El Dorado: em busca da cidade de ouro perdida

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«El Dorado» por Edgar Allan Poe (1849)
«El Dorado» por Edgar Allan Poe (1849)

O lago Guatavita, alegadamente o cenário da Cerimónia do Homem Dourado da tribo Muisca.

«Sobre as montanhas
Da Lua
No fundo do Vale da Sombra,
Cavalga, cavalga sem medo.
A sombra respondeu:
Se procuras o Eldorado!»

«El Dorado» por Edgar Allan Poe (1849)

El Dorado
El Dorado

Uma cidade de riquezas incontáveis escondida nas profundezas do coração da floresta amazónica, um rei mexicano ou Homem Dourado coberto de ouro em pó dos pés à cabeça, uma ideia, a procura de um Santo Graal que está sempre um pouco além do alcance de quem o busca, um destruidor de vidas e um fabricante de Sonhos. O El Dorado tem sido e ainda é todas estas coisas. No Século XVI, os conquistadores espanhóis empreenderam viagens cheias de perigos na esperança de vislumbrarem a fabulosa cidade de ouro e o explorador inglês Sir Walter Raleigh escreveu em 1596 que conhecia a sua localização exacta. Mesmo os exploradores do Século XXI não perderam a esperança de encontrarem um El Dorado físico, talvez nas densas florestas do Peru ou no fundo de um misterioso lago da Colômbia. Todos estes esforços foram em vão? Haverá mesmo um El Dorado ou a cidade só existem mitologia dos povos nativos americanos da Colômbia?

A lenda do Homem Dourado (El Dorado em espanhol) era bem conhecida na Colômbia e no Peru quando os espanhóis lá chegaram, no início do Século XVI. Alguns investigadores acreditam que a lenda foi baseada numa cerimónia levada a cabo por uma tribo isolada chamada Muisca, uma comunidade altamente desenvolvida de artesãos do ouro que viveu a cerca de dois mil e quinhentos metros de altitude nos Andes. Aparentemente, a cerimónia (para a nomeação de um novo rei ou alto sacerdote) tinha lugar no lago de Guatavita, a norte da actual Bogotá. No início do ritual, o novo líder fazia oferendas ao deus do lago, após as quais a tribo construía uma jangada que depois carregavam com incenso e perfumes. O corpo desnudado do novo rei era então coberto com goma balsâmica e polvilhado com ouro em pó. Quando o chefe estava pronto, a tribo colocava-o na jangada, juntamente com uma pilha de ouro e esmeraldas e quatro chefes súbditos que levavam coroas de ouro, pingentes, brincos e outros objectos preciosos. Acompanhada pela música de trompas e flautas, a jangada partia para o meio do lago. Quando a embarcação chegava ao centro, todos se silenciavam e o rei e os seus súbditos deitavam todas as suas riquezas ao lago como oferendas. O novo chefe era então reconhecido como rei e senhor.

John Hemming sublinhou, no seu livro «The Searchfor El Dorado», que no Século XVII era comum entre os membros das tribos que viviam ao longo do rio Orinoco, na Venezuela, untar o todo o corpo com um óleo especial, que servia como protecção contra os mosquitos. Em certos dias festivos as pessoas cobriam o óleo com vários desenhos coloridos. Ainda hoje as tribos do Amazonas pintam os seus corpos com tintas vegetais. Se houvesse uma grande abundância de ouro nessa tribo, seria certamente plausível que fosse utilizado como decoração corporal. Talvez houvesse afinal alguma verdade na lenda do Homem Dourado, mas será esta a origem da história do El Dorado?

Existem, contudo, outros elementos envolvidos no início do El Dorado. Um outro rumor que circulava entre os espanhóis na época da conquista era que um grupo rebelde de guerreiros incas tinha conseguido enganar os conquistadores e escapara para as montanhas da Venezuela. Alegadamente, os rebeldes terão levado consigo grandes quantidades de ouro e pedras preciosas e fundaram um novo império secreto. Havia também várias histórias contadas pelos índios capturados sobre uma terra riquíssima que ficava para lá das montanhas de Quito, a actual capital do Equador, onde as pessoas se passeavam cobertas com ornamentos de ouro. Numa carta escrita em 1542 a Carlos V, rei de Espanha, o conquistador Gonçalo Pizarro refere-se a esta terra como lago El Dorado, talvez como referência às cerimónias do Homem Dourado dos Muisca. Pizarro foi um de vários invasores espanhóis que organizaram expedições em busca da fabulosa cidade perdida. Outro elemento na história do El Dorado é o interesse que os espanhóis tinham pela canela que os incas usavam. Na Europa, as especiarias tinham um grande valor pela sua utilidade na preservação da comida (nos tempos em que não havia refrigeração) e podiam ser obtidos grandes lucros no comércio desses bens.

Os conquistadores descobriram pelos nativos que a especiaria tinha origem em tribos localizadas a leste de Quito. Em Fevereiro de 1541, uma expedição liderada por Gonçalo Pizarro com Francisco de Orellana como seu tenente, composta por duzentos e vinte aventureiros espanhóis e quatro mil índios das montanhas, como carregadores, saiu de Quito em busca de canela e do fabuloso El Dorado. Durante a sua obsessiva busca por estes valiosos bens, Pizarro torturou os índios frequentemente e de forma brutal até que lhe dissessem o que ele queria saber sobre a existência de ouro escondido e árvores de canela. A expedição seguiu ao longo dos rios Coca e Napo, mas em breve escassearam os mantimentos e em pouco tempo mais de metade dos espanhóis e três mil índios haviam perecido. Em Fevereiro de 1542, a expedição separou-se em duas partes e Francisco de Orellana seguiu ao longo do rio Napo, enquanto Pizarro se decidiu por regressar por terra a Quito. A partir do Napo, Orellana e os seus homens acabaram por conseguir chegar ao Amazonas e navegaram toda a sua extensão até ao oceano Atlântico, um feito incrível. Mas nunca encontraram o El Dorado.

El Dorado
El Dorado – O homem dourado

Mas isto não deteve os espanhóis. Motivados pela sua ganância por ouro e especiarias, uma série de aventureiros passou grande parte do Século XVI à procura do vasto tesouro que acreditavam existir em algum lugar escondido das selvas ou montanhas do Equador ou da Colômbia. Em 1568, o rico explorador e conquistador Gonçalo Jimenéz de Quesada recebeu uma comissão do rei Filipe para explorar Llanos, uma vasta extensão de planície tropical situada na Colômbia. Em Dezembro de 1569, a expedição, composta por trezentos espanhóis e mil e quinhentos índios, partiu de Bogotá em busca do El Dorado. Mas a expedição, confrontada com o duro ambiente infestado de mosquitos dos pântanos desolados e as planícies poeirentas, foi um desastre. Três anos mais tarde Quesada regressou a Bogotá acompanhado apenas por sessenta e quatro espanhóis e quatro índios.

O mito original da cerimónia muisca no lago Guatavita, combinado com o lago El Dorado de Gonçalo Pizarro, convenceu muitos exploradores de que a cidade perdida poderia de facto estar localizada perto de um lago. O explorador e cortesão inglês Sir Walter Raleigh lançou-se noutra busca pelo El Dorado em 1595, numa tentativa de recuperar os favores que perdera da rainha Elizabeth I. A sua expedição navegou ao longo do Orinoco durante muitas semanas, mas nada encontraram. Contudo, no seu livro «The Discovery ofthe Large, Rich and Beautiful Empire of Guyana with a Relation to the Great and Golden City of Manoa», Raleigh reclamava que o El Dorado era uma cidade no lago Parima na Guiana (a actual Venezuela). O mapa de Raleigh que mostra a cidade no lago era tão convincente que o mítico lago Parima foi marcado nos mapas da América do Sul durante os cento e cinquenta anos seguintes. Só no início do Século XIX, com o naturalista e explorador alemão Alexander von Humboldt, se conseguiu provar que nem o lago nem a cidade terão existido.

Apesar de o lago Parima ser completamente mítico, nunca houve dúvidas sobre a existência do lago Guatavita. Talvez este fosse, afinal de contas, a localização do El Dorado. Assim que os invasores espanhóis souberam que os Muisca depositavam oferendas preciosas no Guatavita, organizaram imediatamente a drenagem do lago. Um abastado mercador, de seu nome Antonio de Sepúlveda, utilizou uma equipa de trabalho constituída por índios que abriram uma trincheira para drenar o lago em 1562, mas apenas conseguiram baixar ligeiramente o nível das águas. No entanto, Sepúlveda encontrou alguns discos de ouro e algumas esmeraldas na lama da margem do lago. Mesmo assim, o total de objectos preciosos obtidos com a drenagem foi registado como apenas «duzentos e trinta e dois pesos e dez gramas de ouro bom». Outra tentativa de drenar o lago foi feita em 1823 por Don «Pepe» Paris, um proeminente cidadão de Bogotá, que não encontrou quaisquer objectos preciosos. Outros trabalhos de drenagem feitos até meados do Século XX permitiram a descoberta de alguns itens de interesse, mas nada do que seria de se esperar de um lago sagrado onde foram continuadamente depositados bens preciosos. Finalmente, em 1965 o governo colombiano pôs fim nesses projectos, que nessa altura haviam já deixado marcas visíveis no lago, e colocou o lago Guatavita sob protecção nacional.

Em 1969, dois agricultores encontraram um modelo pormenorizado de uma jangada em ouro maciço, com vinte e cinco centímetros de comprimento, numa caverna próxima da cidade de Pasca, perto de Bogotá. A jangada em miniatura continha uma figura real que se sobrepunha a dez servidores, todos trajados com elaborados lenços de cabeça. Este achado foi interpretado por muitos como uma confirmação do ritual muisca no lago Guatavita. De facto, uma jangada quase idêntica foi encontrada na margem do lago Siecha, a sul da aldeia de Guatavita, durante uma tentativa de drenagem em 1856. Esta jangada de ouro acabou por cair nas mãos de um certo Solomon Koppel, que a vendeu ao Museu Imperial de Berlim, de onde desapareceu após o fim da Primeira Guerra Mundial. Estas jangadas provam certamente a existência de uma cerimónia que tinha lugar num lago, apesar de a cultura muisca não só venerar a água como também as montanhas, as estrelas, os planetas e os antepassados. Um facto importante é que a tribo não produzia ouro, mas obtinha-o a partir do comércio com outras tribos. Consequentemente, os seus objectos de ouro são geralmente pequenos e finos, tal como a jangada de ouro que sobreviveu. É pouco provável que os Muisca possuíssem ouro em quantidade suficiente para cobrir todo o corpo do seu chefe ou para atirá-lo em quantidades prodigiosas para o fundo de um lago, durante a cerimónia referida no mito.

Contudo, os exploradores modernos continuam a ser fascinados pela possibilidade de localizar o El Dorado. No ano 2000, o explorador americano Gene Savoy anunciou que tinha descoberto a cidade pré-colombiana perdida de Cajamarquilla, nas profundezas da floresta virgem no lado oriental do Peru. Alguns membros da sua equipa reclamaram que o sítio, que continha templos e cemitérios, poderia tratar-se possivelmente das ruínas do El Dorado. Um jornalista e explorador ítalo-polaco chamado Jacek Palkiewicz não foi tão reticente quando anunciou que a sua expedição tinha localizado o El Dorado no fundo de um lago, num planalto perto do Parque Nacional de Manu, a sudeste de Lima, no Peru. As pesquisas aparentemente ainda decorrem em ambos os casos.

Apesar de mais de quatrocentos e cinquenta anos de buscas, a descoberta da riqueza fabulosa do El Dorado não parece estar mais próxima agora do que para os espanhóis do Século XVI. O próprio termo tornou-se numa metáfora para a busca obstinada por riquezas que estão sempre para lá do nosso alcance, mas constantemente ao virar da próxima esquina. Sem dúvida que ainda existem cidades pré-hispânicas por descobrir na vastidão da floresta amazónica, mas o El Dorado, quer seja um homem dourado ou uma cidade dourada, apenas existe nas mentes de homens obcecados em descobrir o caminho mais rápido para a fortuna.

Fonte: Livro «História Oculta» de Brian Haughton

2 COMENTÁRIOS

  1. Procurar sobre Paititi,uma cidade descoberta há poucos anos com muito ouro e, dizem, ter sido saqueada por Fujimori. Procurar tb o padre Juan Carlos Polentini.

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