Suponhamos, porém, que um jornalista imparcial não se deixou desencorajar pelos inevitáveis discursos e pelo fluxo de difamações, e suponhamos que insiste em conservar os mais elementares truísmos morais. Bem, como eu já disse, se ele assim fizer, a única coisa que lhe resta é ir-se embora, mas suponhamos que, cheio de curiosidade, decide ficar e aprofundar a situação. Então, que é que acontece? Bem, regressemos à pergunta, que é terrorismo? — uma pergunta importante.
Para um jornalista sério, existe um caminho correcto a seguir para encontrar a devida resposta: olhar para as pessoas que declararam a Guerra contra o terrorismo e ver como é que definem terrorismo; é uma atitude correcta. Com efeito, existe uma definição oficial de terrorismo na legislação dos Estados Unidos, nos manuais das forças armadas e não só. A definição é curta. Terrorismo — estou a citar — define-se como «o uso calculado da violência ou a ameaça de violência para atingir fins que são políticos, religiosos ou ideológicos … através da intimidação, da coerção ou provocando o medo». Bem, isto parece simples; tanto quanto me parece, está condizente. No entanto, lemos constantemente que o problema na definição de terrorismo é muito incómodo e complexo e o jornalista pode querer saber porquê; e existe uma resposta.
A definição oficial é inaproveitável. É inaproveitável por duas importantes razões. Primeiro, porque é uma paráfrase muito fechada da política oficial do governo — muito fechada, mesmo. Quando se trata de uma política do governo chama-se-lhe conflito de baixa-intensidade ou contra-terror.
Isto não acontece só com os Estados Unidos. Tanto quanto sei, esta prática é universal. Só como exemplo, recordo que, em meados dos anos 60, a Rand Corporation, a agência de investigação ligada principalmente ao Pentágono, publicou uma colecção de interessantes manuais japoneses de contra-insurreição, elaborados nos anos 30 por causa da invasão japonesa da Manchúria e do Norte da China. Interessei-me pelo assunto e escrevi um artigo em que comparei os manuais de contra-insurreição japoneses com os manuais de contra-insurreição preparados pelos Estados Unidos para o Vietname do Sul e que são praticamente idênticos aos do Japão. Devo dizer que esse artigo não teve grande êxito.
Bem, de qualquer maneira, o terrorismo é uma realidade e, tanto quanto sei, uma realidade universal. Essa é uma razão por que não se pode usar a definição oficial. A outra razão para não o fazer é muito mais simples: ela dá todas as respostas erradas, como para quem é que os terroristas o são. Consequentemente, a definição oficial tem de ser abandonada e é preciso procurar alguma espécie de definição sofisticada que dê as respostas certas, o que não é fácil. É por isso que se ouve dizer que se trata de um assunto muito difícil, que grandes cérebros estão a lutar com ele e assim por diante.
Felizmente, existe uma solução. A solução é definir terrorismo como o que é levado a cabo contra nós, quem quer que nós sejamos. Tanto quanto sei, isto é universal — no jornalismo como nos meios académicos e também penso que é um facto histórico universal; pelo menos, nunca encontrei um país que não seguisse esta prática. Assim, afortunadamente, existe uma saída para o problema. Bem, com esta útil caracterização de terrorismo, podemos então traçar as conclusões que estamos sempre a ler: nomeadamente que nós e os nossos aliados somos as principais vítimas do terrorismo e que o terrorismo é uma arma dos fracos.
Claro que terrorismo, no sentido oficial, é uma arma dos fortes, tal como a maioria das armas, mas é uma arma dos fracos, por definição, uma vez que as pessoas compreendam que «terrorismo» significa simplesmente o terrorismo que é levado a cabo contra nós. Nesse caso, é verdadeira, evidentemente, por definição, a afirmação de que o terrorismo é uma arma dos fracos. E assim, as pessoas que passam o tempo a escrever isso que nós lemos nos jornais e nas revistas, têm razão; é uma tautologia, e por convenção.