As medidas aplicadas baseiam-se, em grande parte, na crença de que os assintomáticos desempenham um papel fundamental na propagação da COVID-19. Caso contrário, bastaria monitorizar o surgimento de sintomas. E tornar-se-ia desnecessário confinamentos, máscaras, distanciamento social, procedimentos que aumentam a ineficácia nos serviços de saúde ou, sobretudo, a generalização da testagem de pessoas assintomáticas como meio de diagnóstico.
A comunicação social em geral assumiu esse pressuposto e amplificou-o. Criou-se uma narrativa à volta do perigo dos assintomáticos, implicitamente (ou até explicitamente) considerados “assassinos silenciosos”.
De onde surgiu esta crença de que os assintomáticos são agentes de transmissão?
Historicamente o papel dos assintomáticos na transmissão de infeções respiratórias foi relativizado. A ideia consensual sempre foi de que a transmissão assintomática seria bastante inferior à das pessoas com sintomas.
Anthony Fauci, director do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infeciosas e um dos principais membros da equipa da Casa Branca destacada para a COVID-19 afirmou a 28 de janeiro de 2020: [2]
“O que as pessoas precisam perceber é que, em toda a história de vírus respiratórios de qualquer tipo, mesmo que haja alguma transmissão assintomática, esta nunca foi a propulsora de surtos.”
“Os surtos são sempre conduzidos por pessoas sintomáticas. Mesmo que haja um raro evento da transmissão por uma pessoa assintomática, uma epidemia não é causada por portadores assintomáticos.”
No entanto, dois dias após a declaração de Fauci (a 30 de Janeiro de 2020), surge uma carta dirigida aos editores e publicada no New England Journal of Medicine (NEJM), com um caso de uma transmissão por um (!!!) indivíduo assintomático. [3]
O polémico Fauci, que tem sido muito criticado por alegados conflitos de interesse com a Indústria Farmacêutica, curiosamente, reformulou subitamente toda a sua posição anterior, afirmando: [4]
“Não há dúvidas, depois de ler a carta [do NEJM], que ocorre transmissão assintomática” (…) “Isto esclarece a questão.”
Esta posição, aparentemente definitiva de Fauci, denominado frequentemente como “o maior especialista em doenças infeciosas da América“, atraiu enorme atenção mediática. [5]
No entanto, o citado estudo estava errado! [3]
O estudo foi baseado no suposto contágio a partir de uma mulher de negócios chinesa numa visita à Alemanha. Na carta, os autores do estudo referiam: [3]
“Durante a sua estadia, ela estava bem, sem sinais ou sintomas de infecção, mas adoeceu no voo de volta para a China.”
Essa informação revelou-se falsa.
Como relatado pela revista Science, poucos dias após a publicação da carta, o Instituto Robert Koch (RKI), a agência de saúde pública do governo alemão e a Autoridade de Saúde e Segurança Alimentar do estado da Baviera, contactaram a mulher chinesa depois da publicação do NEJM. [6]
Acontece que a cidadã chinesa apresentava realmente sintomas durante a sua estadia na Alemanha, quando entrou em contacto com o alemão que adoeceu. [6]
Na Alemanha, não foi realizado qualquer teste para confirmar se estava infectada com o vírus. Foi testada para o SARS–CoV–2 na China após o seu retorno da Alemanha e deu positivo. [6]
Como foi possível que uma carta sem qualquer fundamento tivesse sido publicada numa revista científica conceituada?
Os investigadores nunca chegaram sequer a falar com a mulher antes de publicarem o artigo.
O último autor, Michael Hoelscher, do Centro Médico da Universidade Ludwig Maximilian de Munique, afirmou que o documento baseou-se em informações de outros quatro pacientes:
“Eles disseram-nos que a paciente da China não parecia ter qualquer sintoma.”
O virologista Christian Drosten, do Charité University Hospital em Berlim, [7] que fez o trabalho de laboratório para o estudo sendo um dos seus autores, afirmou à Science: [6]
“Sinto-me mal com o que aconteceu mas não acho que alguém tenha tido culpa.” (…) “Aparentemente, a mulher não pôde inicialmente ser contactada e considerou-se que se tratava de algo que deveria ser comunicado rapidamente.”
E foi sobretudo esta a situação que gerou peso mediático suficiente para justificar a crença na transmissibilidade dos assintomáticos, tendo consequências nefastas ao nível das medidas adoptadas e extenso moralismo subjacente (“se não fores responsável, vais matar os teus”).
Este nível de trabalho científico (se é que se pode caracterizá-lo como ciência), tem estado na base de praticamente todas as crenças que foram erigidas relativamente à COVID-19. Várias partes de um corpo mitológico comum.
Este retratamento, não chegou para que Fauci voltasse a alterar a sua posição (que era baseada na extensa história de infecções respiratórias e foi alterada somente por uma carta, entretanto, desmentida) relativamente à questão dos assintomáticos. [4]
Foi-se difundindo e avolumando a crença de que os assintomáticos constituíam grave perigo, pelo que as declarações de Maria Van Kerkhove, chefe da unidade de doenças emergentes da Organização Mundial de Saúde (OMS) a 8 de Junho de 2020, caíram como uma bomba. Van Kerkhove referiu que as transmissões por assintomáticos eram “muito raras”. [8]
“Possuímos muitos relatórios de países que estão a fazer rastreamentos muito detalhados dos contactos com casos assintomáticos, não encontrando transmissões secundárias. Trata-se de algo raro e que ainda não foi publicado na literatura”. [8]
A declaração foi divulgada por toda a comunicação social a nível mundial e provocou fortes reacções. De um lado perplexidade, dadas as medidas adoptadas com base nesse pressuposto, e por outro, críticas. [9] Fauci foi um dos críticos. [10]
Logo no dia seguinte, Van Kerkhove fez uma intervenção para esclarecer as suas declarações, dando a ideia de algum recuo ou retratação em relação ao que havia proferido no dia anterior. Referiu que a sua afirmação de que a transmissão entre assintomáticos era bastante rara baseou-se nalguns estudos e rastreamentos feitos por vários países, mas que tal seria insuficiente para poder afirmá-lo peremptoreamente porque os modelos informáticos estimaram cerca de 40% de transmissões entre assintomáticos. [11]
Comunicou algo fundamental: os estudos no terreno dizem que as transmissões de assintomáticos são “bastante raras”, mas os modelos informáticos, que não são reais e dependem daquilo que neles é inserido, dizem que são significativas (40%).
Muito esclarecedor!
O que dizem os estudos científicos?
Efeito na Transmissão:
Alguns estudos sugerem que os assintomáticos têm um grande impacto na transmissão. No entanto, estes estudos mereceram críticas (algumas reconhecidas pelos autores):
Estudo 1: [12]
- Falta de qualidade geral de revisões sistemáticas. Por exemplo, grande heterogeneidade dos estudos;
Estudo 2: [13]
- Estudo proveniente da China, pouco replicável noutros pontos. Muito controlo no que é publicado naquele país. [16]
- Muita dependência de testes PCR e dos protocolos utilizados (por exemplo, ciclos limite). Produzem número significativo de falsos positivos quando a amostra é grande. [17]
- Grande dependência de modelos matemáticos e das suas pressuposições.
- Retrospetivo e, por isso, baseado em relatos pessoais, dependentes da memória, e como tal, menos fiáveis.
Estudo 3: [14]
- Estudo proveniente da China, pouco replicável noutros pontos. Muito controlo no que é publicado naquele país. [16]
Efeito Moderado na Transmissão:
Um estudo sugeriu um impacto menor, mas ainda estatisticamente significativo. [15] No entanto, também se trata de um estudo retrospectivo.
Efeito Reduzido ou Nulo na Transmissão:
Vários estudos concluíram que a transmissão entre assintomáticos era muito reduzida ou até mesmo nula. [18][19][20][21][22] Alguns destes estudos apresentam boas metodologias, mas outros também não são isentos de algumas críticas.
Um dos estudos, [22] publicado na Nature, escapa à maioria das críticas, por apresentar uma amostra enorme (N = 10 milhões) e a confirmação laboratorial dos infectados. Nesse estudo, a evidência apontou para uma transmissão assintomática residual ou mesmo nula. Algumas outras revisões sistemáticas apontam na mesma direcção. [20]
O que dizem as Agências de Saúde:
OMS:
“Com base no que sabemos actualmente, a transmissão de COVID-19 ocorre principalmente em pessoas quando elas apresentam sintomas (…)” [23]
European Center for Disease Prevention and Control (ECDC)
“As principais incertezas permanecem em relação à (…) dinâmica geral de transmissão da pandemia, devido à evidência limitada sobre a transmissão de casos assintomáticos.” [24]
Conclusão:
Os assintomáticos nunca foram considerados decisivos em epidemias ou pandemias, sobretudo nas respiratórias. Mesmo quando questionou-se esta temática, as evidências científicas demonstraram-no. [25]
Sintomas como a tosse, espirros e corrimento nasal (isolado ou associado a espirros) parecem ser determinantes para a disseminação dos vírus. [1]
Outros pressupostos bem estabelecidos como a sazonalidade ou imunidade adquirida por infecção, foram magicamente esquecidos nesta suposta Pandemia.
A contribuição que o relato de um caso (que nem foi devidamente confirmado) teve na mudança de um paradigma científico com décadas de existência tem tanto de surpreendente como de preocupante. Constitui um sério alerta para a fragilidade do edifício científico actual, que tem vindo a ficar gradualmente mais dependente de interesses económicos.
Modelos informáticos também vieram alimentar a crença. Ultimamente, temos tido sobejos exemplos de como os modelos informáticos, que dependem inteiramente de hipóteses especulativas, podem falhar rotundamente. [26]
Será que foram tomadas medidas com consequências devastadoras baseadas em pressupostos errados?
O ruído associado ao medo e ao alarme gerou uma onda gigante que passa por cima da ciência e do bom senso.
Fontes:
[2] «Dr. Fauci on asymptomatic transmission», Youtube. 28 de Agosto de 2020
[7] Christian Drosten tem estado envolto em polémica, por vários motivos, em relação a toda a questão da COVID-19. Um dos motivos é por ter sido ele a criar o protocolo, muito contestado pela comunidade científica, do teste RT-PCR para a COVID-19. Leiam aqui:
«10 Falhas Fundamentais do Teste para a COVID-19», Paradigmas. 4 de Janeiro de 2021
[8] «WHO Says Covid-19 Asymptomatic Transmission Is ‘Very Rare’», Youtube. 9 de Junho de 2020
[11] «LIVE Q&A with Dr Mike Ryan and Dr Maria Van Kerkhove», Youtube. 9 de Junho de 2020
[13] «Temporal dynamics in viral shedding and transmissibility of COVID-19», Nature. 15 de Abril de 2020
[14] «Presymptomatic Transmission of SARS-CoV-2 – Singapore», PubMed.gov. 10 de Abril de 2020
[15] «Official Journal of the Association of Medical Microbiology and Infectious Disease Canada», JAMMI
[16] «China is tightening its grip on coronavirus research», Nature. 15 de Abril de 2020
[17] «Teste PCR: participação na Pandemia da COVID-19», Paradigmas. 18 de Novembro de 2020
[18] «A study on infectivity of asymptomatic SARS-CoV-2 carriers», PMS. 13 de Maio de 2020
[24] «Transmission of COVID-19», European Centre for Disease Prevention and Control