Estranhas premonições sobre o regicídio do Rei D. Carlos

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1879
Regicídio de D.Carlos I
Regicídio de D.Carlos I

Num livro que A.J. d’Azevedo fez imprimir com dinheiro do seu bolso, na Tipografia d’O Recreio, com o sugestivo título «D. Carlos, o Desventurado: Notas Intimas e Notícia Histórica do Atentado Contra a Família Real Portuguesa», surge um artigo, cujo nome é «Um Fenómeno Cerebral», extraído de um jornal brasileiro, que é assim apresentado pelo autor: “O Jornal do Brasil, que se publica no Rio de Janeiro, referia num dos seus últimos números um curioso fenómeno cerebral sucedido com a esposa de um jornalista fluminense, director de um jornal da manhã, que reside num bairro afastado, em Niterói. Às 11 horas da noite de Sábado, 1 de Fevereiro, quando ainda no Rio se não sabia de nada absolutamente dos tristes sucessos ocorridos nesse dia em Lisboa, o referido jornalista recolheu a casa, encontrando a esposa presa de grande nervosismo e ainda acordada: “Não consigo dormir! Logo que me deitei, tive um sonho horrível… íamos, tu e Fulano (o filho do casal) n’um landau aberto e quando chegámos a um Largo, onde havia uma estátua, surgiram vários homens de capa à espanhola e dispararam tiros de carabina e de revólver, matando-te a ti e a Fulano.” Sorriu-se o marido e, extenuado pelos trabalhos do dia, depois de tentar acalmar os nervos da esposa, deitou-se e adormeceu. De manhã, ao acordar, comunicaram-lhe a notícia do regicídio, e ele, ainda tonto de sono, dizia: “É ainda o sonho. Deixem-me dormir!” Não era. A esposa, a 1.500 léguas de distância, tivera em Sonhos a reprodução do crime de Lisboa, apenas personalizado. O local, os homens de gabão, os revólveres e as carabinas, a cena com todos os seus pormenores, repercutira-se-lhe no cérebro, por um Estranho Fenómeno de telegrafia cerebral.»

Rei D. Carlos
Rei D. Carlos

Outro segmento a reforçar a lenda negra em torno do regicídio é um texto de Júlio de Sousa e Costa, autor de mais outra obra evocativa da figura de D. Carlos: «Há coincidências notáveis que têm levado até à superstição!… Como curiosidade, fecho este capítulo com uma nota que me foi fornecida por pessoa que assistiu à chegada da Família Real, nessa tarde de trágica memória. Em muitos espíritos se radicou a convicção de que o uivo de um cão, espaçado e repetido, significa anúncio de morte próxima. E, se o animal o lança em local onde não tem o seu poiso habitual, é certo que alguém, que por ali transite, tem os seus dias contados… Pouco antes do vapor D. Luiz atracar à antiga ponte do Caminho de Ferro do Sul e Sueste, no Terreiro do Paço, actualmente demolida, um cão, de pelagem negra, postado junto do Ministério da Guerra, soltou, por três ou quatro vezes, uivos prolongados e lamentosos… Um marítimo deu dois pontapés no animal, o qual, depois de atravessar a larga praça, foi repetir os seus uivos plangentes junto do pavilhão oriental, ululos que continuou a soltar quando D. Carlos I, sua esposa, seu filho primogénito e a pequena comitiva desembarcaram… Daí a instantes, os regicidas consumavam o seu desígnio sangrento… Por ser curiosa esta notícia e estar no quadro das observações supersticiosas, limito-me a inseri-la, sem que me proponha dar-lhe foros de subsídio valioso com o fim de avigorar convicções.»

Regicídio de D. Carlos
Regicídio de D. Carlos

O autor Gomes da Silva tira esta ilação: «A Ciência moderna admite que o pensamento, como a luz e o som, pode ser transmitido por ondas, no caso proposto rádio-ondas cerebrais (Ferdinando Cazzamali, professor da Universidade de Milão, «Fenómenos Telepsíquicos e Radiações Cerebrais»). Os presságios podem pois tomar-se como transmissões de pensamento, resultantes de forte vibração. Deste modo, os indivíduos que projectavam atentar contra as régias pessoas, accionaram, como fortes emissores, o sensorial das suas próximas vítimas que, por isso, foram, tecnicamente, perfeitas receptoras do pensamento criminoso, prevendo, assim, a sua morte.»

De facto, difundiu-se bastante a sugestão de que tanto a rainha D. Amélia como o príncipe Real tiveram premonições fortíssimas antes do regicídio, as quais foram testemunhadas por alguns dos que lhes estavam próximos. Os relatos variados foram correndo de boca em boca, e mesmo já muitos anos decorridos, em 26 de Maio de 1939, o Diário de Notícias volta a esta ideia com a longa reportagem «Visita ao Palácio de Vila Viçosa – Luís Filipe adivinhou a morte».

Uma coisa é certa: mais do que ter previsto a sua morte, D. Luís Filipe pré-viveu as circunstâncias do ataque de forma absolutamente idêntica. É o que pode ler-se numa carta que dirige à rainha D. Amélia: «Querida Mãe: Só hoje é que achei um instante para lhe escrever umas linhas. Não calcula o que foi ontem o atentado. Estávamos a chegar ao Paço, quando se ouviu um tiro medonho. Pensei primeiro que era um princípio de salva, mas logo se viu o que era. A carruagem do Rei toda partida, gente morta, muitíssimos feridos, um horror!»

Quem lesse este trecho da carta, desconhecendo a data e o seu autor, poderia associar o relato à descrição básica do regicídio português, no qual tombara, valentemente, o próprio Luís Filipe. Conhecendo hoje o desfecho martirizado da sua curta vida, causa alguma impressão ler o resto da missiva do príncipe, que escreve estas linhas aliviadas, a 7 de Junho de 1906: «Felizmente nem o Rei nem a Rainha tiveram nada, mas que susto! Coitados! Já morreram 17 pessoas e há perto de 100 feridos. De nós, felizmente, não há ninguém ferido, estamos todos de boa Saúde, mas com um calor infernal e muitas saudades de todos. […] Seu filho muito amigo que lhe beija a mão, Luís.» O episódio de que dá conta a missiva foi o da boda do rei de Espanha, Afonso XIII, à qual o príncipe D. Luís assistira em representação de Portugal. Algures no percurso do cortejo, em Madrid, um anarquista lançou uma bomba contra a carruagem do rei, que escapou ileso, ao contrário dos 20 mortos e das dezenas de feridos, a maior parte deles gente do povo que pacificamente via passar a festa. Também nesta ocasião, D. Luís Filipe demonstrou rara bravura debaixo de fogo: assim que deflagrou a bomba, o nosso príncipe pôs-se a correr – não para salvar a própria pele, mas para se ir colocar ao lado do rei, que muito o louvou pela sua coragem e sangue-frio. Menos de dois anos depois, Luís regressa ao mesmo cenário fatal, seu incontornável destino.

Fonte: LIVRO: «Astrólogos, Cartomantes e Quiromantes» de Maria João Medeiros

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