A Cultura Dissidente

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Dissidência
Dissidência

Apesar de toda a manipulação da opinião pública, a cultura dissidente sobreviveu. Cresceu bastante depois dos anos 60. Em primeiro lugar, na década de 60 a cultura dissidente desenvolveu-se muito lentamente. Só começaram a verificar-se protestos contra a guerra da Indochina muitos anos depois de os Estados Unidos terem começado a bombardear o Vietname do Sul. Quando apareceu, era um movimento dissidente muito pequeno, constituído principalmente por jovens, estudantes ou não. Na década de 70 a situação mudara consideravelmente. Apareceram importantes Movimentos populares: o movimento pelo Meio-Ambiente, o movimento feminista, o movimento antinuclear e outros. Na década de 80, verificou-se mesmo uma ainda maior expansão dos Movimentos de solidariedade, o que era algo de novo e de importante na história da dissidência, pelo menos da norte-americana, mas provavelmente da dissidência mundial. Estes eram Movimentos que não só protestavam como, na realidade, se envolviam, muitas vezes intimamente, na vida de pessoas que sofriam, em qualquer lugar que fosse. Aprenderam muito e tiveram um efeito bastante esclarecedor na corrente cultural dominante nos Estados Unidos. Tudo isto fez uma grande diferença. Quem quer que tenha estado envolvido nesta espécie de actividade durante muitos anos deve ter consciência disso. Eu próprio [Noam Chomsky] sei que o tipo de palestras que faço nos lugares mais reaccionários do país — como a Geórgia central ou o Kentucky rural — são palestras que não poderia ter feito, no auge do movimento pela paz, às mais activas audiências desse movimento. Agora, podem fazer-se em qualquer sítio. As pessoas podem concordar ou não, mas pelo menos percebem de que é que se está a falar e há uma espécie de terreno comum que se pode adoptar.

Contra a Guerra
Contra a Guerra

Tudo isto são sinais do efeito esclarecedor, apesar de toda a propaganda, apesar de todos os esforços para controlar o pensamento e fabricar consentimento. Apesar de tudo, as pessoas estão a adquirir capacidade e vontade de pensar as coisas até ao fim. Cresceu o cepticismo relativamente ao poder e mudaram as atitudes em relação a muitíssimos assuntos. Mesmo não avançando rapidamente, mesmo que possa ser comedida, a mudança é perceptível e importante. Se é suficientemente rápida para fazer uma diferença significativa naquilo que acontece no mundo, é outra questão. Recordemos um exemplo corriqueiro: a famosa diferença entre homens e mulheres. Nos anos 60, as atitudes dos homens e das mulheres eram sensivelmente as mesmas em matérias como as «virtudes marciais» e as “inibições doentias” contra o uso da força militar. Ninguém, fossem homens, fossem mulheres, sofria dessas “inibições doentias” no início da década de 60. As respostas eram as mesmas. Toda a gente pensava que era correcto o uso da violência para suprimir pessoas num qualquer lugar. Com o passar dos anos, a atitude mudou. As “inibições doentias” aumentaram e atingiram todas as classes. Entretanto, porém, foi-se acentuando uma diferença que, hoje, é uma diferença muito substancial. Segundo as estatísticas, algo como uns vinte e cinco por cento. Que aconteceu? O que aconteceu é que existe uma qualquer forma de movimento, pelo menos semi-organizado, em que as mulheres estão envolvidas — o movimento feminista. A organização tem as suas vantagens. Significa que as pessoas descobrem que não estão sozinhas, que há outras pessoas que pensam da mesma maneira. Cada qual pode reforçar as suas ideias e aprender mais sobre aquilo que pensa e em que acredita. Estes Movimentos são informais, não são como uma organização que aceite sócios ou filiados, mas sim uma atitude que implica interacções entre pessoas. Têm um efeito muito perceptível. É o perigo da democracia: se organizações podem desenvolver-se, se as pessoas deixam de estar agarradas ao aparelho de televisão, então todas estas divertidas ideias podem surgir-lhes na cabeça, como “inibições doentias” contra o uso da força militar. Isto tem de ser ultrapassado, mas ainda não o foi.

Fonte: LIVRO «A Manipulação dos Media» de Noam Chomsky

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