Por: Rui Mateus
“Caro Sr. de Larosière
1. Nos dois últimos anos, o défice das operações correntes da balança de pagamentos de Portugal deteriorou-se para um nível claramente insustentável a médio prazo. Esta deterioração constitui, em parte, o reflexo de factores fora do controlo das autoridades portuguesas, incluindo a recessão internacional e as altas taxas de juro no estrangeiro. Outros factores importantes foram também a manutenção de uma taxa de crescimento da procura interna substancialmente mais elevada que nos outros países e a ausência de adequada flexibilidade nas políticas de taxas de juros e cambial. Por último, a balança de pagamentos continuou a ser afectada por sérios problemas estruturais, incluindo a elevada dependência em importações de energia e produtos agrícolas, e uma base de exportações relativamente estreita.
A escalada do défice de operações correntes, que cresceu de um nível equivalente a cerca de 5 por cento do PIB em 1980 para 11 por cento em 1981 e 13 por cento em 1982, resultou num acentuado aumento da dívida externa e do peso do seu serviço, que atingiu 27 por cento das receitas de divisas em 1982. O Governo reconhece que, em especial na presente situação dos mercados internacionais de capitais, a persistência de elevados défices nas operações correntes da balança de pagamentos conduziria a sérias dificuldades de financiamento e a grandes perdas de reservas internacionais do País. Por conseguinte, considera altamente prioritária a redução do défice das operações correntes para US$ 2 mil milhões (9 por cento do PIB) em 1983 e para cerca de US$ 1 mil milhões (6 por cento do PIB) em 1984.”
Qualquer semelhança com a realidade de Portugal em 2013 é pura coincidência. Endereçada ao então director-geral do FMI, Jacques de Larosière, a “Carta de intenções dirigida ao Fundo Monetário Internacional“, datada de 9 de Setembro de 1983, traçava o retrato de um Estado que se debatia com uma profunda deterioração das contas públicas, assinalada pelo agravamento consecutivo do défice das transacções correntes: de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 1980 para 11,5% em 1981 e 13,5% em 1982.
Perante o crescimento galopante da dívida externa e a subsequente dificuldade de Portugal em financiar-se nos mercados internacionais, o “Governo do Bloco Central” (denominação atribuída ao IX Governo Constitucional, 1983-1985, que se baseou num acordo de incidência parlamentar entre o PS do primeiro-ministro Mário Soares e o PSD do vice-primeiro-ministro Carlos Mota Pinto) iniciou um processo de conversações com o FMI que resultou no estabelecimento de um acordo em Setembro de 1983. A troco de um empréstimo no valor de 750 milhões de dólares, Portugal comprometeu-se com a implementação de reduções nos salários da Função Pública, subida dos preços de bens essenciais, desvalorização do escudo, congelamento de investimentos públicos, aumento de impostos e cortes nos subsídios de Natal, entre outras medidas.
O programa de assistência financeira do FMI (o segundo desde a Revolução de 25 de Abril de 1974, apenas quatro anos depois da primeira intervenção em 1977-1979) vigorou entre 1983 e 1984, não sem uma revisão do acordo em Junho de 1984, através da segunda “Carta de intenções dirigida ao Fundo Monetário Internacional“. Entre as novas medidas contratualizadas, destaque para mais cortes no investimento público, redução de salários reais, prossecução da desvalorização do escudo e subida dos preços da electricidade, transportes públicos e abastecimento de água. “O progresso conseguido na execução do programa será revisto com os serviços do Fundo, no 4.° trimestre de 1984, ocasião em que será também discutido o orçamento para 1985″, lê-se na missiva.
No final de 1984, o défice das transacções correntes baixou para 6%. Nesse mesmo ano, porém, as medidas de ajustamento acordadas com o FMI provocaram uma queda do PIB de 1,4%, diminuição dos salários reais em 10%, inflação na ordem dos 30% e taxa de desemprego a rondar os 10%. Números que se traduziram numa grave crise social, por entre despedimentos em massa, falência de empresas e salários em atraso. O que motivou a denúncia pública do então bispo de Setúbal, D. Manuel Martins, sobre as bolsas de pobreza e fome que assolavam aquele distrito. A par de sucessivas manifestações contra o Executivo liderado por Soares e Mota Pinto, nas quais se ergueram bandeiras negras, símbolo internacional da fome, numa época que ficou marcada pela expressão “apertar o cinto”.
Foi neste contexto que, no dia 7 de Dezembro de 1984, ainda sob a vigência do programa de assistência financeira do FMI, a AR aprovou dois projectos de lei: o “Estatuto dos deputados” e o “Estatuto remuneratório dos titulares de cargos públicos”. No dia 20 de Fevereiro de 1985, contudo, o presidente Ramalho Eanes vetou o diploma referente ao “Estatuto remuneratório dos titulares de cargos públicos”. Eanes expressou reservas quanto à “consagração, sem discriminação suficiente dos casos em que a particular dignidade da função o exige, de condições estatutárias especiais que, pelo seu alcance e pela interpretação negativa de que é susceptível, mormente numa particular situação de crise e de dificuldade como a que se vive entre nós, contribua para que, de um modo ou de outro, se crie no país a convicção de que o exercício de funções políticas pode justificar a atribuição aos seus titulares de especiais benefícios, designadamente de natureza pecuniária”.
Em conclusão, “ao exercer o direito de veto político, o Presidente da República pretende que a Assembleia da República, em nova apreciação do diploma, pondere a oportunidade, face às descritas condições de dificuldades nacionais, da consagração dos benefícios constantes do título II do Decreto n.° 116/III (Subvenções dos titulares de cargos políticos), nos termos em que se encontra feita, designadamente, nos artigos 24.°, n.° 1, 25.°, 27.° e 31.°”.
Apesar do veto presidencial, a AR voltou a aprovar o “Estatuto remuneratório dos titulares de cargos públicos”, sem alterações substanciais, a 13 de Março de 1985, com 153 votos a favor (PS, PSD e ASDI) e 58 votos contra (PCP, CDS e UEDS). Antes da votação, o deputado José Luís Nunes, do PS, tomou a palavra para criticar a posição assumida por Ramalho Eanes. “Ao promulgar o seu próprio Estatuto Remuneratório, o Presidente da República reconheceu a moderação com que a Assembleia da República actuara. Ao vetar idênticas disposições no estatuto dos titulares de cargos políticos, Sua Excelência adoptou um critério mais estrito e mais severo do que adoptara quando julgara em causa própria.”
Carlos Brito, deputado do PCP, interpelou José Luís Nunes: “Eu gostaria que Vossa Excelência nos desse alguns exemplos, em relação não às remunerações, pois essa questão foi aqui muito discutida aquando da primeira votação deste diploma, mas em relação às subvenções atribuídas noutros países, onde haja um tratamento tão privilegiado nesta matéria como neste diploma em relação aos deputados e a qualquer membro do Governo português. Dê-nos exemplos disso, pois isso pode ajudar a compreender o exagerado, o inadmissível de muitas das medidas que constam deste diploma, particularmente em matéria das subvenções especiais que aí estão consideradas.”
Ao que José Luís Nunes respondeu da seguinte forma: “Penso que seria errado estar a fazer comparações com os parlamentos de outros países, pois eles são muitíssimo mais ricos e, portanto, assim como um professor catedrático português não vai querer ganhar o que ganha um professor catedrático alemão, também um deputado português não vai querer ganhar o que ganha um deputado alemão.”
Para depois ressalvar: “De qualquer forma, estas condições e estes subsídios não nasceram da cabeça do legislador. Nasceram de estudos feitos do direito comparado. Por exemplo, na Alemanha, é permitido que um deputado, quando abandona o Parlamento, em certas circunstâncias – não sei ao certo o lapso de tempo decorrido, mas ele é curto -, receba um subsídio de reintegração correspondente a dois anos do seu vencimento. O mesmo se passa noutros países da Europa, por exemplo, na Inglaterra, embora aqui esse subsídio, que é de montante astronómico, esteja compensado por uma outra condição que é a de que um cidadão inglês, quando é eleito deputado, tem de deixar o exercício de qualquer profissão que tenha e se tiver acções numa empresa é obrigado a vendê-las.”
– Mas, senhor Deputado, na Alemanha não é bem como diz. Apresente-nos, pois, um exemplo de um país e de um Parlamento onde se verifique uma subvenção vitalícia nas condições em que esta se verificaria em Portugal, isto é, que não atende minimamente à idade, onde a questão da idade não conta. Apresente-me só um exemplo em que haja uma pensão vitalícia nestas circunstâncias! – insistiu Carlos Brito.
– Senhor Deputado, ainda agora lhe dei o exemplo da República Federal da Alemanha, em que basta ser eleito duas vezes para ter esse benefício – contrapôs José Luís Nunes.
– Como pensão vitalícia?
– Vou dizer-lhe o seguinte: há vários pontos em que nós poderemos estar de acordo, sobretudo se discutirmos as questões calmamente, mas há pontos em que nós não podemos estar de acordo. Para o senhor Deputado Carlos Brito, um Parlamento é um progresso importante na luta pela instauração do socialismo. Para nós não é isso, é uma realidade que vale por si! Este é o ponto fundamental. Para Vossa Excelência, o Parlamento é mais uma etapa, para nós é a última etapa. Para Vossa Excelência, o Parlamento é algo que pode existir ou não, conforme as conjunturas da luta Política o impuserem, para nós é uma realidade que tem de existir sempre. Neste sentido, é fundamental que se assegure a independência ao deputado. Um deputado tem de ser um homem que tenha alguma independência e ela não existe fora do conceito de independência económica.
Na mesma reunião plenária, Carlos Brito voltou a intervir para justificar o voto contra do PCP. “A Assembleia da República tem hoje a oportunidade constitucional de corrigir um dos seus mais clamorosos erros dos últimos anos, que consistiu na aprovação do Decreto n.° 116/III (Estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos). Trata-se, como salientámos ao longo do processo legislativo, de um diploma que, criando uma situação de privilégios desmedidos aos membros do Governo e aos deputados, ofende profundamente a maioria do nosso povo que se debate com as maiores dificuldades que lhe são criadas pela Política governamental e da maioria parlamentar, desprestigia por isso mesmo as instituições democráticas e tende a divorciá-las do País.”
Zita Seabra, então deputada do PCP, acrescentou: “Mais escandaloso ainda é que qualquer membro do Governo ou deputado, independentemente da sua idade, ganha direito a esta subvenção vitalícia desde que perfaça oito anos de exercício do cargo. Isto é, um deputado, um secretário de Estado, um ministro, ainda jovens, se quiserem retirar-se da vida pública, levam uma pensão vitalícia de 30.976 escudos com oito anos de mandato, 34.848 com nove anos, 38.720 com dez anos de mandato. Um deputado aos 26 anos pode, por exemplo, ter direito a uma pensão vitalícia quase igual ao salário médio que vigora no País.” Aparente paradoxo: depois de ter sido excluída do PCP em 1988, Zita Seabra voltou ao Parlamento em 2005 como deputada do PSD e é hoje uma das beneficiárias da subvenção vitalícia contra a qual se bateu em 1985.
Carlos Brito apontou no mesmo sentido: “Mas o maior de todos os escândalos é que a subvenção vitalícia mensal é acumulável com outras pensões de aposentação e de reforma e até – isto é um escândalo! – outros vencimentos na actividade privada ou até na função pública, à excepção de uma pequena lista onde constam cargos políticos, cargos remunerados nas autarquias, cargos de embaixador, de gestor público ou dirigente de instituto público, juiz do Tribunal Constitucional e Provedor de Justiça.” Carlos Brito, que se afastou do PCP em 2003 e também é hoje um dos beneficiários da mesma subvenção vitalícia que vituperou em 1985.
Além da subvenção vitalícia, outro alvo de críticas da oposição consistiu no subsídio de reintegração. Novamente pela voz de Carlos Brito: “Um outro privilégio principesco é o subsídio de reintegração que vale para aqueles titulares de cargos políticos que, por não terem oito anos de mandato, não atingiram o direito à subvenção vitalícia mensal. Os membros do Governo, os deputados nestas condições têm direito a um subsídio de reintegração de tantos meses quanto o número de semestres em que tiverem exercido o cargo. Feitas as contas, um membro do Governo ou um deputado que interrompam ou abandonem a actividade nestes cargos cobram direito a um subsídio de 774 contos com quatro anos de mandato, de 968 contos em cinco anos, de 1161 contos em seis anos e de 1452 com sete anos e meio. Resta dizer que os valores destas subvenções e subsídios são permanentemente actualizados para se ter a dimensão deste escândalo em relação às condições em que vive o nosso povo.”
Em jeito de conclusão: “As despropositadas remunerações e as principescas subvenções conduzem, sim, à criação não apenas de uma classe Política, como alguns gostam de se intitular, mas de uma verdadeira casta Política à margem dos problemas, das preocupações, das inquietações, mesmo da insegurança com que se debate a maioria da população, e divorciada das dificuldades e aspirações do povo e do interesse do País. Uma tal casta, ao contrário do que foi dito, será ainda mais facilmente convertível aos interesses dos poderosos e mais sensível aos seus apelos e às suas pressões”, defendeu Carlos Brito.
O veto presidencial foi superado pela segunda votação na AR, a qual confirmou a aprovação – e consequente promulgação – da Lei n.° 4/85 de 9 de Abril (Estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos). Entre os deputados que votaram a favor destacam-se vários casos de actuais beneficiários da subvenção vitalícia. Por exemplo, José Lello e Manuel Alegre, do PS, ou Ângelo Correia, Duarte Lima, Marques Mendes e Pedro Pinto, do PSD. Quanto aos deputados que votaram contra, também há vários casos de actuais beneficiários da subvenção vitalícia. Por exemplo, Carlos Carvalhas, Jerónimo de Sousa, José Magalhães e Odete Santos – além dos anteriormente referidos Carlos Brito e Zita Seabra do PCP, ou Miguel Anacoreta Correia e Narana Coissoró, do CDS.
Os dados relativos às subvenções vitalícias passaram a ser secretos em meados de 2011, pelo que não é possível compilar uma lista exaustiva dos beneficiários e dos valores implicados. Todos os casos apresentados ao longo deste artigo resultam de um trabalho de pesquisa sobre artigos publicados em jornais nacionais que referem nomes de beneficiários das subvenções vitalícias e, em alguns casos, os respectivos valores. Dos nomes já evocados, por exemplo, é possível encontrar referências ao valor das subvenções vitalícias atribuídas a José Lello (2234 €/mês), Manuel Alegre (2000 €/mês), Ângelo Correia (2200 €/ /mês), Duarte Lima (2200€/mês), Marques Mendes (2905€/mês), Carlos Brito (2800€/mês), Carlos Carvalhas (2800 €/mês), Jerónimo de Sousa (2400 €/mês), José Magalhães (2600 €/mês), Odete Santos (3000 €/ /mês), Zita Seabra (3000 €/mês) e Narana Coissoró (2905 €/mês).
A aparente contradição do PCP – que votou contra o “Estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos” em 1985, mas cujos deputados não deixaram de beneficiar das subvenções vitalícias que criticaram com especial incidência – motivou um esclarecimento público em 2011:
“1. O PCP não pode deixar de recordar que foi desde sempre contra a instituição das subvenções vitalícias, tendo assumido e expresso essa posição isoladamente em mais que uma ocasião. Na verdade, foi pela mão de PS e PSD, com o voto contra do PCP, que esta subvenção foi criada.
2. O facto de os eleitos comunistas não prescindirem de acederem a essa subvenção enquanto estiver em vigor, não ilude o facto de ser orientação do PCP a não utilização dessa verba em proveito pessoal e de esta ser colocada ao serviço dos trabalhadores e do povo português, do seu esclarecimento e da sua luta.”
Na composição do Governo do Bloco Central também se contam vários nomes de actuais beneficiários da subvenção mensal vitalícia. Nomeadamente, Álvaro Barreto (ministro da Agricultura, 3400€/mês), Carlos Melancia (ministro do Equipamento Social, 9150 €/mês), Joaquim Ferreira do Amaral (ministro do Comércio e Turismo, 3000 €/ /mês), António Vitorino (secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, 2000 €/mês) ou Manuela Aguiar (secretária de Estado da Emigração, 2800 €/mês), entre outros.
Alguns dos quais acumulam a subvenção vitalícia com o exercício de cargos, ou actividade, no sector privado: Álvaro Barreto é vogal do Conselho de Administração do BCP; Carlos Melancia é empresário hoteleiro, membro não executivo do Concelho de Administração da Lusoponte e vogal do Conselho de Administração da Semapa; e António Vitorino é presidente da Mesa da Assembleia Geral da Novabase e sócio da sociedade de advogados Cuatrecasas, Gonçalves Pereira, entre outros cargos.
Há mais casos de acumulação. Desde logo os já referidos Ângelo Correia (o qual preside aos conselhos de administração do Grupo Fomentinvest e Lusitaniagás), Duarte Lima (advogado especializado em gestão de fortunas), Marques Mendes (advogado na sociedade Abreu Advogados) e Zita Seabra (presidente do Conselho de Administração e directora editorial da Alêtheia Editores). Ao que se acresce o exemplo do ex-ministro e ex-deputado Rui Gomes da Silva, beneficiário de uma subvenção mensal vitalícia no valor de 2100 euros, ao mesmo tempo que prossegue a actividade de sócio fundador da sociedade de advogados Legalworks, em acumulação com os cargos de vice-presidente do Sport Lisboa e Benfica e administrador das empresas Benfica Futebol SAD, Benfica Estádio e Benfica Multimédia.
Não menos relevante é o caso do ex-secretário de Estado e ex-ministro Armando Vara, o qual aufere uma subvenção vitalícia de 2000 euros, em acumulação das funções da presidência do Conselho de Administração da Camargo Corrêa para África, uma filial da cimenteira brasileira que adquiriu a Cimpor em 2012. Quanto a Manuel Dias Loureiro, ex-ministro e ex-membro do Conselho de Estado, tem direito a uma subvenção vitalícia no valor de 1700 euros, ao mesmo tempo que prossegue a actividade empresarial. Por seu lado, o ex-deputado e ex-ministro Jorge Coelho chegou a usufruir de uma subvenção vitalícia de 2400 euros enquanto presidia à Comissão Executiva da Mota-Engil, mas anunciou ter abdicado da subvenção em Outubro de 2011.
O mesmo não se aplica, por exemplo, a Ângelo Correia. Questionado por uma jornalista da Antena 1, no dia 24 de Outubro de 2011, sobre um eventual corte de 14% na subvenção vitalícia de que é beneficiário, Ângelo Correia disse aceitar essa medida, ressalvando, no entanto, que não tenciona abrir mão de um “direito adquirido”.
– Mas dada a situação do País, já pensou em abdicar desta subvenção?
– Os direitos que nós temos são direitos adquiridos legalmente, no sentido em que foi um cumprimento, uma contrapartida perante aquilo que durante 20 anos, como é o caso, as pessoas desempenharam, em muitos casos com dedicação de tempo que lhes comprometeu uma parte da vida profissional – respondeu Ângelo Correia.
O ex-deputado e ex-ministro Luís Mira Amaral também recebe uma subvenção mensal vitalícia, cujo valor se desconhece, ao mesmo tempo que exerce as funções de presidente executivo do Banco BIC Português e vogal do Conselho de Administração da Novabase. Em declarações proferidas no dia 18 de Outubro de 2011, Mira Amaral considerou que as subvenções dos ex-políticos não deveriam sofrer cortes similares ao regime geral e público de pensões. “Que eu saiba, nessas subvenções não existe subsídio de Natal, nem de férias. Nem teria de haver, pela simples razão de, tecnicamente, não serem pensões”, argumentou.
Mira Amaral declarou ainda “não ter conhecimento” de subvenções vitalícias que sejam pagas em mais do que 12 mensalidades. No Orçamento do Estado para 2012, contudo, estipulou-se que “durante a vigência do Programa de Assistência Económica e Financeira é suspenso temporariamente o programa de pagamento de subsídios de férias e de Natal ou quaisquer prestações correspondentes aos 13.° e ou 14.° meses nas pensões acima de 1000 euros”. Esta medida abrangeu as subvenções vitalícias? “No caso dos beneficiárias de subvenções mensais vitalícias […] a medida abrange as prestações que excedam as 12 mensalidades”, lê-se no documento.
Quanto à acumulação das subvenções vitalícias com actividades remuneradas no sector privado, o Orçamento do Estado para 2012 introduziu um limite: a acumulação continua a ser permitida, apesar de tudo, desde que o valor da remuneração privada não exceda 3772,98 euros – isto é, o triplo do valor do Indexante dos Apoios Sociais (IAS), que se cifra em 1257,66 euros. Se o valor da remuneração privada for superior a esse limite, a subvenção vitalícia é reduzida num valor similar ao excedente. “Por exemplo, se um ex-titular de um cargo político receber um vencimento privado superior em 400 euros ao limite de três vezes o IAS, a subvenção mensal vitalícia sofre um corte de 400 euros, igual ao valor que excede.” Na prática, a acumulação persiste e o limite, aliás, não é definitivo, cingindo-se à vigência do Orçamento do Estado para 2012. “Foi o mais longe que se conseguiu ir na altura», realçou João Almeida, deputado do CDS-PP.
No Orçamento do Estado para 2013, porém, as subvenções mensais vitalícias de ex-políticos foram abrangidas pelo disposto no artigo 78.° (Contribuição extraordinária de solidariedade), o qual impõe cortes progressivos entre um mínimo de “3,5% sobre a totalidade das pensões de valor mensal entre 1350€ e 1800€” e um máximo de “40% sobre o montante que ultrapasse 18 vezes o valor do IAS”. É o que se depreende a partir da leitura do ponto 3 do nomeado artigo 78.°: “O disposto nos números anteriores abrange, além das pensões, todas as prestações pecuniárias vitalícias devidas a qualquer título a aposentados, reformados, pré-aposentados ou equiparados com os que não estejam expressamente excluídas por disposição legal.”