Quando o sexto congresso do PS iniciou os seus trabalhos no dia 27 de Junho, sabia-se à partida que Vítor Constâncio iria suceder a Mário Soares. A responsabilidade Política pela enorme derrota do PS nas legislativas em Outubro do ano anterior era essencialmente sua, ao insistir em ser primeiro-ministro do desastroso governo do bloco central. Mas, moral e eticamente, era também dos que cinco anos antes tinham contribuído para a maior crise do partido de sempre e para o lançamento de Ramalho Eanes que, aproveitando-se da sua posição de presidente da República e da impopularidade do governo, apoiaria o aparecimento do Partido Renovador Democrático. Mas, dentro do PS, onde desde o primeiro congresso se instalara a lógica do golpismo, o “ex-secretariado” era a oposição e os “soaristas”, o poder. O que em nada correspondia à realidade, mas servira para criar a convicção, muito antes da eleição presidencial, de que o grupo do “ex-secretariado” iria assumir a liderança do partido. E, embora a emoção bipolarizadora das presidenciais tivesse mobilizado o PS de uma forma inesperada, aguardava-se a denota presidencial para o ajuste de contas adiado desde 1980. Mas Soares surpreenderia tudo e quase todos, deixando “ex-secretariado” e “soaristas” na maior das confusões.
Vítor Constâncio, filiado com o número 58.877, encabeçaria a lista da moção “Política Nova, Renovação do PS” e Jaime Gama, número 41 do PS, punha “O PS em Primeiro Lugar — Modernizar e Unir o PS“. O próprio Mário Soares, inicialmente inclinado para apoiar aqueles que sempre o tinham apoiado, reflectiria profundamente, uma vez que sabia que sem o PS se não realizaria o seu objectivo de reeleição, decidindo enveredar por uma estratégia de divisão de tropas: aconselhou alguns a enfrentar Constâncio e outros a apoiá-lo. Assim, entre os “renovadores” encontravam-se inúmeros “soaristas” fiéis como era o caso de Manuel Alegre e Torres Couto. O indefectível “soarista”, Almeida Santos (filiado número 95.146), apoiaria o seu antigo rival e Soares daria indicações à fundação de Relações Internacionais, de que ainda era presidente, para apoiar logisticamente os candidatos anti-Constâncio. Por seu lado, daria instruções a Menano do Amaral para lhe entregar verbas da conta do “MASP“, que este geria em seu nome, para entregar a Constâncio. Mas a campanha de Jaime Gama, então dirigida por Miranda Calha, beneficiaria de verbas consideráveis daquela fundação. Era fundador do partido e reconhecido no sector histórico como o mais competente para liderar o combate contra o “ex-secretariado”. Tinha-se oposto veementemente à entrada do grupo de Sampaio em 1978 e fora a primeira vítima da tentativa de tomada de poder deste grupo “eanista” em Janeiro de 1980. Mas eu não tinha a menor dúvida de que Soares preferiria ou Jorge Campinos ou Maldonado Gonelha, que também pareciam mostrar inclinação para entrar na corrida. Eu próprio preferia qualquer destes últimos embora, na hora decisiva, apoiasse Jaime Gama e colaborasse para pôr à sua disposição os meios da FRI. Não aceitaria, contudo, subscrever a sua moção nem integrar nenhuma das listas. Assim deixaria de pertencer aos órgãos directivos do partido que fundara, mantendo-me exclusivamente como deputado por Lisboa à Assembleia da República.
Tinha sido acordado que o presidente do PS, António Macedo, embora sem poderes reais seria a figura de proa do partido até e durante o congresso. Eu, pela minha parte, embora não estivesse interessado em continuar à frente das relações internacionais sob Constâncio, tudo faria para que esta transição se fizesse com normalidade do ponto de vista das relações internacionais. Assim, esforçar-me-ia para garantir a presença do maior número de convidados estrangeiros possível e para dar uma imagem de maturidade e de normalidade do PS. O que não seria em vão, dada a representação de partidos de cerca de trinta países. O PS, como sempre, ofereceria um “banquete” aos estrangeiros, que teria lugar no Castelo de São Jorge. Constâncio já tinha sido eleito, mas como os convites eram entregues nas pastas de documentação antes do início dos trabalhos e, como era regra geral, o anfitrião daquele banquete ainda era António Macedo. Mas do PS estariam presentes a direcção cessante, a comissão organizadora do congresso, os secretários-gerais da Juventude Socialista e Mulheres Socialistas, os deputados do PS no Parlamento Europeu, a direcção do grupo parlamentar e dez pessoas a indicar por Constâncio. O novo secretário-geral, que tinha tanto de convencido como de provinciano, achou que deveria ter sido ele o anfitrião e fez-me reparo dessa questão com o seu característico ar de enfado. Eu aproveitaria para lhe dizer que dispensava os seus conselhos e que quem tinha reparos a fazer era eu. Durante as muitas semanas anteriores ao congresso, em que se conhecia a vitória da sua “moção”, nunca me contactara para preparar a transição, embora se soubesse que Jorge Sampaio iria, finalmente, poder dirigir as tão cobiçadas relações internacionais do PS. Mas, fazendo lembrar as Repúblicas das Bananas, Sampaio e Constâncio juntos endereçariam convites pessoais aos meus colaboradores do departamento internacional, na véspera do congresso e, nem por cortesia, lhes passaria pela cabeça falar comigo. Dias depois, contudo, acusariam Mário Soares de ter deixado o partido na penúria e, a mim, de ter levado comigo os dossiers e deixado o departamento sem contactos internacionais. Eu, de facto levaria comigo, as minhas pastas mas não o que fazia parte do partido. Eu fizera exactamente o mesmo que todos sempre fizeram no PS com os seus arquivos pessoais, incluindo Constâncio. Recordo-me aliás de se ter estranhado, em 1981, que tendo sido Constâncio e outros seus colegas de grupo, secretários nacionais do PS com pelouros, não existirem nos seus departamentos pastas comprovativas de trabalho efectuado. Nem sequer “actas” das reuniões do secretariado nacional no conturbado período em que Soares se auto-ausentara da sua direcção. Por outro lado, o partido tinha, em 1986, um considerável património acumulado apesar de ter saído de três eleições [1] e de os apoios partidários internacionais — ao partido — terem deixado de se verificar há muito.
Foi neste conturbado clima que nasceu a Emaudio, sociedade anónima de empreendimentos audio-visuais. No dia 17 de Fevereiro encontrar-me-ia, como combinado, em casa de Mário Soares onde Ivanka Corti era convidada para o almoço. Ali, embora ainda sob a emoção da vitória, Soares explicaria que tinha ideia de aproveitar os recursos de algumas fundações partidárias que lhe eram afectas, para participar na tão falada privatização dos meios de comunicação social e abertura da televisão ao sector privado. Queria primeiro estudar melhor o assunto, mas desde logo pediria à convidada italiana que transmitisse um convite seu a Silvio Berlusconni para vir a Portugal. Este não perderia tempo e chegaria pouco tempo depois a Lisboa, no seu avião pessoal, acompanhado de Ivanka Corti. Estava disposto a associar-se ao grupo do presidente Mário Soares se isso, estou convencido, lhe pudesse trazer mais benefícios do que investimentos. Antes do jantar, no Palácio de Belém, os seus técnicos seriam autorizados a montar ali uma espécie de mini-estúdio de televisão com equipamento, para a altura ultra sofisticado, que trouxera consigo no avião. Depois da refeição demonstraria até altas horas o seu “produto” ao presidente da República e aos seus convidados portugueses, os quais viriam a constituir o grupo Emaudio.
Em reunião que teve lugar na sua casa de campo em Nafarros, Soares reuniria os elementos escolhidos para formar o grupo a quem explicaria os objectivos. O seu filho, que até então vivera numa relativa obscuridade Política. Estivera à frente da editora “Perspectivas & Realidades” e fora acessor jurídico do grupo parlamentar do PS mas, antes da eleição do pai, chegara a contactar-me para lhe arranjar uma bolsa para estudar direito marítimo na Holanda e “qualquer trabalho em instituto de estudos ou fundação ligada com o direito do mar ou com a cooperação com a África ex-portuguesa ou o Brasil” Almeida Santos, a quem competeria a orientação jurídica do projecto, era desde há muito o braço direito de Soares. Bernardino Gomes, que anos antes tinha definido as “regras” para a viabilidade das empresas ligadas ao PS. Carlos Melancia, homem da sua máxima confiança e reconhecido pela sua competência técnica, com boas ligações quer com a igreja quer com o grupo do “ex-secretariado” que então dirigia o partido. Raúl Junqueiro, muito ligado a Melancia e que tinha liderado, no governo e na Assembleia da República, as questões do PS relacionadas com televisão e telecomunicações. Menano do Amaral até então gestor do PS e do MASP, a quem caberia a administração financeira do projecto. João Tito de Morais que tinha sido o homem do PS e da confiança pessoal de Mário Soares na administração da RTP, da ANOP e, então, dirigia a CEIG, a cooperativa que editava e imprimia tudo o que tinha que ver com o partido em matéria de imprensa, incluindo o Acção Socialista e o Portugal Socialista. Era proprietária de um semanário de desporto automóvel, Autosport e outro de música chamado Blitz [2]. Para além disso imprimia comercialmente jornais como o Correio da Manhã, O Independente e partes do Expresso. Eu seria o oitavo elemento escolhido em virtude de deter a presidência da FRI, que assumira por sugestão de Mário Soares após a sua eleição. A Emaudio, que então ainda não tinha sido baptizada, não seria senão uma nova tentativa de realização de um velho sonho do Partido Socialista em geral e de Mário Soares em particular. Após várias tentativas frustradas para ocupar um espaço na comunicação social — área então considerada vital para o sucesso eleitoral do partido e do seu secretário-geral — após a sua “difícil” eleição, Mário Soares, decidira juntar os meios de que dispunha à volta da CEIG, da FRI e do MASP à sua nova imagem presidencial, para realizar o “velho” sonho. O timing não poderia ser melhor, uma vez que a sua imagem saíra reforçada das eleições presidenciais. Por outro lado, com a tangencialidade da vitória e a necessidade de reocupar o espaço perdido para Constâncio no PS, não havia tempo a perder em matéria de estratégia para a reeleição. E o país estava receptivo à privatização dos meios de comunicação social.
Os meios à disposição não seriam tão pequenos como isso. A CEIG era ainda, naquela altura, uma das principais empresas gráficas do nosso país, o grupo “soarista” detinha ainda posições importantes em algumas fundações e empreendimentos da área socialista e, aparentemente, restavam ainda fundos consideráveis angariados para o MASP e que Mário Soares controlava através dos seus tesoureiros. Havia que evitar erros do passado como fora o caso quer de A Luta quer do Portugal Hoje, que teriam sido demasiado subservientes às directivas da direcção do PS e, por isso mesmo, não sobreviveriam apesar dos extraordinários apoios conseguidos. Mário Soares tinha ainda bem presente o que se passara com A Luta anos antes. A fundação Ebert elaborara um longo projecto recomendando que, em vez de A Luta, fosse lançado um jornal diário mais popular, tipo Daily Mirror, que sem perder influência junto de uma grande base de apoio do Partido Socialista também fosse um êxito comercial. Os alemães estavam aliás convencidos que era mais fácil veicular as opiniões da direcção do partido através de um jornal com essas características — as de jornal popular apartidário — do que de um jornal que quisesse imitar o República. A direcção socialista de então, em 1975, achariam a ideia dos alemães um disparate político. O Correio da Manhã não tardaria a aparecer e, nem então, os socialistas aprenderiam, lançando o Portugal Hoje em 1979. Mas, em 1986, Mário Soares estava “vacinado” e queria um grupo de comunicação social nos “moldes” político-comerciais que recusara dez anos antes.
Berlusconi conhecia muito bem a importância de contactos nos centros de poder e logo ali disse estar disposto a associar-se ao grupo “soarista”. Conhecedor das linhas gerais da nossa estratégia, pediu um pré-estudo de viabilidade que prometeu pagar e convidou uma equipa para ir visitar os seus estúdios de Milão. O primeiro estudo apontava para que a nova associação se chamasse Medinvest e seria entregue pela firma Arthur Andersen à fundação de Relações Internacionais no dia 12 de Setembro. João Soares e José Nuno Martins, que colaborara no MASP e Mário Soares chamara para colaborar no projecto, iriam então a Milão, onde produziriam com o apoio dos técnicos e das facilidades de Berlusconi um pequeno filme publicitário que depois seria apresentado na comissão de comunicação social da Assembleia da República. Ao ex-ministro das finanças do primeiro governo constitucional, Henrique Medina Carreira, seria encomendada a elaboração do primeiro projecto de contrato-promessa de sociedade com Berlusconi e o primeiro projecto de estatutos da sociedade anónima que deveria ter dez accionistas. Na previsão de um capital de 100 mil contos, a FRI e a sociedade a indicar por Berlusconi teriam quarenta mil cada e os oito accionistas individuais, dois mil e quinhentos contos cada. No mês de Julho, Raul Junqueiro, João Tito de Morais e eu próprio seríamos convidados de Berlusconi no seu magnífico palácio de Arcore, nos arredores de Milão, visitando depois os seus estúdios de televisão e outros empreendimentos. Durante as conversações com Berlusconi, detectaríamos a existência de um problema da maior importância para o embrionário grupo português: Berlusconi estava interessado em juntar-se a nós na expectativa de concorrer à concessão de um canal de televisão mas, para além disso, pouco mais. Nada de jornais. Ora, o nosso projecto assentava no arranque imediato do aproveitamento da CEIG e no seu desdobramento numa empresa privada que imprimisse e publicasse jornais. A cooperativa fundada e com sede no Dafundo era predominantemente “soarista”, mas tinha fundadores próximos de Vítor Constâncio e do “ex-secretariado”. Era imperativo não deixar que ela resvalasse para esse campo e Almeida Santos seria encarregado do alterar os seus estatutos de forma a permitir esvaziar a “cooperativa” socialista e, com o seu património, constituir uma sociedade anónima. O que viria a acontecer com o entusiástico apoio da esmagadora maioria dos seus fundadores, com destaque para Gustavo Soromenho que então liderava a CEIG com João Tito de Morais.
Entretanto, conhecedor do projecto de comunicação social do presidente da República e tendo ele próprio apoiado quer o lançamento de A Luta quer a aquisição do edifício da CEIG em 1975, Frank Carlucci, em transição da Sears World Trade para o conselho de segurança nacional da Casa Branca sugeriria Rupert Murdoch, que seria o segundo convidado de peso do presidente da República. Em Novembro enviaria dois colaboradores a Portugal. Patrick Cox e Malcolm Tallantire, respectivamente vice-presidente e director executivo da Sky Channel e aceitaria, em princípio, um convite de Mário Soares para um encontro no dia 21 de Janeiro de 1987. Estes colaboradores de Murdoch, a que se juntariam vários outros ligados a várias áreas do seu império de comunicação social, encontrar-se-iam com Almeida Santos que os guiaria num “tour” de oportunidades que se abriam no nosso país. Na Rádio Comercial, no Jornal de Notícias e na televisão. Entrariam em contacto com uma importante firma de advogados e começaram a preparar uma espécie de pré-estudo de viabilidade, cuja elaboração levaria ao adiamento da viagem de Murdoch de Janeiro para Março. Depois das inúmeras visitas dos colaboradores de Rupert Murdoch a Portugal, em que seria pela primeira vez lançado o nome Emaudio, eu seria convidado a Londres onde teria contactos com o então principal colaborador de Murdoch, Lynn Holloway, com a direcção do Sky Channel e com o director do Times. Nos encontros com Almeida Santos e com os seus advogados, manter-se-ia essencialmente o esquema accionário que tinha sido traçado no projecto elaborado por Medina Carreira, para associação com Silvio Berlusconi mas seriam levantadas objecções à participação directa da fundação de Relações Internacionais dadas as suas conotações políticas com o Partido Socialista. Um novo projecto de estatutos começaria então a ser preparado por Almeida Santos com o concurso do seu colega de escritório Deodato Coutinho que no dia 16 de Março pela manhã teriam um encontro com Patrick Cox, no escritório dos advogados portugueses do grupo de Murdoch, a News International. O capital destinado à FRI deveria ser subscrito por terceiros, enquanto depositários dos interesses daquela fundação.
Quando Murdoch chegou a Lisboa ao fim da manhã desse mesmo dia, vindo de Los Angeles no seu avião particular, vinha munido de um memorando em que se podia ler Portuguese Project/Strictly Confidential. A sua leitura, para além dos vários cenários de investimento, não oferecia qualquer dúvida quanto à paternidade da Emaudio. “A News Corporation tem a oportunidade de investir num número de empresas de Comunicação Social em Portugal, nas ex-colónias portuguesas de Macau, Angola e Moçambique e no Brasil“ estando “um grupo de amigos íntimos e apoiantes do presidente Soares” disposto a colaborar com Murdoch “através de uma nova companhia (a estabelecer em Portugal) — a “Atlantic Media Investments“. Esta seria um “joint venture” entre a “News Corporation” (ou uma das suas subsidiárias) e o grupo dos apoiantes de Soares sob os auspícios da fundação de Relações Internacionais (FRI), uma organização sem fins lucrativos próxima do presidente Mário Soares. Uma nova empresa, chamada Emaudio, está em vias de constituição pelos apoiantes de Soares para através dela fazerem os seus investimentos”, sendo o principal objectivo “maximalizar o lucro de cada um dos seus investimentos” e “garantir o controlo de interesses na Comunicação Social favoráveis ao presidente Soares e, assumimos, apoiar a sua reeleição em 1991″ [3]. Quando chegou ao Palácio de Belém teria um encontro a sós com Mário Soares e comigo e, antes do jantar, para o qual o presidente convidara outras pessoas da área da Comunicação Social, como Francisco Pinto Balsemão, Daniel Proença de Carvalho e Magalhães Crespo, Murdoch produziria um projecto de comunicado final. Soares estaria de acordo com um comunicado, mas efectuaria ali mesmo algumas alterações. Murdoch propunha-se dizer que “O presidente de Portugal, Sr. Mário Soares encontrou-se [recebeu] [4] hoje uma delegação da News International dirigida pelo seu presidente Sr. Rupert Murdoch. O encontro teve lugar a convite do presidente para rever o potencial desenvolvimento dos media em Portugal e, através de Portugal, na Europa e noutros territórios de língua portuguesa”. Mas completamente riscado pelo presidente da República seria a parte final do comunicado em que Murdoch propunha divulgar que “no final do encontro com o presidente, o Sr. Murdoch assinou um acordo com o Pr. Rui Mateus visando o estabelecimento de uma nova companhia “Atlantic Media Participações“. Esta companhia será um “joint-venture” com interesses portugueses para estudar e investir em oportunidades nos media em Portugal e nos territórios de língua portuguesa“. A caminho do hotel Ritz, onde passaria a noite, perguntou-me qual era o background do presidente. Respondi-lhe que era licenciado em direito, ao que então comentaria lacónica e misteriosamente “It showed!”. Apesar disso, poucos dias depois solicitaria aos seus advogados em Portugal para procederem à constituição de “uma companhia de estudos conjunta com a vossa fundação”. Durante as poucas horas que esteve em Lisboa e em que acompanharia Rupert Murdoch, este manifestara dois desejos: comer lagosta ao almoço num restaurante em Paço de Arcos e encomendar um serviço de jantar da Vista Alegre para sua mulher, o que acabaria por não fazer, dado que a funcionária daquela loja do Chiado lhe dissera que teria que esperar um ano.
Entretanto, não seria Murdoch o preferido para associação com o grupo “soarista” mas sim o “incrível senhor Maxwell” [5] que Mário Soares me apresentaria às 16 horas do dia 20 de Abril no Palácio de Belém. O presidente português tinha em comum com Maxwell a amizade de François Mitterrand! Quando entrei no gabinete do presidente da República dei com ambos em amena cavaqueira em francês, a fumar “puros” cubanos. Não pude deixar de notar a enorme diferença entre o evidente bom relacionamento que então encontraria, com a relativa frieza do encontro com Murdoch um mês antes. Maxwell e Soares falavam a mesma língua e tinham estilos muito parecidos. O encontro vinha na sequência de uma carta que Maxwell escrevera ao presidente português, no dia 11 de Março, a propósito de televisão de Macau em que o malogrado magnata britânico considerava a liderança de Soares “um exemplo de força e de iluminação”. Mas o que mais tocaria o ego presidencial seria a parte em que Maxwell declarava que “os nossos muitos milhões de leitores, dos nossos seis jornais de grande circulação na Grã–Bretanha, necessitam e desejam conhecer mais, da mais alta autoridade, o pensamento e planos do primeiro socialista da Europa” [6]. Soares acreditaria logo em Maxwell e sem perder tempo sugeriu-lhe que encarregasse a jornalista Marvin Howe de escrever uma biografia sua. Maxwell concordaria imediatamente com a pobreza do trabalho eleitoral do seu concorrente George Widenfeld, mas o tempo demonstraria que o presidente da República iria ter que se contentar com o “Portrait of a Hero“, de Hans Janitschek. Depois disso convidar-me-ia para um encontro no seu espantoso iate Lady Ghislaine [7] que se encontrava no caís de Alcântara. Explicar-lhe-ia que o nosso grupo estava prestes a constituir uma empresa com Rupert Murdoch, seu arquiadversário, única razão aliás pela qual Maxwell tinha vindo a Portugal.
No dia 13 de Maio iniciaria uma longa visita aos Estados Unidos, enquanto presidente da fundação Luso-Americana e, naquele país, realizaria em parceria com o Wilson Center, uma importante conferência para promover o nosso país nos EUA. Estariam presentes várias dezenas de personalidades da vida Política em Portugal e dos EUA e visava, no âmbito das actividades da fundação Luso-Americana, aumentar a visibilidade de Portugal naquele país. Entre os conviados portugueses estariam o ex-presidente Ramalho Eanes, o ministro dos negócios estrangeiros Pires Miranda e o presidente da República que, simultaneamente, tinha agendado um encontro com o presidente Ronald Reagan. Dada a complexidade logística da combinação da visita do presidente da República com o aproveitamento dessa visita para promover a “visibilidade” que a FLAD pretendia dar ao país, eu sugeriria que tal trabalho fosse entregue a profissionais de relações públicas. Pensava nos velhos “técnicos altamente especializados” e propus que fosse contactada a Black, Manafort, Stone & Kelly que tinha fortíssimas ligações com a Casa Branca mas, também por razões de imparcialidade, que o trabalho a efectuar fosse dividido por gente próxima do Partido Democrático. Assim juntaria Paul Manafort a um consultor de relações públicas conhecido nos meios deste último partido, John Loiello. O trabalho efectuado foi extraordinário, tendo eles conseguido um programa de visitas e de contactos do mais alto nível, jamais igualado em qualquer visita de um político português àquele país. Mais importante ainda seria a inédita cobertura de imprensa nos principais órgão de Comunicação Social, em regra desinteressados das dezenas de visitas de rotina que políticos de todo o mundo fazem a Washington e Nova Iorque diariamente. Bastaria salientar que o Wall Street Joumal publicaria um artigo com grande destaque salientando a visita do presidente da República e intitulado “A em tempos destruída economia de Portugal actualmente em grande desenvolvimento“. Foram publicados artigos de invulgar destaque no New York Times, no Christian Sciente Monitor e no Chicago Tribune. A Newsweek publicaria a sua entrevista semanal de uma página com Mário Soares, sob o título “Boas Prespectivas” e o influente Washington Post dedicava a Mário Soares um editorial intitulado “Mário à Presidência” numa sugestiva metáfora de que era de um presidente assim que os americanos precisavam e aludindo ao enorme progresso económico do nosso país. O trabalho desta equipa seria por todos reconhecido como excepcional, embora o então embaixador de Portugal, Pereira Bastos, se viesse a queixar de “ingerências” da FLAD nas funções que ele considerava competirem à embaixada de Portugal. Opinião que não era compartilhada pelo seu colega junto da ONU, o competentíssimo embaixador João de Matos Proença. Ao que tudo leva a crer, as relações de Paul Manafort com Mário Soares voltariam então a ter o calor que tinham conhecido na primavera de 1985, apesar do PS nunca, aparentemente, lhe ter pago pelos seus serviços. Não sei se o governo alguma vez o compensou pelo tempo que dispendera mas sei que, então, estava envolvido num subcontrato com uma empresa de uma ex-colaboradora de Frank Carlucci, a IPAC — International Planning and Analysis Center — que tentava promover a Metalgest nos EUA.
Foi então, já não sei bem como, que Mário Soares abordaria com os consultores americanos uma ideia que me tinha sugerido uns anos antes para lançamento de uma instituição tipo “conferências de Bilderberg“. Disse que gostaria de patrocinar, enquanto presidente da República, uma ideia desse género em Portugal. Uma espécie de “Bilderberg” ou de “Trilateral” sob a sua égide, com membros permanentes de grande envergadura como um David Rockfeller e um Frank Carlucci, com políticos, empresários e homens de cultura. Paul Manafort, John Loiello e eu próprio ficaríamos então de pensar numa ideia, de fazer alguns contactos e reunir, depois, em Lisboa com Mário Soares para discutir o assunto. Entretanto, estava eu em Nova Iorque, já um pouco esquecido da conversa que tivera em Lisboa com Robert Maxwell, quando recebi cópia de um fax que ele me tinha enviado para Lisboa. “Caro Rui” — dizia Maxwell — “ficaria particularmente encantado se com tão pouco tempo de aviso tu e tua mulher aceitassem ser meus convidados no próximo dia 15 de Maio, para assistir à estreia do filme The Whales of August no festival de Cannes. Estarão presentes o príncipe Carlos e a princesa Diana, seguindo-se um jantar formal a bordo do nosso iate Lady Ghislaine. Gostaria igualmente de enviar o meu avião a Lisboa para vos transportar a Cannes. Calorosamente, Bob“. Era o chame pouco discreto de Robert Maxwell. Eu agradeceria mas mandaria informar que me seria de todo impossível aceitar o amável convite.
Entretanto em Lisboa, no dia 18 de Março de 1987, tinha sido constituída na avenida António Augusto de Aguiar, na sede da fundação de Relações Internacionais, a Emaudio SA – Sociedade de Empreendimentos Audio Visuais, para ir ao encontro dos acordos que estávamos em vias de concretizar com a News International de Rupert Murdoch. O capital inicial seria de cinco mil contos, trinta por cento dos quais seriam desde logo depositados por Menano do Amaral na Caixa Geral de Depósitos, de uma conta do MASP que ele movimentava. Para além dos estatutos, que são do conhecimento público, ficara estabelecido que eu, enquanto presidente da fundação de Relações Internacionais, seria presidente do conselho de administração, com funções na área dos contactos internacionais. Dos outros dois administradores então disponíveis, Menano do Amaral era o homem de confiança de Mário Soares para os dinheiros e, como tal, seria o responsável pelo sector financeiro e João Tito de Morais encarregado das questões ligadas ao lançamento de jornais e projectos na área da comunicação social. Almeida Santos seria o presidente da assembleia geral e João Soares o seu vogal. Bernardino Gomes seria o presidente do conselho fiscal. Cada um de nós teria direito a receber graciosamente cinco por cento do capital do que a empresa viesse a ser, como remuneração pela nossa contribuição pessoal para o projecto. Cinco por cento do que viesse a ser o valor da empresa e não 5 % de cinco mil contos. Os restantes 60 % ficariam em meu nome, enquanto presidente da FRI e na qualidade de fiel depositário dos interesses do projecto político de Mário Soares, a ser desenvolvido por intermédio daquela fundação e que tinha dois grandes vectores: reconquistar o PS para a área “soarista” e ser reeleito presidente da República em 1991. Ou vice-versa. Não sei bem!
Se o que mais incitara Maxwell a vir a Lisboa, em Abril de 1987, fora o facto de a imprensa internacional anunciar para breve um acordo em Portugal com o líder mundial da área da comunicação social, Rupert Murdoch, o que mais entusiasmara Mário Soares em Robert Maxwell seria ele ter afirmado ser “uma honra ser camarada de luta” [8] do presidente da República. Além de falarem na mesma língua, eram ambos extraordinariamente parecidos na sua exuberância. Assim, não seria difícil resistir ao seu charme como não foi possível rejeitar a recomendação para encetar uma negociação com ele em simultâneo com a que decorria com a do mais austero, mas mais rigoroso, Rupert Murdoch. Os três, então já administradores da Emaudio, Menano do Amaral, João Tito de Morais e eu próprio, aceitaríamos o convite de Maxwell para um encontro em Londres a fim de conhecer a sua fabulosa gráfica, o Daily Mirror e a sede da BPCC [9] que, pouco tempo depois, passaria a ser denominada Maxwell Communications Corporation. No final da visita enviar-nos-ia um motorista e um “Rolls” vermelho para nos transportar ao seu palácio em Oxford, Headington Hill Hall, onde almoçaríamos com a sua família. Era o velho sonho socialista para a Comunicação Social que estava em marcha e seria irresistível. Maxwell responderia, quando lhe falei do acordo com Murdoch, que “o último acordo era sempre o melhor”, acrescentando que, “como o vosso presidente sabe muito bem, Murdoch não é da nossa área”, o que inviabilizaria, a seus olhos, o sonho de Mário Soares. Depois, como ele diria, tinha disponibilidades de mil milhões de dólares que pretendia em grande parte investir em Portugal, onde, segundo nos disse, o presidente da República lhe tinha garantido ir organizar um encontro com o primeiro-ministro Cavaco Silva.
Quando regressámos a Portugal, a opção dos accionistas da Emaudio e do seu patrocinador, a quem relataríamos o que tinha sido discutido, não deixaria lugar para quaisquer dúvidas. Assim enviaríamos um “memorando” com as nossas condições, um pouco inflacionadas em relação às que tínhamos obtido na negociação com a News International e, a 21 de Julho, Maxwell confirmava o seu “acordo de princípio com o conteúdo dos dois documentos” [10]. No dia 17 de Setembro Robert Maxwell estaria em Portugal para assinatura do acordo com a Emaudio e para um importante encontro com o presidente da República, que ofereceria um almoço no Palácio de Belém. No dia 14 de Agosto iria a Londres informar a News International da nossa decisão. Estive com Lynn Holloway de quem ficaria amigo pessoal desde então e com o director do The Times, John Wilson, que me comentou simplesmente que “o capitão Bob não tem o sentido das responsabilidades e não se sente obrigado a respeitar o que assina” [11]. No dia seguinte, o Daily Mirror divulgava em Londres que “Portugal escolheu o império editorial do sr. Robert Maxwell para sócio de um acordo global de comunicação. Os portugueses rejeitaram as propostas do sr. Rupert Murdoch em benefício de uma associação com a BPCC. O presidente de Portugal ofereceu um almoço em honra do sr. Maxwell, editor do Mirror Group Newspapers, para celebrar o acontecimento” [12]. O outro convidado de honra deste almoço seria o empresário Ilídio Pinho, que o presidente da República fizera questão de apresentar a Maxwell como sendo um dos maiores e mais importantes empresários portugueses. Raquel Ferreira, então presidente do Instituto de Investimento Estrangeiro, estaria igualmente presente ao almoço onde o presidente da República faria questão de apresentar Maxwell à sociedade. No final, eu acompanharia Robert Maxwell ao aeroporto, no clássico Rolls Royce da presidência. Disse-me então que o Mário Soares lhe recomendara uma associação a Ilídio Pinho, que por sua vez lhe teria dito estar disponível para investir dinheiro do empresário britânico na Bolsa de Valores. No dia 27 de Outubro, Maxwell enviaria o seu avião a Lisboa para transportar Ilídio Pinho a Londres, onde se faria acompanhar do deputado do PSD, Ângelo Correia. Para meu espanto viria a ter conhecimento de que neste encontro fora assinado um acordo secreto que abrangia a comunicação social, sem que a Emaudio tivesse sido consultada, o que representava uma clara transgressão do acordo assinado antes com a Emaudio o qual, tinha sido elaborado pelo então advogado de Maxwell, Vasco Vieira de Almeida. [13]
Quando tentei insurgir-me contra aquele “acto”, Maxwell, que sabia perfeitamente quem mandava na Emaudio, dir-me-ia para tratar esse assunto com o “teu presidente”. O que faria, sendo informado de que o segundo passo desta estratégia seria a assinatura de um novo acordo entre o empresário Ilídio Pinho e a própria Emaudio. Eu quis contudo conhecer o conteúdo do acordo entre Maxwell e Ilídio Pinho antes de assinar um acordo em nome da Emaudio com o empresário português. Ilídio Pinho, a quem então o solicitei, enviar-me-ia o mesmo via telefax, mas cortaria uma parte do mesmo, com a alegação de não ter nada que ver com a Emaudio. Contudo, na parte que tinha que ver com a Emaudio, Ilídio Pinho e Robert Maxwell desejavam “em todas as circunstâncias ir ao encontro dos desejos do primeiro-ministro e do presidente em assuntos relacionados com o seu investimento e participação em televisão” [14]. A referência ao primeiro-ministro poderá parecer estranha, mas o dirigente do PSD Ângelo Correia, presente na reunião de Londres em que o acordo foi firmado, deverá ter dado o seu acordo. Por outro lado, tendo o já mencionado almoço entre o primeiro-ministro Cavaco Silva e Robert Maxwell tido lugar no Palácio de São Bento, não admira que o empresário Ilídio Pinho incluísse nos termos do acordo a sua vontade de associar Robert Maxwell à sua empresa — Colep Financeira — para actuar “no reequipamento e modernização de pequenas e médias empresas em Portugal e outros países de língua portuguesa, de acordo com as discussões entre o primeiro-ministro de Portugal e o sr. Maxwell e em obediência às políticas adoptadas pelo actual governo de Portugal (conforme discutidas com o sr. Pinho) e com a particiação do fundo da CEE (PEDIP)”. Tanto quanto eu sei, o empresário Ilídio Pinho nunca chegaria a investir na Emaudio mas, no âmbito do seu acordo com Maxwell, este, seguindo a sugestão do presidente da República, enviaria ao empresário português dez milhões de libras do fundo de pensões da MCC para investimentos na bolsa de valores em Portugal. Quando Robert Maxwell regressou a Portugal, em Fevereiro de 1988, comentar-me-ia que Ilídio Pinho tinha investido esse dinheiro na sua empresa Cabelte com perdas consideráveis para o seu investimento. Estava então tão furioso com o empresário português, que me proibiria de o convidar para o jantar que oferecia a empresários portugueses e em que estariam presentes Pinto Balsemão, Nobre da Costa, Jardim Gonçalves, Nelson Quintas, Rui Machete, Américo Amorin, Rocha de Matos, Artur Santos Silva, Ludgero Marques, Henrique Constantino, João Salgueiro, Abel Pinheiro e Eduardo Moniz.
No dia 8 de Fevereiro passaria toda a manhã em Nafarros, na casa de campo de Mário Soares. No dia seguinte partia com Bernardino Gomes para os EUA a fim de preparar aspectos da sua viagem que teria lugar no mês de Maio. Entre outros aspectos e contactos com a Casa Branca, através de Frank Carlucci, a FLAD realizaria uma conferência preparatória em Nova Iorque, a 12 de Fevereiro, com os embaixadores de Portugal em Washington e junto das Nações Unidas, além do director do ICEP, do presidente da câmara de comércio luso-americana, directores dos bancos portugueses nos EUA e o então secretário de estado dos negócios estrangeiros, Azevedo Soares. Com o mesmo objectivo, regressaria àquele país no mês de Março. Em Nafarros, em várias reuniões na fundação de Relações Internacionais, seria discutida a situação partidária resultante da dissolução da Assembleia da República e da Política de vingança que Constâncio vinha adoptando contra os chamados “soaristas” em geral e, em especial, contra os deputados que ele não queria incluir nas listas de candidatos do PS ou que ele queria atirar para lugares perfeitamente inelegíveis. Todos estariam em causa, mas recordo-me de sermos eu e Raul Rego os principais elementos a abater. Nestas reuniões da FRI participariam dezenas de dirigentes e fundadores do partido e Maldonado Gonelha e Jorge Campinos chegariam mesmo a propor que a uma vingança contra um de nós se deveria responder com um não em bloco, como acontecera quando o “ex–secretariado” se recusara a não entrar nas listas em 1983. Mário Soares e Almeida Santos diriam então achar não ser necessário utilizar medidas tão drásticas, uma vez que confiavam no bom senso de Vítor Constâncio. Mário Soares diria mesmo que iria ter uma conversa com Constâncio e que “só por cima do seu cadáver” é que o novo secretário-geral levaria a sua avante. A reunião da comissão nacional para decidir sobre a “lista” de deputados teria lugar em Maio, quando eu e Soares nos encontravámos nos EUA. Durante a reunião que tivera lugar no largo do rato, só Torres Couto criticaria a decisão de Constâncio. Mário Soares informara-me ter tido uma conversa no restaurante Tágide com o seu sucessor, tendo então ficado convencido de que ele não faria “uma coisa dessas”. Nessas eleições de 19 de Julho, eu deixaria de ser deputado mas, por outro lado, a minha saída seria compensada pela entrada de João Soares que se iria estrear na Assembleia da República e na Política. Houve quem comentasse que a “vingança” de Constâncio fora propositada, uma vez que me faltavam três meses para ter direito à chamada “pensão” vitalícia dos detentores de cargos políticos. A verdade é que eu, ao contrário do próprio Constâncio, como nunca aceitara lugares em empresas públicas ou no aparelho de estado tinha agora que me dedicar a fundo ao projecto de Comunicação Social lançado por Mário Soares. Mas também tenho que confessar que, para além do tempo em que fora presidente da comissão de integração europeia, na fase final até à entrada do nosso país na CEE, onde o meu trabalho fora reconhecido em Portugal e no Parlamento Europeu, nunca tivera grande prazer em estar na Assembleia da República. Enquanto presidente daquela comissão e responsável pelas relações internacionais do PS poderia, se quisesse, ter sido um dos deputados designados em 1985 pelo grupo parlamentar do PS para o Parlamento Europeu. Na altura possuía seguramente um bom conhecimento do funcionamento daquele parlamento, das instituições europeias e das benesses do lugar. Mas não aceitara sair de Portugal. O que me doera — isso sim — fora a falta de solidariedade dos meus camaradas de luta, perante a prepotência provinciana da nova direcção do partido.
Não se pense que a falta de elevação da direcção do PS se ficaria por aqui. Em 1983 fora eleito por unanimidade pelos partidos europeus da Internacional Socialista, na então união dos PS da CEE, para um dos seus quatro vice-presidentes. Em 1987 receberia uma carta do presidente daquela organização, o ex-primeiro-ministro da Holanda, Joop Den Uyl, informando-me agastado que Constâncio lhe mandara dizer por Luís Filipe Madeira não querer que eu continuasse naquele lugar. Era um lugar de eleição europeia e não de eleição do PS e a única condição legítima para deixar de continuar a deter aquela vice-presidência seria não ser reeleito ou deixar de ser do PS. Eu não estava ali graças a Constâncio, mas sim porque outros partidos assim o tinham decidido quatro anos antes. Não tinha remuneração, nem senhas de presença, nem viagens pagas. Mesmo assim, num acto só comparável às emoções primárias de dirigentes de países subdesenvolvidos, Constâncio não hesitaria em fazer-me o que, sem nunca ter tido coragem, gostaria de ter feito a Mário Soares.
No momento em que a Emaudio estava prestes a ser lançada, Menano do Amaral apresentar-me-ia a um administrador de uma conhecida empresa que estava, aparentemente, a atravessar grandes dificuldades. Tivera conhecimento de que a fundação Luso-Americana apoiava projectos do sector privado e pretendia saber se esta fundação estaria disposta a participar no capital da sua empresa, com a finalidade de recuperação da mesma. Eu dir-lhe-ia que esse era um assunto que era tratado pelo conselho executivo daquela instituição mas, disse-lhe logo que a fundação só aceitava projectos devidamente elaborados em termos de viabilidade. A FLAD viria a rejeitar o pedido da empresa mas, graças aos esforços de Melancia, que encontraria uma grande empresa internacional disposta a associar-se-lhe e ao meu, que, em virtude daquela promessa de aliança, conseguiria do presidente do conselho de administração do seu principal banco credor a garantia de não levar a empresa à falência, ela acabaria por ser vendida em termos aparentemente muito favoráveis. Pelo trabalho de “consultoria” e uso de contactos, viríamos a receber, em 1987, quarenta mil contos que, inicialmente, seriam investidos nos projectos da Emaudio. Contudo, Carlos Melancia, após ser designado governador de Macau, acabaria por utilizar esse argumento para exigir um quarto daquela quantia. Se ele continuasse no projecto Emaudio seria uma coisa, mas como se vira inesperadamente afastado, então pretendia receber o dinheiro que ele ajudara a angariar. Em virtude disso decidimos dividi-los em partes iguais entre os quatro. O que viria a acontecer.
Aliás, o projecto Emaudio nunca teria dificuldades durante 1987 e 1988. Muito pelo contrário, o mais difícil, então, seria escolher entre os que se queriam associar ao projecto lançado e apadrinhado por Mário Soares. Sobretudo quando era do conhecimento público que homens como Rupert Murdoch e Silvio Berlusconi se pretendiam associar à Emaudio e quando, finalmente, Robert Maxwell, com pompa e circunstância, assinaria frente às câmaras da RTP um acordo connosco. O empresário Américo Amorim seria um dos muitos que se disponibilizaria a cooperar com este projecto “soarista”, chegando a reunir com Robert Maxwell na sede da Emaudio com vista a projectos conjuntos. Acabaria, contudo, por só concretizar empreendimentos com o magnata inglês. A União Geral de Trabalhadores e uma das suas empresas também assinariam com a Emaudio um protocolo que visava entre outras coisas reviver o velho projecto do “banco dos trabalhadores“. Também não existiriam problemas de tesouraria no início. Com muitas dezenas de milhar de contos “oferecidos” por Maxwell em 1987 e 1988, com consideráveis verbas oriundas do “ex-MASP” e uma importante contribuição de uma empresa próxima de Almeida Santos, houve o suficiente para aumentar o capital da empresa de cinco para cem mil contos, para comprar um prédio no Príncipe Real e equipá-lo com algum luxo. Este prédio tinha sido comprado por um construtor em hasta pública e estava embargado em tribunal pelos antigos proprietários, uma associação religiosa de Lisboa, cujo líder era um conhecido socialista. Assim, seria fácil encontrar um situação e realizar para a Emaudio um excelente negócio. Iniciar-se-ia também a estruturação da Emaudio segundo um modelo de empresa “holding” ou empresa de participações constituído por empresas que fomos formando para lançar e executar os projectos.
Com Robert Maxwell foi constituída em partes iguais a Emaudio Internacional a qual, com a entrada das verbas acordadas em Oxford em Julho de 1987, deveria controlar todos os projectos de comunicação social incluindo uma empresa de impressão e artes gráficas. Entretanto, com conhecimento e luz verde de Maxwell, foi-se avançando com a estratégia definida, convencidos de que aquele magnata não iria “roer a corda”. Afinal fora ele que procurara Mário Soares e as verbas destinadas ao projecto português eram relativamente pequenas para a sua dimensão. A velha cooperativa do PS, a CEIG seria esvaziada e a partir dela constituídas duas empresas: A Imprinter e a Portopress. A primeira, destinada a imprimir jornais e revistas, seria dividida entre a CEIG e a Emaudio, graças à mudança de estatutos da cooperativa que Almeida Santos elaborara. Estava acordado, até por escrito, que em 1988 a MCC de Maxwell, injectaria na Imprinter equipamento já seleccionado e mais de um milhão de contos, passando então o controlo da empresa para a Emaudio Internacional. O presidente do conselho de administração da Imprinter seria o ex-presidente da CIP, António Vasco de Mello. A Portopress, presidida pelo homem do Banco Bilbao Vizcaya em Portugal, Cardoso da Silva, nasceria também da CEIG e além das publicações Autosport e Blitz, iniciaria uma publicação semanal, o Notícias de Primeira Página, que viria a ser dirigida por Ribeiro Ferreira do semanário Tempo e, actualmente, no O Independente. A Portopress investiria igualmente dezenas de milhar de contos em modernização e equipamento das suas instalações e na preparação de um jornal diário a dirigir pelo jornalista João Mendes, vindo do Semanário. Este jornal, que deveria ter o nome de 24 Horas, teria luz verde de Maxwell e seria contratado um considerável número de jornalistas. Só que Maxwell iria adiando “por falta de tempo” a sua decisão de aquisição da maioria do capital da Portopress e o diário nunca seria lançado. Para aproveitar o equipamento comprado e os jornalistas entretanto contratados, decidiríamos, na Emaudio, sem acordo de Maxwell, lançar a revista Face. Maxwell, entretanto, foi mantendo o seu compromisso de pagamento dos salários desses jornalistas, o que representava alguns milhares de contos mensais. Seria constituída entre a Emaudio, Carlos Cruz e Fialho Gouveia uma empresa de nome Terceiro Canal, completamente financiada pela Emaudio, para concorrer à abertura da rádio, tendo o nosso grupo ganho uma das licenças. Com uma enorme sede no Campo dos Mártires da Pátria e dezenas de milhar de contos de investimentos em equipamentos, tudo estava a postos para começar a emitir sob o nome Antena de Lisboa. Eu, curiosamente, nunca chegaria sequer a visitar aquela estação de rádio. Tal era a rapidez com que tudo se passava no âmbito do nosso projecto. Entretanto foi também constituída uma outra empresa fora do quadro do que estava previsto com Maxwell, para participar em áreas das novas tecnologias e nas comunicações, de nome Neotec. Era dirigida por Raul Junqueiro e Júlio Rendeiro, o antigo campeão nacional de hóquei em patins, e tinha acordos com uma empresa pública italiana, Italgenco e uma grande empresa de Hong-Kong apresentada por Almeida Santos, a Hutchinsom Telecom. Além de uma participação na empresa Registrade, hoje na área da Marconi foi criada uma agência de viagens de nome Top Service e a empresa Canal 3, onde João Tito de Morais e Raul Junqueiro desenvolviam os seus estudos para o lançamento de um canal de televisão via satélite, teria como principais figuras de proa o ex-ministro de Marcello Caetano, Rogério Martins, o ex-deputado à ANP, Manuel José Homem de Mello e José Nuno Martins. Todos próximos da campanha presidencial de Mário Soares, tendo Homem de Mello dirigido o jornal de campanha do MASP, Belém. Três acontecimentos marcariam, contudo, o destino da Emaudio e afectariam profundamente a minha vida a partir daí: Carlos Melancia seria designado governador de Macau em 1987, o semanário Expresso iniciaria em 1988 uma violenta campanha contra a Emaudio alegando “tráfico de influências” na privatização da Teledifusão de Macau, TdM e, em 1989, o grupo Interfina pretenderia associar-se à Emaudio, creio que mais para conquistar posições em Macau do que na Comunicação Social.
Após a demissão do governador Pinto Machado iniciar-se-ia, em Portugal e, sobretudo, na área do PS, uma corrida desenfreada para colocai- naquele lugar “o homem certo”. Macau readquirira após o 25 de Abril, graças ao rapidíssimo desenvolvimento de toda aquela zona da Ásia, a fama de árvore das patacas. Já durante os mandatos de Eanes se falava em negócios fabulosos que ocorriam por aquelas paragens e logo após a chegada de Mário Soares à presidência, em 1986, se falaria muito sobre uma alegada viagem de um ex-ministro socialista das obras públicas, Rosado Correia, que teria sido detido por um dos seus correligionários com uma mala de dinheiro que se destinaria ao Partido Socialista. Os pormenores deste alegado incidente nunca seriam contudo divulgados pelo ministério público a quem, aparentemente, caberia a sua investigação [15]. Era um lugar particularmente cobiçado pelos novos dirigentes do PS que, apesar de então se queixarem de terem sido deixados na penúria por Mário Soares, ali conseguiriam colocar vários homens do seu aparelho após 1986. Logo após a nomeação de Pinto Machado, o presidente da República enviaria Menano do Amaral em sua representação àquele território para contactos e com a finalidade de o habilitar a melhor compreender as realidades da zona. Aparentemente, aquele governador não vira então essa visita com bons olhos e os conflitos que levariam à sua demissão iniciar-se-iam a partir daí. O principal candidato ao lugar de Pinto Machado seria Carlos Monjardino que, embora não sendo do PS, fora promovido logo após a eleição presidencial para número dois do governo de Macau. Tinha-se destacado enquanto secretário das finanças daquele governo, conseguindo mesmo a proeza de “arrancar” a Stanley Ho, principal empresário e “dono” dos jogos de azar em Macau, importantes contrapartidas pela concessão do jogo nos casinos locais que incluiriam a criação de uma afluente “fundação”, que ele aliás viria a presidir em 1988 [16]. Almeida Santos iniciaria uma campanha a favor do seu amigo de longa data, Veiga Simão, que considerava ser o melhor candidato para o lugar. Falava-se muito de outros candidatos entre os quais Eduardo Pereira, Fraústo da Silva, Gomes Mota e até o bastonário da ordem dos médicos, Santana Maia, chegaria a ser lançado pelo grupo de Coimbra.
Mário Soares tinha, porém, outras ideias e surpreenderia muita gente com a designação de Carlos Melancia. Só alguns de nós sabíamos de antemão que o presidente se inclinava para o seu ex-ministro do equipamento social. A escolha tinha toda a lógica, mas enganam-se aqueles que pensaram que Melancia fora designado pelo facto de fazer parte da Emaudio ou porque, ao enviá-lo para Macau, estaria a pensar na privatização da TdM, a minúscula e altamente deficitária televisão do território de Macau. A escolha era política, tinha que ver com a mesma estratégia que estivera na base do lançamento da Emaudio e, naquele momento, tinha toda a lógica. No Partido Socialista, Constâncio saíra derrotado das eleições e atravessava um período de particular animosidade com o seu antecessor, que não considerava como o “verdadeiro” chefe do movimento socialista. Previa-se mesmo que o ajuste de contas que Constâncio ensaiara com alguns dos “soaristas” iria agora conduzir a uma verdadeira “depuração”. Mário Soares ficaria particularmente irritado quando o seu sucessor o passou a acusar publicamente de estar a “alimentar contra si uma campanha de descrédito pessoal e político” com a finalidade de o submeter à condição de “uma espécie de acessor de Belém“. Que era o que o presidente da República de facto pretendia, à semelhança do estilo que François Mitterrand então infligia ao Partido Socialista francês. A Emaudio fazia parte da sua estratégia para 1990, que passava pela conquista a prazo do PS. Faltava preparar um candidato a secretário-geral do PS para ser lançado no momento certo. Era preciso um homem com prestígio, de reconhecida competência, bem aceite por todas as facções do partido e que lhe fosse cem por cento fiel. Nenhum dos outros candidatos da área “soarista” preenchia então todas essas condições. Jaime Gama nunca fora exactamente um “soarista” a cem por cento e Soares olhava-o com grande desconfiança. Soares não gostava muito de ser visto com o seu ex-ministro dos negócios estrangeiros, daí que raramente viajasse com ele, nunca o querendo mesmo introduzir no seio da Internacional Socialista. Almeida Santos era um homem desprestigiado em vários sectores da sociedade portuguesa e a sua derrota eleitoral em 1985 desqualificava-o automaticamente. O próprio Mário Soares me dissera várias vezes que sendo Almeida Santos um homem com uma capacidade de trabalho extraordinária e de inegável talento, tinha o defeito de preferir os negócios em detrimento da política. Soares gostava de Gonelha mas achava que este não tinha “garra” para o partido. Campinos, por outro lado, afastara-se voluntariamente para Bruxelas, para fugir ao ninho de intrigas em que o PS se tinha transformado.
Carlos Melancia, por outro lado, tinha estado nos seus governos desde o início e tinha grande prestígio como tecnocrata. Eram bem visto por todas as facções do partido, nunca tendo entrado nas lutas internas do passado. Tinha boas relações com a igreja, era bem visto pela direita, era um “soarista” incondicional e Soares tinha excelentes razões para lhe estar agradecido. Só lhe faltaria a dimensão de estado que iria certamente adquirir enquanto governador de Macau. Por outro lado, com Constâncio à frente do PS, previa-se o declínio da sua popularidade em simultâneo com o aumento das dificuldades financeiras de que o episódio Rosado Correia já dera alguma indicação. No momento oportuno, que Soares previa acontecesse em 1989, o PS encontrar-se-ia “órfão” e Melancia seria a solução, tendo mesmo condições para se bater com Cavaco Silva no mesmo terreno, em 1991. Tudo estava “clinicamente” estudado. A Emaudio seria em todo este processo um aliado indispensável não só na comunicação social mas, também, lado a lado com o governador de Macau, na criação de oportunidades de trabalho e lançamento de “benesses” a dirigentes socialistas. O governador de Macau, aliás, não perderia tempo e convidaria para Macau inúmeros socialistas de áreas próximas do “ex-secretariado”, que interessava “conquistar”. Não sei com quantas pessoas Mário Soares elaboraria esta “estratégia” mas sei, pelo menos, que sem que para isso eu tivesse metido “prego ou estopa” me falaria sobre a mesma, numa das frequentes reuniões comigo e com Menano do Amaral que, esse sim, terá para ela contribuído com algum “prego” e bastante “estopa”. Não seria, aliás, por casualidade que o jantar íntimo de despedida de Lisboa do novo governador, na residência particular de Mário Soares, tivesse contado unicamente com a presença do casal Melancia e do casal Menano do Amaral. No seguimento deste jantar, eu seria informado de que Carlos Melancia teria que ser devidamente compensado pela sua saída da Emaudio que ajudara a constituir.
No dia 4 de Outubro iria a Hong–Kong encontrar-me com Robert Maxwell que pretendia analisar a questão da TdM, razão que aliás motivara o seu primeiro encontro com o presidente Mário Soares. Maxwell insistira para que eu viajasse com ele no seu avião particular, que me viria buscar a Lisboa mas, uma vez mais, eu recusaria o amável convite. Após mais de uma década de viagens aéreas semanais por praticamente todo o mundo, eu adquirira um pavor temporário de andar de avião e a ideia de andar num avião particular aterrava-me. Assim viajaria normalmente via Frankfurt com a Lufthansa. Seria acompanhado de João Tito de Morais. Tinha sido decidido que Menano do Amaral, o outro administrador da Emaudio também deveria estar presente nesta missão. Com excepção de Mário Soares e Almeida Santos era ele o único de nós que conhecera Stanley Ho pessoalmente, um ano antes e fora através dele que tinham sido feitos os contactos para o encontro que Robert Maxwell iria ter com o empresário de Hong–Kong. Mas, curiosamente, o seu amigo de longa data, que ele fervorosamente tinha apoiado para o lugar de governador de Macau e de quem se tinha despedido na maior intimidade presidencial pouco tempo antes, telefonar-lhe-ia e pediria que não fosse. Daria como razão para aquele insólito pedido o facto de Menano do Amaral ter estado naquele território um ano antes em representação do presidente da República o que, segundo o governador, motivara as maiores especulações naquele território e muitos o associavam ali à demissão de Pinto Machado. Menano do Amaral acharia que o seu velho amigo estava a exagerar, acabando por se sentir mesmo seriamente ofendido. Eu levantaria então o assunto com Mário Soares no seu gabinete, no dia 25 de Setembro. Mário Soares ao ter conhecimento daquela posição de Melancia ficaria furioso e telefonaria imediatamente ao governador, obrigando-o a retratar-se na minha presença. Menano do Amaral, contudo, recusar-se-ia ir a Macau depois disso. Dias antes, na ausência de qualquer sentido das responsabilidades por parte do governador, para com a empresa que ajudara a criar, tinha sido o próprio Menano do Amaral que, sabendo da visita de Maxwell a Macau a propósito da TdM, tinha feito uma carta de aceitação de compra da posição de Melancia na Emaudio, que mandara mesmo reconhecer notarialmente. Nada tinha sido ainda decidido em definitivo sobre esta matéria, mas mandam as boas regras que deveria ter sido Melancia a escrever uma carta a alienar, ou demonstrar a vontade de alienar, a sua posição. Mas não, seria Menano do Amaral quem se preocuparia em salvaguardar a posição daquele membro do governo, decidindo aquela medida cautelar para o que desse e viesse. A alienação, de facto, das suas acções só teria lugar em 1988, quando assinou e endossou os títulos que seriam depois averbados notarialmente a 27 de Maio.
A viagem a Hong–Kong e a Macau decorreria com enorme publicidade dos meios de comunicação de todo o mundo. Afinal Robert Maxwell era na altura uma das pessoas com maior cobertura mediática, situação que ele visivelmente encorajava. Antes de chegar a Hong–Kong já tinha dado uma entrevista à revista francesa Le Point, dizendo que os seus planos de aquisição da TdM lhe permitiriam “contactar 160 milhões de telespectadores chineses e 8 milhões em Hong–Kong: um mercado publicitário e comercial fabuloso” [17]. A administração da TdM divulgara, durante o curto mandato do governador Pinto Machado, um estudo produzido por uma empresa internacional de consultoria, Peat & Marwick, que apresentava a privatização da TdM como um verdadeiro negócio da China. Dizia, em resumo, que com o aumento da potência dos emissores e com retransmissores noutras partes do território, os programas da televisão macaense poderiam ser vistos em Hong–Kong e no sul da China. Em Hong–Kong é proibida a publicidade ao tabaco, programas de apostas e de jogos de azar e cenas de erotismo. Tudo aquilo que milhares de pessoas de Hong–Kong e daquela zona obtêm com facilidade em Macau, onde predominan o jogo e a prostituição. Mas conhecidas as características das populações destas zonas de rápido crescimento económico, será fácil imaginar o interesse que o estudo lançado pela TdM despeitaria. No essencial a TdM, com a conivência das autoridades portuguesas, estava preparada para ser privatizada e lançar a partir de Macau emissões “clandestinas” que rapidamente, segundo alegava o estudo, se tornariam altamente lucrativas. Como seria fácil prever, de início houve grande interesse pelo anunciado projecto entre os principais empresários de televisão de todo o mundo. Maxwell não fora excepção. Uma vez associado à Emaudio, em Portugal, com a “bênção” do presidente da República, deslocar-se-ia a Hong–Kong e a Macau para melhor conhecer a situação e para contactos políticos com os respectivos governadores, John Wilson e Carlos Melancia. Falaria com empresários e com os dirigentes das duas cadeias de televisão de Hong–Kong.
Mas Maxwell, apesar do seu estilo, não era parvo e durante a visita desconfiou da fartura, pressentindo que as autoridades portuguesas lhe estavam a vender gato por lebre. Durante a conversa que tivera com o governador de Hong–Kong também compreenderia que, mesmo que o projecto anunciado pela TdM tivesse viabilidade técnica, o caminho político, para que tal projecto fosse aceite pela China e pelo governo de Hong–Kong, seria extremamente complexo. Sugeriu então a Carlos Melancia a formação de uma comissão técnica mista entre o governo de Macau e todos os potenciais interessados em se associar a Maxwell naquele empreendimento — Stanley Ho, a Hutchinson Telecom e as duas cadeias de televisão de Hong–Kong. A comissão que viria a ser constituída, tendo Maxwell enviado dois técnicos de Londres, Geoff Smith e Bryce McCrirrick, em breve descobriria que a privatização da TdM nos moldes anunciados pelo estudo da Peat & Marwick não passava de um ludibrio. A 4 de Fevereiro de 1988 Robert Maxwell escrever-me-ia que, como gostava “de evitar surpresas”, me enviava em anexo uma reacção bastante negativa de Patrick Cox [18] sobre o “projecto de Macau“. No essencial concluía que “devido em grande parte à deficiente cobertura de Hong–Kong a partir de Coloane ou de qualquer outro ponto em Macau e ao elevado custo de produção de programas em concorrência com a TVB e a ATV [19], qualquer rendimento oriundo de Hong–Kong seria pequeno e não passaria de um bónus alheio à equação de viabilidade” e a própria previsão da TdM sobre “futuros rendimentos oriundos de Macau de 59 milhões de patacas revela um défice de 25 milhões de patacas nos custos de operação”.
No dia 10 de Fevereiro, em Lisboa, Maxwell insistiria em que a decisão de não participação no projecto de privatização da TdM ficasse registada em acta da empresa conjunta, a Emaudio Internacional. Acontece que quando o governador de Macau teve conhecimento dos resultados do estudo e do desinteresse de Robert Maxwell entraria em pânico. Aquele estudo inviabilizaria o interesse do sector privado pelo projecto de privatização da TdM, interesse que tinha substancialmente aumentado com a visita de Robert Maxwell ao Oriente. Pedir-nos-ia assim que o não divulgássemos. O próprio presidente da República que receberia Maxwell de novo durante a sua visita de Fevereiro, pediria isso mesmo ao empresário britânico. Mas Robert Maxwell, então de pé atrás em relação aos pedidos de Mário Soares, tendo em conta a sua insatisfação com o negócio “Ilídio Pinho“, insistira connosco para que a sua posição ficasse registada no livro de actas da Emaudio. Cometi então um erro enorme. Cedi às pressões de Melancia e de accionistas da Emaudio para escrever uma carta da empresa conjunta Emaudio–Maxwell, à Emaudio Internacional, renovando o nosso interesse na TdM. Maxwell não fora consultado sobre esta carta, destinada a impedir o afastamento de outros potenciais “compradores” com os quais o governo de Macau viesse a dividir os custos de manutenção daquela empresa.
Pouco tempo depois, em Junho, o semanário Expresso lançaria uma grande campanha contra a Emaudio, na sequência de uma acusação do ministério público contra administradores da TdM. Numa hábil mas inexistente associação da Emaudio com os gestores acusados da TdM, a nossa empresa era apontada como estando a ser favorecida, em prejuízo de terceiros, na privatização da televisão macaense. Eram evidenciados o patrocínio do presidente da República, a condição de accionista da Emaudio por parte do governador de Macau e a carta que eu escrevera renovando o interesse pelo “negócio”. E, embora não fosse difícil ver no relacionamento da Emaudio com o presidente da República e com o governador de Macau uma óbvia dose de compadrio, também a campanha do Expresso parecia na altura eivada de concorrência desleal. A Emaudio nunca tivera qualquer ligação aos administradores da TdM, que eram então acusados de questões ligadas à sua administração da empresa. A previdência cautelar que Menano do Amaral mandara reconhecer notarialmente em Setembro de 1987, aceitando a compra das acções do governador, e a transferência das mesmas alguns meses depois, provavam que o governador se tinha afastado da sua qualidade de accionista. Por outro lado, o proprietário do Expresso e concorrente da Emaudio através da SIC, Francisco Pinto Balsemão, conhecia os nossos planos em relação à TdM através de inúmeras reuniões e almoços de trabalho em que procurámos definir estratégias comuns e até cruzamento de participações.
A Emaudio não tinha à partida o menor interesse na televisão de Macau, estando exclusivamente interessada numa participação que lhe viesse a ser oferecida a título de “prémio” pelo consórcio “Maxwell–Stanley Ho–Hutchinson“. A única prestação que a Emaudio poderia fazer neste contexto seria a abertura de portas ao “consórcio” o qual, duvido, necessitasse dos seus serviços. A Hutchinson é uma das maiores empresas multinacionais, Stanley Ho é praticamente dono do território e era mais importante ao governador de Macau ter, então, contactos com Robert Maxwell do que o contrário. Maxwell tinha-se entretanto declarado desinteressado mas existia, de facto, uma contradição que o Expresso se encarregaria de evidenciar a carta da Emaudio Internacional que eu escrevera renovando o interesse pela privatização da TdM! E evidente que numa coisa o Expresso tinha razão. As autoridades portuguesas e o governo de Macau anunciavam erradamente a TdM como o negócio do século na comunicação social e, a tê-lo sido, era evidente que o envio de Carlos Melancia, enquanto accionista da Emaudio, parecia demasiado conspícuo. Maxwell tinha chegado a Soares inicialmente devido ao seu então alegado interesse pela televisão de Macau, conforme descrevera na sua carta de 11 de Março. Depois Maxwell seria recebido em Belém pelo presidente da República com grande publicidade no momento em que este magnata se associava à Emaudio, empresa que todo o país sabia ter sido lançada pelo presidente. Depois seria nomeado um homem da Emaudio para governador de Macau e, algumas semanas depois da sua tomada de posse, é anunciada a visita do empresário britânico àquele território para comprar a televisão local!
Robert Maxwell morreria em circunstâncias misteriosas em 1992, ficando conhecido como um dos grandes vigaristas internacionais por, alegadamente, ter feito desaparecer centenas de milhões de libras do fundo de pensões dos seus empregados mas, honra lhe seja feita, em relação a Portugal e a Macau, actuou sempre com correcção. Seguiu conselhos para aplicar no nosso país algum desse dinheiro, mas desses investimentos só resultariam prejuízos e, em Macau, seria colocado perante um logro. Quando Maxwell teve conhecimento, pelo Expresso, da carta que eu enviara, a pedido do governador, renovando o interesse da Emaudio ficaria furioso comigo e com Mário Soares, a quem só prometera não revelar os resultados do estudo que inviabilizava a TdM. Em todo este processo de tráfico de influências que aquele semanário denunciaria, a Emaudio nenhum crime cometeu, mas nem o presidente da República nem o governador de Macau alguma vez diriam uma palavra em abono dos administradores que, pela primeira vez, apareciam enxovalhados aos olhos da opinião pública. O caso TdM seria contudo o princípio do fim da estratégia política associada ao projecto Emaudio e ao governador de Macau. Com a queda de Constâncio em 1988, a situação iria mudar no seio do PS num sentido favorável às pretensões do presidente da República e Robert Maxwell perderia o interesse por Portugal.
Pouco depois da tomada de posse de Carlos Melancia, eu receberia instruções da secretária do presidente da República, Osita Eleutério, para receber o “camarada” Strecht Monteiro. Aparentemente Menano do Amaral recebera instruções no mesmo sentido uma vez que, sem eu ter tido qualquer contacto com o referido “camarada”, apareceria no meu gabinete da rua da palmeira [20] na sua companhia, em fins de Setembro. Verifiquei então que Menano do Amaral o conhecia desde os seus tempos de gestor do partido como um dos seus “beneméritos”. António Strecht Monteiro era filho de um militante do PS amigo de Mário Soares que tinha sido deputado à assembleia constituinte e tinha entrado em contacto com o presidente da República na qualidade de representante de uma empresa pública alemã, a companhia do “aeroporto de Frankfurt” que há anos vinha fazendo estudos e projecções para o governo de Macau. Vivera inúmeros anos naquele país tendo, após o 25 de Abril, trabalhando como mediador de empresas alemãs interessadas em Portugal e em Macau. A administração da companhia do “aeroporto de Frankfurt“, aparentemente designada pelo governo do estado alemão de Hessen, era predominantemente ligada ao SPD. Tinham trabalhado, enquanto consultores, em Macau com os governos de Almeida e Costa e Pinto Machado mas a súbita mudança de governador levantara-lhes dúvidas quanto à continuação dos estudos que ali vinham fazendo há anos [21]. Por detrás do contacto de Monteiro estava o SPD e aparentemente Mário Soares parecia ver com bons olhos a continuação daquela empresa no território. Assim, um dos administradores da empresa alemã, de nome Mucke, viria a Lisboa acompanhado de Strecht Monteiro para confirmar o seu interesse em continuar associado ao projecto do aeroporto de Macau, disponibilizando-se desde logo para dar uma contribuição ao PS, à fundação das Relações Internacionais ou a quem o presidente da República determinasse. Eu limitar-me-ia a transmitir o contacto havido, quer a Mário Soares, quer a Carlos Melancia e a contactar Otto Georg, do SPD, a respeito daquele assunto e sobre o administrador Mucke. Em resposta este informar-me-ia a 13 de Outubro que “o Sr. Mucke iria abordar a questão do aeroporto de Macau na semana seguinte com o presidente Soares” mas, aconselhava a que este se não envolvesse neste assunto em virtude da mudança de administração do SPD para a CDU. Eu notaria, contudo, que Melancia era, de qualquer modo, pouco receptivo ao “aeroporto de Frankfurt” porque, segundo ele, essa empresa andaria há anos no território com estudos infindáveis e que, apesar da conotação política dos alemães, não seria correcto associar os homens que faziam esses estudos à continuação da obra.
No dia 7 de Janeiro de 1988, Raul Junqueiro, João Tito de Morais e eu tínhamos uma reunião em Macau com os homens de Maxwell que ultimavam o estudo sobre a TdM e com a Hutchinson Telecom em Hong–Kong, com a finalidade de uma associação desta empresa à Neotec na área das comunicações móveis. Carlos Melancia viera a Portugal passar o natal e regressaria a Macau a 5 de Janeiro com familiares e alguns acessores. Decidiríamos então viajar juntos na Lufhansa via Frankfurt. Eu aproveitaria para informar telefonicamente Strecht Monteiro de que me desligava da questão do “aeroporto”, uma vez que era assunto que me não dizia respeito e porque detectara diferenças de opinião entre Mário Soares e Carlos Melancia, que poderiam ser abordadas directamente com o governador no dia 5, em Frankfurt, uma vez que ali iria passar algumas horas à espera da sua ligação para Hong–Kong. De facto, à chegada àquele aeroporto Carlos Melancia e toda a sua comitiva seríamos “sequestrados” pelas relações públicas do aeroporto num salão privado onde se encontrava o administrador que eu conhecera em Lisboa. Falaria durante algum tempo com Melancia, despedindo-se depois. Seria a última vez que eu o via. O então governador queixar-se-ia de o termos colocado na desagradável situação de ter que dizer àqueles administradores que considerava incompatível a sua continuação no âmbito do aeroporto, ao que eu responderia que teríamos sido nós os colocados numa situação desagradável, ao sermos envolvidos num assunto que não nos dizia respeito e sobre o qual nenhum poder de decisão tínhamos. Melancia concordaria, desculpando-se com o facto de não ter sido ele a enviar-nos Strecht Monteiro.
Durante esta viagem Carlos Melancia informar-me-ia também pela primeira vez que pretendia ser remunerado pela sua posição no projecto Emaudio e que pretendia igualmente os seus dez mil contos, dos quarenta que recebêramos no ano anterior pelo trabalho de viabilização de uma empresa que entretanto tinha sido vendida. Disse-me que, como era óbvio, ele não regressaria à Emaudio e que tinha falado deste assunto com Mário Soares e com Menano do Amaral durante o jantar de despedida. Na altura, tínhamos decidido que os quarenta mil contos seriam para investir no projecto Emaudio, mas como ele teria mesmo que se afastar a situação teria de ser revista. Quanto à remuneração pela sua posição haveria que reunir a Emaudio e discutir o assunto com Mário Soares. Decidiríamos, assim, dividir aqueles quarenta mil contos, segundo as disponibilidades de tesouraria do fundo comum para investimentos no projecto Emaudio que os três administradores geriam. Menano do Amaral retiraria primeiro os seus dez mil contos, enquanto Tito de Morais e eu já tínhamos retirado anteriormente mil duzentos e cinquenta contos cada. No dia 7 de Março, graças às disponibilidades existentes, seriam retirados os restantes vinte e sete mil e quinhentos contos e mandados depositar na minha conta. Como Melancia estava então em Macau e Tito de Morais se encontrava no Brasil, eu transferiria no dia seguinte para as suas respectivas contas a parte que lhes competia. Dez mil contos para a de Carlos Melancia e oito mil setecentos e cinquenta para a de João Tito de Morais.
As eleições no estado de Hessen em 1988 dariam a vitória ao CDU e a administração do aeroporto de Frankfurt seria, de facto, alterada deixando Strecht Monteiro “desempregado”. Assim não perderia tempo e em 28 de Abril convidar-nos-ia para um jantar no restaurante Gambrinus a fim de conhecer um outro alemão de nome Peter Bier director da empresa alemã de estudos e consultoria Weidleplan. Peter Bier informar-nos-ia de que a sua empresa tivera relações com o anterior regime em projectos relacionados com o “aeroporto de Lisboa” e que gostariam de regressar a Portugal. Strecht Monteiro tê-los-ia encorajado a vir a Lisboa falar connosco, dadas as grandes oportunidades que se abriam em Macau. Pediam-nos apenas que lhes abríssemos portas, dado o receio de poderem vir a ser conotados com a gente do anterior regime. Menano do Amaral monopolizaria então a conversa com ele para discutir uma eventual associação à empresa Neotec, que estava em negociações com a Hutchinson de Hong–Kong e com a Italgenco, do grupo estatal IRI italiano. Eu nunca ligara muito às questões técnicas e a Neotec era-me um pouco indiferente, mas sei que Menano do Amaral, Raul Junqueiro e Júlio Rendeiro, principais animadores daquela empresa, estavam interessadíssimos em participar com ela na modernização dos caminhos-de-ferro portugueses, nas telecomunicações móveis e nas novas tecnologias, tendo mesmo já adquirido uma participação numa empresa de “páginas amarelas” [22]. E como era habitual nestas situações, o alemão Peter Bier prometeria um donativo político de cinquenta mil contos à organização que lhe indicássemos. E uma vez mais, como sempre acontecera, informámos Mário Soares, os sócios da Emaudio e, à semelhança do que se passara com o “aeroporto de Frankfurt“, Carlos Melancia, todos concordando com a proposta desde que a Weidleplan estivesse disposta a submeter-se às regras e aos eventuais concursos. E, como sempre acontecera com este tipo de contribuições, não haveria contratos a assinar nem trabalhos de fundo a efectuar. Éramos autorizados a abrir portas e fazer apresentações e a receber o donativo que deveria naturalmente reverter para financiar os projectos da Emaudio. Tudo o resto não nos dizia respeito. As decisões não competiam à Emaudio. Mas desde já e partindo do princípio que é assim que funcionam as “organizações políticas” em Portugal, onde o tráfico de influências era tolerado pela lei, é importante dizer que, pelo menos na minha frente, nunca foi exigida qualquer garantia de sucesso para as pretensões da Weidleplan, nem nunca nenhuma seria dada. Strecht Monteiro, dada a sua longa experiência de contactos no território de Macau, poderá ter prometido algo aos seus novos “patrões” que desconheço. Mas quer ele quer a Weidleplan, ao tomarem a iniciativa de contactar a Emaudio faziam-no com o conhecimento de que esta estava ligada a um projecto político da área do Partido Socialista e intimamente ao presidente da República, que meses antes ali enviara aquele intermediário.
O governador Carlos Melancia concordaria em receber os representantes daquela empresa alemã, tendo em Maio Peter Bier e Strecht Monteiro sido recebidos pelo secretário do governo de Macau responsável pelo projecto do aeroporto, Luís Vasconcelos, que lhes exporia pormenores sobre o projecto em curso para o aeroporto. Eu não conhecia Vasconcelos, mas pareceu-me normal que o governador tenha encaminhado os alemães desde logo para a pessoa responsável. Estes, contudo, queriam ser recebidos ao mais alto nível, tendo então Melancia acabado por recebê-los em Outubro. Eu próprio após conversa que tivera com Stanley Ho, indicaria a Strecht Monteiro que era estratégia do governo de Macau constituir um consórcio para a construção e gestão do aeroporto e que o governador já tinha assegurados vários investimentos nesta área, incluindo uma participação do próprio Stanley Ho. Um pouco ingenuamente, sugeri-lhe que o melhor caminho para influenciar os acontecimentos seria a Weidleplan fazer um investimento naquele consórcio, dado que o governo de Macau procurava desesperadamente investidores para os seus projectos. Indicar-lhe-ia uma série de nomes de empresas que pareciam interessadas, segundo a conversa que tivera com o mencionado empresário de Hong–Kong, sem eu próprio compreender muito bem as diferentes componentes e fases do projecto do aeroporto. Que aliás em nada me interessavam. Mas parecia-me lógico que a melhor maneira de alcançar bons lucros seria pela via do investimento. Só que, como se tornaria evidente a Weidleplan não estava interessada em investir para além do donativo de cinquenta mil contos que prometera.
Em finais de 1988, Vítor Constâncio anunciaria a sua intenção de se demitir de secretário-geral do PS, tendo o meu sucessor no pelouro das relações internacionais, Jorge Sampaio, desde logo anunciado a sua intenção de se candidatar ao lugar no oitavo congresso, que seria marcado para Janeiro de 1989. Entretanto, com o escândalo do chamado “caso TdM” era visível a perda de interesse de Robert Maxwell em concretizar os compromissos assumidos. Continuava a pagar despesas correntes, mas não avançava com os prometidos milhões para lançar jornais e televisão. Apareceriam contudo duas propostas de investimento que poderiam colmatar o desinteresse do magnata britânico. Do magnata chinês Stanley Ho, com quem Menano do Amaral e eu discutiríamos vários cenários de investimento durante uma visita efectuada a Hong–Kong com essa finalidade e que, após consulta ao presidente da República, que ele sintomaticamente apelida de “boss”, nos comunicaria a sua intenção de investir na Emaudio. A segunda proposta seria primeiro anunciada como intenção por parte do presidente da assembleia geral, Almeida Santos, e viria da Interfina. Menano do Amaral e João Tito de Morais começariam assim de imediato a discutir com o presidente do conselho de administração daquela empresa, Ferro Ribeiro, os pormenores da participação da sua empresa.
Em princípios de Dezembro, eu iria de novo a Hong–Kong com Raul Junqueiro a convite de Stanley Ho e para conversas com a Hutchinson, tendo sido convidados para almoçar por Carlos Melancia. Este queria essencialmente receber a compensação da sua saída da Emaudio e que tinha entretanto sido fixada em trinta mil contos. Quem é que fixou aquele montante? Não sei, mas todos os accionistas da Emaudio achariam ser justo e Mário Soares tão pouco se oporia. Naquela altura ainda não era perceptível se o desinteresse de Maxwell seria temporário ou definitivo, até porque em Junho, após reunião em Londres, Maxwell acompanhado pelo seu advogado Paulo Marques assinaria novo acordo e comunicaria à imprensa a “criação de uma grande empresa gráfica com a CEIG/Emaudio“, o “lançamento de um novo jornal diário em Portugal, de difusão nacional, intitulado 24 Horas” e o “estudo económico para o lançamento de um canal europeu de televisão via satélite em português”. A 15 de Dezembro, no meu regresso do encontro com Melancia, o acordo de Junho seria reafirmado também em Londres, através de novo protocolo em que se afirma que o projecto da gráfica, entretanto pronto e à espera de capitalização, seria “desenvolvido através da Imprinter” e acompanhado por “auditores internacionais”, designando desde logo Maxwell a Coopers and Lybrand para iniciar o trabalho de avaliação da CEIG e definir a contribuição das duas partes. Nessa altura, só a Imprinter possuía um capital de trezentos mil contos, que iria ser aumentado para mais de um milhão de contos, existia uma licença para uma estação de rádio, vários acordos assinados com grandes empresas internacionais, um protocolo assinado com o empresário Ilídio Pinho e a Emaudio possuía um prédio avaliado em mais de trezentos mil contos. Além disso, Melancia era conhecedor da intenção de Stanely Ho e da Interfina quando definira a remuneração da sua parte da Emaudio em trinta mil contos. Eu informá-lo-ia aliás da minha visita a Londres onde me encontraria com Maxwell e de que, depois, passaria em Stuttgart a caminho da Áustria onde normalmente faço férias de inverno para praticar esqui. A paragem para almoçar naquela cidade alemã, partira de um convite de Strecht Monteiro e tinha a finalidade de me apresentar o dono da Weidleplan, Richard Weidle. Era minha tarefa lembrá-lo que tinha prometido oito meses antes uma contribuição à Emaudio de cinquenta mil contos! Pouco tempo antes tinha sido divulgada em Macau uma pequena publicação definindo as grandes linhas do projecto do aeroporto, que o governo daquele território estava ansioso por divulgar a investidores e empresas interessadas. Oferecer-me-ia um exemplar que eu, depois, entregaria ao dono da Weidleplan. Era baseada nos estudos efectuados pelo “aeroporto de Frankfurt” e Richard Weidle já tinha conhecimento da mesma, mas como para mim não tinha o menor interesse dar-lhe-ia também aquele exemplar.
No dia 22 de Dezembro pelas seis horas da manhã eu partiria de Bruxelas com a Gunilla, a minha irmã e o meu cunhado, na sua viatura, a caminho da Áustria. Deveríamos ali encontar-nos com outros amigos suecos. Um deles deveria ter sido Bernt Carlsson, ex-secretário-geral da Internacional Socialista, que estivera no verão connosco em Portugal e manifestara o desejo de passar o Natal na neve connosco. Bernt Carlsson era então alto comissário da ONU para a Namíbia e, dois dias antes, enquanto eu estava em Londres, comunicara ao meu cunhado que não poderia juntar-se-nos devido a uma importante reunião sobre a Namíbia em Nova Iorque. A caminho de Stuttgart, onde deveríamos parar para almoçar, receberíamos a notícia do abominável atentado ao voo da Pan American, que caíra sobre a pequena cidade de Lockerby na Escócia. A Gunilla e eu celebrávamos nesse dia 19 anos de casados e, umas horas depois, teríamos conhecimento de que Bernt Carlsson era uma das vítimas daquele acto de terrorismo. Não seria um dia muito alegre para nós, aquele 22 de Dezembro. Em Stuttgart almoçámos todos num hotel a convite de Strecht Monteiro e, depois, enquanto os meus familiares esperavam, subi com Strecht Monteiro à sede da Weidleplan onde conheceria Richard Weidle. A visita que seria de mera cortesia demorou dez minutos no máximo, tendo ele pedido desculpa por não estar presente Peter Bier, que eu conhecera em Lisboa. Eu lembrar-lhe-ia que Peter Bier prometera cinquenta mil contos à Emaudio e ele disse que em breve entrariam em contacto connosco sobre o assunto.
A nossa estadia na Áustria seria interrompida logo que soubemos que meu pai adoecera e fora internado de emergência em Lisboa, onde os meus pais passavam o Natal. Cheguei assim a Lisboa no dia 3 de Janeiro. No dia cinco a minha secretária telefonou-me dizendo que Strecht Monteiro pretendia encontar-se comigo sem falta. Que eu sabia do que se tratava. Quando ali cheguei já este se encontrava com Menano do Amaral. Tinha um cheque da Weidleplan em marcos emitido em seu nome e com obrigatoriedade de depósito, que pretendeu entregar-nos da parte de Richard Weidle. Menano do Amaral, responsável pelo administração financeira, recusou-se a recebê-lo alegando o facto de não vir emitido à Emaudio ou à FRI. Pedi então à directora administrativa que contactasse o banco, para saber o que fazer. O funcionário daquele banco, o Chase Manhattan em Lisboa, informaria que seria melhor ser Strecht Monteiro a depositar o cheque, já que vinha emitido em seu nome, podendo depois transferir aquela quantia para a conta da Emaudio. Strecht disse que ele próprio trataria do assunto e saiu disparado. Telefonaria mais tarde dizendo que tinha resolvido o assunto com o seu banco de Santa Maria da Feira, pedindo se o meu motorista o poderia ir buscar ao aeroporto no dia seguinte. E assim aconteceria. No dia seguinte apresentar-se-ia na rua da palmeira com um saco donde retiraria massos de notas de cinco mil escudos, no total de cerca de cinquenta mil contos. Estariam presentes inicialmente João Tito de Morais e eu, chegando Menano do Amaral no momento em que eram contados os maços. Ao mesmo tempo que Strecht Monteiro partia com o seu saco, muito pouco tempo depois de ter chegado, seriam entregues numa pasta de cabedal 31 mil contos à directora administrativa que, juntamente com um cheque de quatro mil contos que Menano do Amaral trouxera consigo, os iria depositar na conta da Emaudio e transferir para a Portopress, a empresa editora da “face”, do Notícias de Primeira Página, do Autosport e do Blitz. Esta verba oriunda da Weidleplan, embora depositada para realização do capital de todos os accionistas da Emaudio na Portopress, seria essencialmente utilizada para pagamento de salários de jornalistas e aquisição de papel de jornal. Os restantes cerca de 19 mil contos seriam guardados na casa forte na cave da empresa e, alguns dias depois, depositados igualmente na conta da Emaudio. Este episódio aconteceria numa altura de grande perturbação para mim e alguns dos seus contornos são um pouco nebulosos. Não porque, tanto quanto eu sei, a entrega daquela contribuição tivesse algo de invulgar — era exactamente igual a tantas outras que ocorreriam no âmbito do PS e das suas fundações, ao longo de inúmeros anos —, mas porque estava mais preocupado com a súbita doença de meu pai, que viria a falecer no dia 10 de Janeiro. Não tivesse sido esse triste acontecimento e a entrega do donativo político da Weidleplan teria ocorrido na minha ausência. A data e método de entrega seriam da exclusiva responsabilidade dos alemães e do seu representante, Strecht Monteiro.
Quando Menano do Amaral e eu nos encontrámos com Stanley Ho em Dezembro, ele não só declararia a sua vontade de investir na Emaudio como afirmara poder adiantar cem mil contos até à concretização da sua participação no capital da Emaudio. Esta estaria, em princípio, prevista para uma sua visita a Portugal em 1989. Curiosamente, a 13 de Janeiro emendaria a sua oferta do mês anterior, condicionando aquele adiantamento a uma caução sobre o edifício da Emaudio. Pouco tempo depois, Mário Soares convocaria os accionistas da Emaudio para um almoço de trabalho na sua casa de Nafarros. Só não estaria presente Raul Junqueiro. Seria feita uma análise dos projectos em curso, das disponibilidades do grupo, das relações com Maxwell que, pela primeira vez começavam a levantar dúvidas, e das intenções de Stanley Ho e da Interfina. Pouco tempo antes tinham sido recebidos os cinquenta mil contos da Weidleplan e outras contribuições por intermédio de Almeida Santos, e seria dada luz verde ao pagamento dos trinta mil contos pedidos por Melancia segundo as disponibilidades do grupo. Mário Soares acusaria então a administração da Emaudio de estar a ser alvo de muitas críticas e de, após o caso TdM, estar ele próprio em declínio de popularidade. Depois diria querer alterar o projecto, exigindo que eu lhe entregasse as sessenta mil acções da fundação de Relações Internacionais e das quais, por sua própria sugestão, eu era fiel depositário, enquanto presidente daquele instituto.
A eleição de Jorge Sampaio para secretário-geral do PS, em Janeiro, alteraria profundamente o relacionamento da direcção do partido com o seu ex-secretário-geral, aparecendo Sampaio muito mais permeável às pretensões de Soares do que acontecera com Vítor Constâncio. Uma evolução de aumento das forças “soaristas” dentro do aparelho tornaria desnecessário qualquer conflito e dispensaria o contributo político de Carlos Melancia. Que aliás começava a demonstrar maior aptidão para um final de carreira na área empresarial. Sampaio mostraria os seus dotes políticos ao habilmente resolver um dos maiores problemas com que o PS se via confrontado naquela altura. Anunciaria a sua candidatura à presidência da Câmara Municipal de Lisboa e a necessária abertura para que o accionista da Emaudio, João Soares, o acompanhasse como número dois da sua lista. A Emaudio poderia assim concentrar-se nos seus projectos e começar a ganhar dinheiro em vez de se meter na política, sendo aliás as perspectivas, com a manifestação do interesse da Interfina, de Stanley Ho e de Ilídio Pinho bastante animadoras. E, mesmo que Maxwell viesse a confirmar o que parecia ser um certo desinteresse, os financiamentos anunciados seriam tais, que a Emaudio não teria dificuldades em concorrer com a SIC. Por outro lado, a fundação de Relações Internacionais, que fora nos últimos anos o refúgio político de Mário Soares, passaria a ser dispensável, com a criação da fundação Mário Soares, então já na forja entre os seus novos colaboradores. O que então parecia indispensável era a maioria das acções da Emaudio e o património da CEIG.
Eu não teria compreendido tão facilmente o que estava por detrás da exigência de Mário Soares, habilmente aconselhado por Almeida Santos e Carlos Monjardino, se não fosse Menano do Amaral ter-me dito o que estava em preparação. A partir daí bastaria juntar os dados disponíveis. Menano do Amaral estava então profundamente magoado com o seu grande amigo Mário Soares. Para além de todos os anos de íntimo relacionamento na sensível área das finanças do PS e do MASP, Soares enviara-o a Macau logo após a sua eleição e, das contrapartidas obtidas, prometera-lhe um lugar na administração da futura fundação Oriente. O ex-gestor do PS não tinha grandes ambições e sonhava reformar-se num confortável lugar de administrador daquela fundação. A promessa não seria contudo cumprida e, despeitado, contar-me-ia parte dos planos para a nova fundação Mário Soares e para a Emaudio. O resto seria fácil de imaginar.
Em Dezembro, Stanley Ho oferecera-se para adiantar cem mil contos e concretizar a sua participação na Emaudio durante a visita que previa fazer a Portugal, três meses depois. A 13 de Janeiro o mesmo empresário condicionaria o seu adiantamento à hipoteca da Emaudio. Quando veio a Portugal, já em Março de 1988 tinha assumido o compromisso de visitar a Emaudio para concretizar a participação da STDM mas não apareceria. Pelo contrário encontrar-se-ia com Mário Soares na cidade da Guarda. Desculpar-se-ia depois com uma súbita indisposição. Em finais de Janeiro, Mário Soares exigiria que eu lhe entregasse as sessenta mil acções da FRI para alterar o projecto Emaudio, embora não dissesse como o pretendia fazer. Em Maio, após exigência da minha parte, a Interfina confirmaria por escrito o seu interesse em subscrever pelo menos 30 % do capital da Emaudio. Almeida Santos, presidente da assembleia geral da Emaudio convocaria então formalmente, a 24 de Maio, os accionistas para uma reunião no mês de Julho, destinada a aumentar o capital da Emaudio, de cem mil para dois milhões de contos com a entrada da Interfina. Em 16 de Maio, Menano do Amaral deslocar-se-ia a Hong–Kong para um encontro com Stanley Ho, que o informaria então pretender concretizar a sua entrada na Emaudio através da Interfina. Eu recusaria a entrega das acções a Mário Soares enquanto não fosse devidamente esclarecido das alterações a efectuar no projecto Emaudio e da maneira como essas alterações me iriam afectar. No dia 21 de Janeiro, Almeida Santos, reunia comigo e com Menano do Amaral na rua da palmeira e dar-me-ia o “conselho de amigo” de evitar uma confrontação com Mário Soares sobre esta matéria. O “braço-de-ferro” ser-me-ia prejudicial, disse-me!
No dia 26 de Janeiro, Menano do Amaral concordaria em fazer a Melancia o primeiro pagamento de doze dos trinta mil contos pretendidos. João Tito de Morais, que mantinha com Melancia uma relação de maior intimidade pessoal, recebera instruções para depositar aquele dinheiro numa conta bancária de sua mulher. Aparentemente, o então governador estava num processo de separação da sua primeira mulher e não quereria misturar esta verba nas suas contas pessoais. As especulações à volta do chamado caso TdM também terão pesado. Menano do Amaral, sempre cauteloso e desconfiado, em vez de o mandar depositar logo na conta indicada enviá-lo-ia a uma empresa de cobranças de um amigo seu, que trocaria aquele dinheiro por um cheque que depois seria depositado. Em Abril, ser-lhe-iam pagos quatro mil contos por cheque da conta conjunta que os administradores da Emaudio utilizavam para investimentos e despesas correntes dos vários projectos. Os restantes 14 mil contos seriam levantados por João Tito de Morais em data que não posso precisar. Tito de Morais tinha negócios particulares com Melancia e embora tivesse levantado inicialmente este dinheiro a título de empréstimo pessoal, viria posteriormente a exigir que o mesmo fosse creditado à divida a Melancia. Evidentemente que nem tudo seria tão simples. Da minha parte não se tratava de reconhecer ou não a compensação a Melancia pelo seu afastamento da Emaudio mas sim saber se era justo compensá-lo por um projecto que estava em vias de ser alterado e saber qual o seu próprio papel nas alterações que se pretendiam imprimir à Emaudio. Eu não me oporia ao pagamento, até porque o dinheiro não era meu, mas nada teria que ver com as datas e a metodologias utilizadas para os efectuar.
A Weidleplan, uma das duas empresas que se apresentariam como interessadas num contrato com o governo de Macau para consultora do gabinete do Aeroporto Internacional de Macau, seria desclassificada no dia 12 de Maio, data em que o então governador de Macau, Carlos Melancia, aprovaria o contrato a celebrar com a empresa vencedora, Aeroportos de Paris. Os meus contactos com aquela empresa foram muito esporádicos e, a partir da sua desclassificação naquela data, terminariam. Não havia razão para ser de outra maneira. Seriam eles a entrar em contacto com a Emaudio no seguimento de instruções, a sua contribuição financeira fora integralmente aplicada em projectos da Emaudio e eu nunca lhes prometera ou garantira o que quer que fosse, além da apresentação ao governador de Macau. E até essa apresentação fora devidamente autorizada.
Em Maio. no seguimento de um encontro entre o presidente do conselho de administração do grupo Interfina, Menano do Amaral e João Tito de Morais, aperceber-me-ia de que a proposta de participação desta empresa na Emaudio era demasiado generosa para ser genuína. Um milhão e novecentos mil contos por trinta por cento das acções da Emaudio, que tinha então um capital de cem mil, era o que se chama, de facto, um negócio da China! Além disso chegaria ao meu conhecimento o rascunho de um “memorando” no qual se previa (ou pelo menos se discutia à minha revelia) a participação da Emaudio, junto com a Interfina e com Stanley Ho, no colossal projecto de alargamento e desenvolvimento urbanístico da Baía da Praia Grande. Era fácil perceber, neste contexto, porque é que as sessenta mil acções da FRI, que estavam na minha mão, eram tão desejadas. Também seria fácil perceber porque é que Carlos Melancia, meses depois, teria uma actuação tão ambígua em relação à empresa que afinal deixara e da qual já tinha recebido os seus trinta mil contos. Na hipótese mais simples, que seria a de eu ceder à exigência de entregar as acções da FRI, a Interfina entraria no dia 20 de Julho com 1,9 milhões de contos para a Emaudio, passando os meus cinco por cento a valer cem mil contos.
Mas, como eu não entregaria as acções, passaria a estar sujeito à táctica da “cenoura e do cacete”. Carlos Melancia encontrar-se-ia comigo, com Menano do Amaral e João Tito de Morais em fins de Junho e em 4 de Julho. Segundo ele, a Interfina só entraria na Emaudio depois de eu entregar as acções. Por outro lado, Stanley Ho confirmara-lhe poder adiantar os cem mil contos que tinha prometido em Dezembro do ano anterior e que, em Julho de 1989, seriam fundamentais para o andamento dos projectos da Emaudio. Entretanto sugeriria uma nova versão que facilitava a entrega das acções sem que a FRI ficasse completamente depauperada. Uma nova empresa a constituir com a Interfina ficava com a maioria do capital da “Emaudio“, ficando assim a FRI com qualquer coisa. Eu não aceitaria esta ideia, que era uma maneira hábil de extinguir a Emaudio com prejuízo para as posições individuais dos accionistas. Aceitaria, contudo, naquela data, desligar-me da Emaudio e da fundação de Relações Internacionais, entregando as acções a quem Mário Soares entendesse, com duas condições: Que fossem pagos todos os salários do grupo e, em especial, os dos jornalistas na Portopress que estavam em atraso e me fossem pagas as minhas acções por valor igual àquele que Melancia tinha recebido. Menano do Amaral assumiria posição idêntica. No dia 4 de Julho, Carlos Melancia, falando em nome de Mário Soares, disse-me que sim e o administrador-delegado da Imprinter, José Lobato, que deveria estar comigo no dia seguinte em Londres para uma reunião com Robert Maxwell, receberia instruções para seguir de Londres para Hong–Kong, a fim de trazer os meios necessários à resolução dos compromissos assumidos, presumo que através do falado adiantamento. Eu pela minha parte, logo que regressei de Londres entraria em contacto com uma importante firma de advogados de Lisboa, que consultaria sobre a questão da transferência das acções. Estava eu exactamente com o referido advogado, no dia 13 de Julho, quando José Lobato e João Tito de Morais informaram que tinham recebido instruções para só resolver as questões discutidas, incluindo o pagamento de salários, com a entrega antecipada das acções. Segundo me contaria a minha secretária, Ana Paula, a reunião parece ter terminado em altos berros com o abandono de João Tito de Morais. Nessa tarde, ao tomar conhecimento, acordaria Melancia em Macau para saber o que se passara afinal. Responder-me-ia que a mudança se devera a novas ordens que tinha recebido. De quem, nunca me disseram, mas João Tito de Morais declararia, mais tarde, em tribunal, que “a partir de 1989 a figura de Rui Mateus deixara de merecer consenso, pois não representava a imagem de marca empresarial de um grande projecto como a Emaudio necessitava. Assim a possibilidade de grandes negócios estava dependente da sua entrega das sessenta mil acções. O facto de recusar a entrega dessas sessenta mil acções levou a uma ruptura no seio da Emaudio, passando o “grupo” a asfixiá-la e, por essa via, a Rui Mateus e Menano do Amaral. Esta estratégia, conduzida a partir da CEIG por advogados contratados, incluiu o despedimento do administrador [23] que na Imprinter representava a Emaudio e toda uma série de acções conducentes ao estrangulamento económico da Emaudio e da influência que, por seu intermédio, Rui Mateus poderia exercer nas participadas” tendo-lhe ainda o filho do presidente da República afirmado “que só regressaria à Emaudio quando Rui Mateus deixasse de exercer a maioria dos votos consignados nas 60 mil acções”. [24]
No dia 20 de Julho de 1989, reunida a assembleia geral da Emaudio, na rua da palmeira, sob a presidência de António de Almeida Santos, eu, que chegara de férias no Algarve uma hora antes, seria aconselhado a ler como minha uma declaração que Menano do Amaral tinha preparado na minha ausência. Nela declarava a minha oposição à entrada da Interfina na Emaudio por estar convencido de que o seu interesse na Emaudio estava condicionado a contrapartidas e desconhecer a origem dos fundos para concretizar aquela associação. Estava declarada a guerra total! No dia seguinte, Menano do Amaral e eu reuniríamos com Mário Soares, às 9 horas da manhã, na sua casa do Campo Grande. Exigimos uma reunião com todos os sócios da Emaudio a fim de se decidir a liquidação e acertar as contas. Nunca teria lugar! Poucos dias depois, a CEIG, pelo punho de Gustavo Soromenho e de João Tito de Morais, enviaria à Emaudio um autêntico ultimato, exigindo a entrega da sua participação na Imprinter e iniciaria a estratégia que Tito de Morais mais tarde revelaria em tribunal. No dia 2 de Agosto comunicaríamos a Mário Soares, em almoço de trabalho no Palácio de Belém, a que assistiria também Almeida Santos, a nossa decisão de entregar o património da Emaudio ao Partido Socialista e pedindo de novo uma reunião conjunta para acerto de contas que incluía obviamente o pagamento de todas as dívidas pendentes e a anulação do pagamento a Carlos Melancia por conta das suas acções. Mário Soares nomearia então Almeida Santos e seu filho para proporem uma solução e mediarem o conflito, acabando João Soares por desistir. Menano e eu reuniríamos também então com Jorge Sampaio na sua residência ao Parque Eduardo VII, estando Nuno Berderode também presente nas duas reuniões. A posição da Emaudio na Imprinter viria assim a ser entregue por um escudo ao Partido Socialista, assumindo esta empresa o património e encargos da Portopress. Quanto ao acerto de contas nunca teria lugar.
Foi neste clima que Strecht Monteiro seria recebido na quase moribunda Emaudio, a 16 de Outubro. Pressionado pelos alemães, determinados a utilizar a conhecida subtileza germânica para “cobrar” a sua contribuição política, Strecht Monteiro alegaria ter tido, na companhia de Peter Bier, uma reunião com o então governador, a 5 de Julho, ocasião em que este os terá encorajado a insistir na tentativa de obtenção de um contrato no território que ele controlava. Eu não falava com Monteiro nem com a Weidleplan desde pelo menos Maio e não tivera conhecimento de nenhuma reunião com Carlos Melancia. Estivera com ele no dia 4 de Julho tendo, no dia seguinte, partido para Londres. Também falara no dia 4 pela última vez com João Tito de Morais que, alegadamente, também falara com eles. Ninguém me referira a reunião do dia 5 de Julho e muito menos as promessas que ali teriam sido feitas nem porque razão seriam então feitas promessas. Menano do Amaral, que estivera todos os dias na Emaudio durante a minha ausência, também desconhecia este encontro. Acontecia que Strecht Monteiro, que antes era recebido por toda a gente e até pela presidência da República, agora alegava que nem João Tito de Morais, nem o então governador, nem Belém o atendiam. E que estaria desesperado porque os alemães o não largavam e que ou eram recebidos pelo governador, ou queriam o dinheiro de volta. Eu dir-lhe-ia que se o governador não atendia a Weidleplan e lhes prometera algo, então que lhe enviassem um fax. Ofereci-me logo para lhe dar o número de fax de casa do governador que pediria à minha secretária, tendo-me esta informado que ainda há pouco tempo o tinha fornecido a Strecht Monteiro. Este confirmaria então já possuir o número [25]. Strecht Monteiro tinha por hábito telefonar à minha secretária por tudo e por nada e sempre que queria alguma informação, chegando mesmo a querer oferecer-lhe pequenas prendas. Fora assim que conseguira o número da residência do governador, que constava das agendas telefónicas de todas as secretárias de Belém e da Emaudio. Como facilmente se poderá imaginar, naquela altura eu não estava exactamente na melhor das relações com Mário Soares ou Melancia. Estava, muito pelo contrário, furioso e, num aparte, acrescentei que aproveitasse para lhe pedir a ele o dinheiro, uma vez que tinha ficado com ele. Eu referia-me evidentemente às contas que queria ver feitas e em relação aos recentes acontecimentos no seio do grupo Emaudio, que entretanto contara pormenorizadamente a Strecht Monteiro. Sugeri-lhe, entretanto, que para chegar ao presidente com aquela questão, talvez fosse mais sensato fazê-lo por intermédio de Almeida Santos. Como se poderá imaginar, em virtude do conflito entre nós, nunca Mário Soares receberia Strecht Monteiro e, muito menos, através de um pedido meu. Dois dias depois, quando cheguei ao meu gabinete, tinha em cima da secretária uma cópia de um fax que a Weidleplan enviara a Carlos Melancia. Nele lamentavam não terem “ainda recebido qualquer resposta (do então governador) referente ao projecto do aeroporto de Macau” e, salientando terem cumprido os desejos de Melancia “em termos financeiros”, pediam para reaver o dinheiro gasto. Aproximadamente cinquenta mil contos pagos “de acordo com as suas instruções” e juros de 9%! O texto correspondia de um modo geral à conversa que Menano do Amaral e eu tivéramos com Strecht Monteiro dois dias antes, mas nunca acreditara que empresários sérios alguma vez chegassem ao ponto de transformar a intriga que lançáramos em semelhante acto de coacção para tentarem conseguir encontrar-se com o governador e convencê-lo a dar-lhes uma contrapartida pela sua dádiva política à Emaudio. O dinheiro não fora entregue a Melancia e, quando em Abril de 1988 Peter Bier oferecera uma dádiva à Emaudio ou a quem o presidente da República decidisse, Melancia nem sequer os conhecia. O primeiro encontro com Melancia só teria lugar de forma aberta em Macau, seis meses depois.
Era óbvio que o fax nunca fora escrito e assinado com intenção de ser divulgado, nem tão pouco com a intenção de recuperar o dinheiro. Mas poderia facilmente ser interpretado como um acto de coacção que o então governador de Macau, se quisesse, teria podido accionar imediatamente a seu favor. Nunca compreendi o porquê do silêncio. Aparentemente, pensando que eu estaria por detrás daquele fax, como parte da “guerra” em que a Emaudio se envolvera, em vez de processar ou ameaçar de processar a Weidleplan, para evitar o escândalo, faria de conta que não recebera o fax. Eu, contudo, tinha uma posição diferente. Achava que embora nenhuma ilegalidade tivesse sido cometida — e muito menos por mim —, era obrigação moral do grupo Emaudio devolver o dinheiro à Weidleplan já que eles, seis meses depois de terem sido desclassificados, vinham associar a sua dádiva política à obtenção de contrapartidas. Mas a Emaudio estava sem dinheiro e a ser “sufocada” pelos seus patrocinadores e o que eu queria, a bem ou a mal, era fazer contas. Por essa razão procurei o mediador designado, Almeida Santos, numa das reuniões na CEIG em que estávamos inundados, naquele mês de Outubro, para resolver o pagamento de salários em atraso a jornalistas e a transmissão da Imprinter ao PS e, qual não seria o meu espanto, quando este informou já possuir uma cópia do “escaldante” fax [26]. Disse-me que Strecht Monteiro, que aparentemente seguira o meu conselho, lhe tinha entregue uma cópia em mão e que dela dera imediatamente conta “ao Mário“.
O encontro só para entregar o fax poderia parecer desnecessário mas Almeida Santos, que era presidente da assembleia geral da Emaudio, quereria, nesse e outros encontros que depois teria com Strecht Monteiro, avaliar o meu papel no referido fax. Muito provavelmente também para urdir uma vendetta contra mim. Aliás, Strecht Monteiro, que tinha como objectivo então ser recebido pelo presidente da República, acabaria por, a partir daquela data, ter inúmeros encontros com (pelo menos) acessores do presidente da República a quem enviaria gravações (ou montagens de gravações) de conversas que tivera comigo e que eu desconhecia estarem a ser gravadas. Eu diria então a Almeida Santos que o que era importante era fazer contas, incluindo contas com a Weidleplan. Almeida Santos concordaria. Mas também me certificaria de que Mário Soares tivera conhecimento do fax, quando em reunião com Menano do Amaral e comigo ele me acusaria de estar por detrás daquela intriga. Expliquei-lhe que, na situação de fraqueza e humilhação em que tão injustamente me tinham colocado, utilizaria as armas políticas que fossem necessárias para acertar contas a fim de não sair prejudicado com a liquidação da Emaudio e que dada a situação a que se chegara o melhor seria fazer também contas com os alemães [27]. Mas Mário Soares estava tão furioso com o fax que pretendia cortar relações comigo. Teria contudo alguns encontros com Menano do Amaral que também insistia em acertar contas e vivia aterrorizado com a ideia de um escândalo. Eu, no meu objectivo de liquidar por completo tudo o que restava da Emaudio, pretendia fazer contas com a Weidleplan embora em nada me sentisse responsável perante eles. Mas tinha tido razão quando pensara que o objectivo da Weidleplan com o envio daquele fax não passava de uma forma grosseira de pressionar Soares e Melancia, uma vez que a Widelplan mostraria surpresa pela minha determinação em devolver o dinheiro que eles inicialmente tinham doado incondicionalmente. O silêncio de Belém e de Macau perante tamanho fax só teria paralelo na fúria que aquela missiva produziria contra mim. Não só deixara de ser “persona grata” de Belém e do “soarismo” como passaria a ser o inimigo a abater. Mas foi também o comprometedor silêncio da Weidleplan após o envio do fax que me levou a suspeitar de algo.
Em Dezembro sairia do país absolutamente convencido de que Mário Soares quisera alterar o projecto Emaudio de forma a transferir as acções da fundação de Relações Internacionais para um novo projecto associado à sua fundação Mário Soares e, assim, aproveitar a entrada da Interfina na Emaudio para, posteriormente, com a transferência das acções, fortalecer a sua própria fundação. Eu não aceitara a ideia e a Interfina, Stanley Ho e Ilídio Pinho, não só não mais apareceriam, como todos estariam de acordo em sufocar a Emaudio e os que se tinham oposto àquele ambicioso projecto. O próprio Robert Maxwell seria alertado para a situação, acabando por revelar, simultaneamente, em carta enviada em Agosto, a sua intenção de se desligar da Emaudio e o seu conhecimento de “desavenças” no seio do grupo. Alguém, curiosamente, entrara em contacto com ele e o alertara para pôr fim aos financiamentos que, mensalmente, ainda iam mantendo a Emaudio. João Tito de Morais, hoje também convencido de que não passara ele próprio de um instrumento de planos nunca devidamente apurados, acabaria por revelar o “complot”. Quando regressei da Áustria, em meados de Janeiro de 1990, telefonaria a Strecht Monteiro para saber como resolver a situação. Disse-me que continuava à espera do dinheiro ou de um contrato. Eu falar-lhe-ia então da ideia de revelar o fax à comunicação social. Entraria em pânico. Não fazia parte dos seus planos. Rocha Cabral, velho militante “soarista” e ex-secretário do governo de Macau, convidar-me-ia a mim e a Menano do Amaral para um almoço no restaurante do hotel Altis onde nos falaria do projecto Nam Van e nos faria uma descrição arrepiante do novo-riquismo político macaense. Sairia desse almoço convencido de que a razão pela qual me quiseram afastar da presidência da Emaudio se prendia com a maioria do capital que estava nas minhas mãos. A Emaudio receberia da Interfina 1,9 milhões de contos a troco de 30% das suas acções. Ilídio Pinho também entraria, assim como Stanley Ho. Posteriormente associava-se ao projecto Nam Van, onde estariam previstos lucros de alguns milhões de contos.
A fundação Mário Soares teria, nos anos 90, um património só comparável às fundações Gulbenkian, Oriente e Luso–Americana. A minha desobediência em não entregar as acções seria um contratempo ultrapassável. A minha impertinência, ao fomentar o fax, seria um alerta imperdoável. O atrevimento de o dar à comunicação social iria exigir um severo castigo! Quando, em Fevereiro de 1990, num acto desesperado, eu entreguei cópia daquele fax ao semanário Independente, estalaria o pânico em Belém, em Macau e em Stuttgart. Melancia diria, estupefacto, que “estes senhores não estavam excluídos de virem a ter, eventualmente, um terminal ou coisa desse tipo. Agora por essa via não tem coisa nenhuma porque eles, de facto, têm métodos muito especiais” [28]. Afinal o coactivo fax parecia ter resultado, assim se explicando, primeiro o silêncio da Weidleplan e, depois, a sua fúria contra mim. Tudo para concretizar o acordo com a Interfina sem que disso eu me apercebesse. Quando entreguei o fax ao Independente, fi-lo contra a vontade dos seus autores, a Weidleplan entrando, então, também para a lista dos meus inimigos. Mas ao dar o fax, estava a fazê-lo para abortar um negócio com a Interfina de milhões de contos e com a finalidade de ajudar a devolver à Weidleplan o que fora, em meu entender, uma dádiva política não ilegal. O fax era um “míssil político” na minha desesperada estratégia, da guerra política, de que eu seria a primeira vítima.
Notas:
[1] Além das legislativas de Outubro e das presidenciais tiveram também lugar eleições autárquicas em Dezembro
[2] Estes semanários de grande êxito comercial na sua área, entrariam para o património do PS em 1990 e seriam depois vendidos ao grupo editorial de Francisco Pinto Balsemão
[3] Memória descritiva do projecto português: estritamente confidencial. Março de 1987
[4] As palavras sublinhadas correspondem à proposta inicial que Mário Soares vetaria
[5] O Incrível Senhor Maxwell, da autoria de Joe Haines, Publicações Europa–América, Lisboa, 1989
[6] Carta de Robert Maxwell ao presidente Mário Soares, de 11 de Março de 1987
[7] Ghislaine é o nome da filha mais nova de Robert Maxwell. Em Novembro de 1991, Robert Maxwell seria encontrado morto a boiar junto deste seu iate, quando se encontrava perto das ilhas Canarias. Ainda hoje as razões da sua morte estão rodeadas de grande mistério
[8] Carta de Robert Maxwell ao presidente da República Mário Soares, de 11 de Março 1987
[9] British Printting Communications Corporation
[10] Os dois documentos eram um memorando com as condições financeiras propostas pela Emaudio e a proposta de pacto social
[11] Robert Maxwell era apelidado, com jocosidade, de “capitão Bob“
[12] Daily Mirror, Londres, 18 de Setembro de 1987
[13] Vasco Vieira de Almeida rapidamente perderia a paciência com Robert Maxwell, que passaria a ser representado pelo advogado Paulo Marques, que eu lhe apresentara em 1988
[14] Protocolo entre Ilídio Pinho e Robert Maxwell, assinado em Londres a 27 de Outubro de 1987
[15] Segundo o Expresso de 21 de Outubro de 1995, esta história ainda hoje permanece rodeada de mistério, tendo-se aquele ex-ministro visto “envolvido num polémico caso de transferência de dinheiros de Macau para os cofres depauperados do PS“
[16] Tanto quanto eu sei o relacionamento de Carlos Monjardino com o PS data de 1983. Embora não sendo filiado no PS, Mário Soares convidá-lo-ia, após constituição do oitavo governo constitucional, para coordenar com o gestor do PS, Menano do Amaral, a criação de um banco na área do PS. Este projecto começaria a ser ensaiado, na perspectiva da então planeada abertura da banca ao sector privado, em coordenação com a fundação Friedrich Ebert, o banco “operário” alemão, ligado ao SPD, “Bank fur Gemeinwirkshaft” e um grande banco francês. A fundação Friedrich Ebert acabaria por se desentender, em virtude da posição que se pretenderia atribuir aos franceses e, como tal, desinteressar do projecto
[17] Le Point, de 27 de Outubro de 1987
[18] Patrick Cox era, em 1986, vice-presidente da Sky Channel de Rupert Murdoch e conduzira estudos e negociações com o grupo Emaudio. Robert Maxwell viria a contratá-lo para dirigir os seus projectos em Portugal.
[19] A TVB e a ATV são as duas cadeias de televisão de Hong–Kong
[20] Sede da Emaudio ao Príncipe Real
[21] Strecht Monteiro admitiria ao semanário O Jornal de 9 de Março de 1990:
Pergunta: “Mas você já tinha feito trabalhos relacionados com Macau no tempo do governador Almeida e Costa…
Resposta: Sim, sim! É que eu sempre me movimentei nestes meios…
Pergunta: Mas que contrato é que estava já assinado?
Resposta: Não era bem um contrato. Havia sim uma carta de intenções. Comecei então a ir muitas vezes a Macau, comecei a conhecer Macau e aquela gente toda. Fui sempre excepcionalmente bem recebido…
Pergunta: Que “gente toda” era essa?
Resposta: Refiro-me ao governo no tempo de Almeida e Costa….
Pergunta: Mas que tipo de negócios é que estabeleceu…?
Resposta Era apenas esse! Tentei ir a vários concursos, com outras firmas alemãs, para projectos como o do hospital, o da cadeia…”
[22] Trata-se da empresa Registrade
[23] Tratava-se de António Vasco de Mello, presidente do conselho de administração da Imprinter e fora afastado em Julho de 1989
[24] Declaração de João Tito de Morais no Tribunal da Boa Hora, no dia 14 de Outubro de 1993
[25] Segundo apuraria depois a Weidleplan já tinha enviado um outro fax a Carlos Melancia, para o mesmo número, dizendo que “Strecht Monteiro tem tentado contactar V. Ex.a durante estes últimos dias… (e)… na sequência da nossa conversa tida em Julho ficaríamos gratos a V. Ex.a se nos informasse sobre a actual situação da nossa proposta”
[26] Só em 1993 Almeida Santos admitiria pela primeira vez publicamente ter tido conhecimento daquele fax em Outubro de 1989, mas alegaria então que Strecht Monteiro o consultara na qualidade de advogado!
[27] Apesar de várias vezes ter faltado à verdade enquanto testemunha de acusação no julgamento de Carlos Melancia, Strecht Monteiro declararia em tribunal, em 1993, no seu próprio julgamento, ter sido eu a única pessoa a ajudá-lo a recuperar o dinheiro assim como a única pessoa que nunca negara tê-lo recebido
[28] O Independente, de 16 de Fevereiro de 1990
Fonte: Livro «Contos Proibidos – Memórias de um PS Desconhecido» de Rui Mateus