se pode constatar, não constituem qualquer novidade.
Glossário
Odds Ratio: Razão de Chances ou Razão de Possibilidades é definida como a razão entre a chance de um evento ocorrer num grupo por comparação com outro grupo. Por exemplo, um Odds Ratio de 2 de uma doença com exposição a X em relação à exposição a Y, significa que a doença tem 2 vezes mais probabilidades de ocorrer com exposição a X do que com exposição a Y.
Viés de confirmação: tendência de recordar, interpretar ou pesquisar informações de forma a confirmar crenças ou hipóteses iniciais.
Viés de selecção: quando há diferenças sistemáticas entre os grupos de comparação num estudo.
Fontes:
[1] «An epidemiological study of postviral olfactory disorder», National Library of Medicine. 1998