Profissão: ex-político. O período de tempo que sucede ao exercício de funções públicas, sobretudo na esfera governativa, parece ser propício ao advento de propostas irrecusáveis. “Quando saí do Governo tive vários convites para ir trabalhar”, revelou o ex-ministro Manuel Dias Loureiro, em 2008, acrescentando que “os contactos que fez no mundo da Política o “ajudaram” na vida empresarial que se seguiu”.
Dos corredores do poder político para as salas de reunião dos conselhos de administração – e demais órgãos sociais – das maiores empresas portuguesas, com ou sem período de nojo. Um fluxo recorrente entre cargos públicos e privados. Por vezes são ex-governantes que decidiram sobre matérias que implicam as empresas para as quais vão depois trabalhar, ou até administrar, mas também há casos de carreiras sólidas na gestão empresarial com passagens fugazes pela actividade Política.
O trânsito de ex-políticos para as administrações de empresas está cada vez mais congestionado. A título de exemplo, entre as 20 cotadas no índice PSI 20 encontramos actualmente nada mais nada menos do que cinco ex-governantes (i. e., quatro ex-ministros e um ex-secretário de Estado) na presidência de seis conselhos de administração: Artur Santos Silva no BPI, Luís Amado no Banif, António Monteiro no BCP, António Mexia em acumulação na EDP e EDP Renováveis e ainda Daniel Proença de Carvalho na Zon Multimédia. Ao que se acrescenta a vice-presidência de Luís Palha da Silva tanto no Conselho de Administração como na Comissão Executiva da Galp Energia.
Estes números já não incluem os dois cargos – presidência da Comissão Executiva e vice-presidência do Conselho de Administração – deixados vagos por Jorge Coelho no grupo Mota-Engil, “por razões de ordem pessoal”, tal como foi comunicado no dia 7 de Janeiro de 2013 à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). O ex-ministro adjunto e da Administração Interna (1995-1999) e ex-ministro de Estado e do Equipamento Social (1999-2001) exercia a liderança executiva da Mota-Engil desde 26 de Maio de 2008. “Não obstante, o Dr. Jorge Coelho aceitou liderar e dinamizar o recém-criado Conselho Consultivo Estratégico da Mota-Engil.”
Embora mantenha a ligação à empresa, Jorge Coelho não tardou a retomar a actividade Política. No dia 16 de Março de 2013 interveio no comício de apresentação da candidatura de José Junqueiro, do PS, à Câmara Municipal de Viseu nas próximas eleições autárquicas. “Está-me a saber bem”, confessou, por entre críticas ao actual Governo liderado por Pedro Passos Coelho. “Temos saudades tuas”, declarou mais tarde o secretário-geral do PS, António José Seguro, no mesmo palco, olhando nos olhos de Jorge Coelho. O ex-administrador da Mota-Engil também voltou ao comentário político televisivo, através de um novo espaço semanal no “Jornal da Noite” da SIC Notícias, cuja primeira emissão ocorreu cinco dias depois, a 21 de Março de 2013.
Além das referidas seis presidências e duas vice-presidências, contam-se mais 20 cargos nos conselhos de administração e comissões executivas das empresas do PSI 20 que são ocupados por ex-políticos: António Lobo Xavier no BPI; Manuel Carvalho Fernandes no Banif; António Mexia, Álvaro Barreto e António Cardão no BCP; Nuno Godinho de Matos no BES; António Nogueira Leite na EDP Renováveis; Fernando Gomes, Carlos Costa Pina e Luís Campos e Cunha na Galp Energia; Francisco Seixas da Costa na Jerónimo Martins; Luís Valente de Oliveira e António Lobo Xavier na Mota-Engil; Luís Mira Amaral na Novabase; José Luís Arnaut e Emílio Rui Vilar na REN; Joaquim Ferreira do Amaral na Semapa; António Lobo Xavier na Sonaecom; e Paulo Mota Pinto na Zon Multimédia.
Por que razão é que se assiste a esta tendência de recrutamento de ex-políticos para cargos de administração, em alguns casos sem terem experiência de gestão ou formação no sector de actividade das empresas que os contratam? “Pode haver uma explicação inocente para isso. De facto, a liderança e a estratégia, seja ela Política ou comercial, são sempre semelhantes. Os detalhes do negócio aprendem-se rapidamente. Aliás, o mesmo se pode dizer de gestores que passam de um sector para outro muito diferente”, responde João César das Neves, professor catedrático da Faculdade de Ciências Económicas e Empresariais da Universidade Católica Portuguesa.
“Claro que pode também existir uma má razão, que tem a ver com a triste dependência do Estado em que muitas empresas vivem, caso em que a contratação pretende apenas ganhar influências e contactos”, contrapõe César das Neves.
Por sua vez, Maria do Carmo Seabra, professora associada da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, enumera “uma série de outras razões”, além da eventual “troca de favores”, que “podem motivar estas contratações: por exemplo, no decurso da sua actividade Política, a pessoa ter exibido características (capacidade de decisão, capacidade de motivar e escolher colaboradores, capacidade de convencer os outros das suas ideias, talento para se dirigir ao público e para lidar com os media) que podem fazer tanta falta num conselho de administração como a expertise no assunto”.
Além dos conselhos de administração e comissões executivas, nos restantes órgãos sociais das empresas analisadas contam-se mais 32 cargos ocupados por ex-políticos: Miguel Veiga, Jorge de Figueiredo Dias, Artur Santos Silva e António Lobo Xavier no BPI; Miguel Luís de Sousa e António Neto da Silva no Banif; Paulo Pitta e Cunha, Daniel Proença de Carvalho e Álvaro Pinto Correia no BES; Eduardo Catroga, Maria Celeste Cardona, Jorge Braga de Macedo, Carlos Santos Ferreira, Vasco Rocha Vieira, Paulo Teixeira Pinto e Rui Pena na EDP; António Nogueira Leite na EDP Renováveis; Daniel Proença de Carvalho e Daniel Bessa na Galp Energia; Luís Mira Amaral, António Vitorino e Francisco Murteira Nabo na Novabase; Álvaro Pinto Correia, Luís Todo Bom e José Lamego na Portugal Telecom; Emílio Rui Vilar na REN; Daniel Bessa na Sonae; e Júlio Castro Caldas na Zon Multimédia.
Em suma, das 20 empresas do índice PSI 20, apenas quatro – Altri, Cofina, Portucel e Sonae Indústria – não contrataram ex-políticos para os respectivos órgãos sociais. Entre as outras 16 empresas registam-se 28 cargos nos conselhos de administração e 32 cargos nos demais órgãos sociais (perfazendo um total de 60 cargos) ocupados por ex-políticos, isto é, ex-governantes (ex-ministros e ex-secretários de Estado) ou ex-deputados.
A empresa com mais ex-políticos nos órgãos sociais é a EDP, com um total de 12 cargos exercidos por oito ex-políticos. Seguem-se a Galp Energia, com oito cargos exercidos por seis ex-políticos, e o BPI, com seis cargos exercidos por quatro ex-políticos. Considerando apenas os conselhos de administração e comissões executivas, a Galp Energia é a que tem mais cargos (seis) exercidos por ex-políticos (quatro), seguida de perto pelo BCP, com quatro cargos exercidos por quatro ex-políticos.
Entre os muitos nomes referidos encontram-se detentores de currículos que parecem inatacáveis e outros que, pelo contrário, suscitam dúvidas quanto à motivação por detrás das respectivas contratações para cargos de administração, tal como há empresas mais ou menos dependentes de negócios com o Estado e respectivo aval do poder político.
O caso do Banco Português de Negócios (BPN) é um exemplo paradigmático da “má razão” invocada por César das Neves. Por meio da divulgação de um e-mail enviado no início da década de 2000 por Abdool Vakil, então presidente do Banco Efisa, a José Oliveira e Costa, então presidente da Sociedade Lusa de Negócios (SLN), entreabriu-se uma janela com vista para um mundo obscuro de interesses cruzados entre a esfera Política e o sector financeiro.
A pedido de Oliveira e Costa (que está actualmente a ser julgado por crimes de abuso de confiança, burla qualificada, branqueamento de capitais, infidelidade, fraude fiscal qualificada, falsificação de documentos e aquisição ilícita de acções), e atendendo a critérios definidos pelo mesmo, Vakil sugeriu um conjunto de personalidades ligadas ao PS (numa altura em que o Governo era liderado por António Guterres, do PS) para virem a integrar os órgãos sociais do Banco Efisa.
Eis a transcrição do e-mail de Vakil:
“Meu caro,
No tocante a este assunto, para além do nome que sugeriu que foi o do Doutor Oliveira Martins que julgo não ser o mais provável porque não é para Presidente, lembrei-me de alguns outros nomes que lhe submeto para uma apreciação prévia e para estabelecermos uma hierarquização para que eu possa então seguir a lista por essa ordem.
Os nomes que me ocorrem dentro do critério que foi definido são:
Vera Jardim – advogado com nome na Praça, deputado pelo PS e ex-Ministro da Justiça; muito próximo do actual PR (e também amigo do Neto Valente dado que este foi há anos colega do escritório Jardim, Sampaio e Caldas);
João Cravinho – nome bem conhecido, Deputado do PS e ex-Super Ministro do Equip. Social, etc., conheço-o bem, já fez o favor de dar alguma colaboração ao Banco Efisa a título gracioso porque quando saiu do governo achou que não devia logo trabalhar para o banco que era prestador de serviços ao Ministério que comandou. Entretanto, como isso já foi há algum tempo, pode ser que já possa aceitar (disse-me na altura que tinha aceite um lugar no Conselho Consultivo do Banco do Rendeiro).
Prof. Augusto Mateus – PS. muito bem inserido na máquina do Partido; ex-Ministro da Economia; meu antigo aluno e com quem tenho excelente relação.
Dr. Fernando Castro – que foi Chefe de Gabinete e ao que se diz o Mentor do então Ministro Pina Moura, muito bem inserido dentro dos meios políticos onde se move com muita discrição mas com grande eficácia. Dou-me bem com ele; veio há dias almoçar comigo ao banco; está de momento ligado à General des Eaux em Portugal.
Alberto Costa – deputado pelo PS, advogado e muito ligado ao António Vitorino com quem também me dou bem. Foi Ministro da Administração Interna e é também uma pessoa discreta. Também o Mário Cristina de Sousa poderia ser um bom nome mas está neste momento ligado à CGD e daí que, mesmo sendo um bom amigo, não possa. Mas fica aqui como uma mera sugestão mas que não me parece viável.
Podemos falar sobre este assunto quando entender conveniente.
Dos vários nomes sugeridos por Vakil a Oliveira e Costa, apenas José Lamego, Augusto Mateus e Guilherme d’Oliveira Martins chegaram a passar pelo Banco Efisa, com cargos no Conselho Geral. O BPN, por seu lado, recrutou sobretudo nomes ligados ao PSD, a começar por Oliveira e Costa e Dias Loureiro. Nos órgãos sociais do BPN exerceram funções Daniel Sanches e Rui Machete, entre outros. Quanto aos accionistas, destaque para Joaquim Coimbra, Gilberto Madaíl ou Arlindo de Carvalho (ex-ministro da Saúde no XII Governo Constitucional, liderado por Cavaco Silva, que vai ser julgado por crimes de burla, abuso de confiança e fraude fiscal).
Arlindo de Carvalho, aliás, tem sido apontado como um dos maiores devedores em incumprimento ao BPN. O ex-ministro terá pendentes dois créditos em nome pessoal, um de 26,4 milhões de euros e outro de 4,9 milhões de euros. Relativamente ao mais avultado, as garantias recebidas pelo BPN cifram-se em apenas 21,6 mil euros. “Além disso, há mais três dívidas por pagar de empresas associadas ao ex-ministro: 22,4 milhões de euros da Geralbreiner, 5,8 milhões da Pousaflores e 36,7 mil da Palácio Águias. Ao todo, são 59,5 milhões em incumprimento total, sendo que 31,3 milhões a título indivudal.”
“Não existe nenhuma dívida”, refuta João Nabais, advogado de Arlindo de Carvalho. “É por isso que há actualmente uma disputa em tribunal, com acções cíveis postas por nós ainda em 2009, em que o meu cliente exige que o banco cumpra o que está nos contratos”, acrescenta. De resto, “João Nabais explica que as dívidas foram contraídas por Arlindo de Carvalho para comprar imóveis a sociedades ligadas ao BPN, com o objectivo de os vender, e que existem contratos em que o banco se obrigava a recomprar as propriedades caso o ex-governante não conseguisse realizar as operações com sucesso.”
Outro devedor em incumprimento ao BPN é o ex-deputado Duarte Lima, com uma dívida acumulada no valor de 5,3 milhões de euros, resultante de um crédito em nome pessoal. Duarte Lima, ao contrário de Arlindo de Carvalho, ainda pagou algumas prestações. No entanto, “o empréstimo foi contraído em 2009, já após a nacionalização do BPN, e está totalmente vencido desde Março deste ano [2012], tendo sido entretanto enviado para o departamento de contencioso da Parvalorem”.
“Mas o empréstimo pessoal é, ainda assim, a parte mais pequena do que a Parvalorem quer receber do advogado. Em Março de 2011 os gestores de recuperação de crédito daquele veículo do Estado remeteram para contencioso a dívida de 49,9 milhões da Homeland. Trata-se de um “fundo especial de investimento imobiliário fechado” constituído pelo seu filho Pedro Lima (com 42,5%), pelo seu sócio Vítor Raposo (com outros 42,5%) e pelo fundo de pensões do BPN (com 15%) para comprar um conjunto de terrenos em Oeiras, e cujos contornos acabaram por levar o Ministério Público a acusá-lo de burla. O fundo já está em incumprimento há bastante tempo, o que fez com que os juros e as penalizações subissem do montante inicial de 43 milhões para os actuais 49,9 milhões. E sendo que 21 milhões pendem sobre Duarte Lima. Ao todo, portanto, o ex-deputado tem 26,3 milhões para pagar.”
O que é a Parvalorem? Trata-se de um veículo financeiro criado pelo Estado com o intuito de gerir o crédito malparado do BPN. Ou seja, o Estado nacionalizou o BPN e depois vendeu-o ao Banco BIC Português por 40 milhões de euros – um valor inferior, por exemplo, só aos 59,5 milhões de euros da alegada dívida de Arlindo de Carvalho ao BPN. Mas assumiu as imparidades e o crédito malparado do BPN, que não interessavam ao BIC.
Segue-se o recurso ao contencioso para tentar recuperar um montante global de 4,2 mil milhões de euros. “O Ministério das Finanças (MF) compromete-se a declarar Guerra às situações de incumprimento no BPN no valor de 4,2 mil milhões de euros. […] Em resposta a um requerimento de deputados do PSD relativamente ao plano de créditos malparados do BPN, o MF revela que da carteira da Parvalorem, um dos veículos criados para gerir créditos e activos do banco, cerca de 13 mil das 17 mil dívidas estão já em contencioso.”
A economista Paula Poças, em cujo currículo está inscrita uma passagem pelo BPN pré-nacionalização (foi assessora de elementos da administração do banco), tem hoje assento no Conselho de Administração dos três veículos financeiros – Parups, Parvalorem e Parparticipadas – criados pelo Estado, em 2010, para acomodar os “activos tóxicos” do BPN. Paula Poças é presidente da Parups e vogal da Parvalorem e da Parparticipadas, apesar da ligação passada ao BPN e de notícias que dão conta de uma alegada ocultação de informação ao Banco de Portugal (BdP).
“Administradora dos veículos do Estado que acomodaram os activos tóxicos do BPN tinha – desde 2003 – conhecimento de irregularidades relativas às contas de investimento que deram origem a um processo de contraordenação por parte do BdP. […] Paula Poças foi assessora de alguns elementos da administração do BPN, antes da nacionalização do banco. Foi neste âmbito que terá sido envolvida no caso. À data em que foi nomeada pelo Estado para os veículos do Estado que acomodaram activos do BPN, a informação não terá sido comunicada ao Governo. […] A gestora não só ocultou informação sobre as contas de investimento como, em 2003, alertava para o facto de que estas não deviam chegar ao conhecimento do BdP.”
No dia 4 de Novembro de 2008, ao prestar declarações perante a Comissão Parlamentar de Orçamento e Finanças, o então ministro das Finanças, Fernando Teixeira dos Santos, previu que a operação de nacionalização do BPN não iria provocar “impactos significativos” nas contas públicas. “Não é de esperar que haja aqui impactos significativos”, sustentou. “A nossa preocupação aqui é, de facto, fazer com que os eventuais custos sejam mínimos e, se possível, que não haja custos para os contribuintes que resultem desta operação.”
A previsão de Teixeira dos Santos, contudo, falhou por defeito. “A factura de nacionalização do BPN pode custar aos contribuintes até 6,6 mil milhões de euros, contas feitas aos diversos apoios que o Estado mobilizou para a instituição que amanhã [30 de Março de 2012] é oficialmente vendida por 40 milhões de euros ao BIC, mas que vai continuar a receber apoios no valor de 700 milhões de euros nos próximos três anos”, noticiou o jornal Correio da Manhã, no dia 29 de Março de 2012.
Quanto à SLN, a holding que detinha o BPN, mudou de nome para Galilei e prossegue a actividade económica (apesar de manter uma dívida estimada em 1,3 mil milhões de euros) com alguns dos anteriores accionistas: Oliveira e Costa, Joaquim Coimbra, António Cavaco, entre outros. “De negócios crescentes na Saúde e no turismo, a condomínios de luxo em Lisboa, no Porto e em Angola, onde também explora petróleo e irá avançar para a construção de uma grande cimenteira, a dinâmica da Galilei parece imparável.”
Um dos activos do Grupo Galilei é a Datacomp, empresa de tecnologias de informação que detém uma participação de 9,55% na estrutura accionista do Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP). A Datacomp pertencia ao universo empresarial da SLN e chegou a ser administrada por Yolanda Maria Oliveira e Costa, filha de José Oliveira e Costa. O restante capital do SIRESP pertence à PT Participações (30,55%), Galilei (ficou com os 33% da SLN), Motorola (14,90%) e Esegur (12%).
O SIRESP foi adjudicado a um consórcio liderado pela SLN em 2005, por um valor de 538,2 milhões de euros. O despacho da adjudicação foi assinado pelo então ministro da Administração Interna, Daniel Sanches, no dia 23 de Fevereiro de 2005, ou seja, três dias após as eleições legislativas que resultaram na vitória por maioria absoluta do PS de José Sócrates – Daniel Sanches, que, aliás, exerceu cargos de administração na SLN antes de ter sido ministro no Governo liderado por Pedro Santana Lopes.
“Mas esse não foi o único despacho do anterior titular da Administração Interna em relação a esse dossiê. No Diário da República de 29 de Março [de 2005] foi publicado um novo despacho de Sanches, assinado no dia 2 desse mês (dez dias antes da transição de poder), através do qual o ex-ministro dava à secretaria-geral do ministério o estatuto provisório de “entidade gestora” do processo, de forma a ter poderes para “a celebração do contrato com a sociedade operadora”, ou seja, a SLN, que foi o único que se apresentou a concurso.” Ambos os despachos foram assinados por Daniel Sanches quando o Governo de Santana Lopes estava em gestão corrente.
O consórcio liderado pela SLN foi o único que participou no concurso porque as outras quatro empresas (entre as quais a Siemens, a Nokia e a Elocom) convidadas pelo Governo (liderado por Durão Barroso) a apresentarem propostas desistiram logo na fase prévia. “Em Julho de 2003, o Governo convidou cinco empresas de telecomunicações a apresentar propostas a este meganegócio, mas apenas o consórcio vencedor enviou um projecto. Depois de terem pago 15 mil euros pelo programa de procedimentos, os restantes participantes desistiram, alguns alegando que o concurso estava previamente decidido.”
No dia 16 de Abril de 2009, Daniel Sanches prestou declarações na AR, no âmbito da “Comissão de inquérito sobre a situação que levou à nacionalização do BPN e sobre a supervisão bancária inerente”. O ex-ministro e ex-administrador da Pleiade (uma empresa do grupo SLN, no qual Daniel Sanches exerceu cargos de administração durante oito anos, até ser nomeado ministro do Governo de Santana Lopes em 2004) assegurou perante os deputados da comissão parlamentar que não teve qualquer intervenção no projecto apresentado pelo consórcio liderado pela SLN para a implementação do SIRESP.
“De facto, só quando cheguei ao Ministério e contactei com o processo é que constatei que só havia um concorrente e que era um consórcio liderado pela SLN”, afirmou Daniel Sanches. Quanto à urgência da adjudicação que motivou o segundo despacho, o ex-ministro associou-a à vaga de incêndios que assolou o território nacional no Verão de 2004, tornando por isso necessário equipar a Protecção Civil, as forças de segurança e os serviços de emergência com um melhor sistema de comunicações. “Eu estava firmemente convencido de que se tratava de um acto de gestão correcto e que estava delineada a estrita urgência do acto.”
Após a tomada de posse do novo Governo, a 12 de Março de 2005, António Costa assumiu o cargo de ministro da Administração Interna e decretou a nulidade da adjudicação do antecessor com base num parecer da Procuradoria-Geral da República. Porém, decidiu mais tarde renegociar o contrato com o mesmo consórcio liderado pela SLN, acabando por confirmar a adjudicação definitiva do SIRESP, embora por um valor ligeiramente mais reduzido: 485,5 milhões de euros.
Ainda assim, “cinco vezes mais do que poderia ter gasto se tivesse optado por outro modelo técnico e financeiro. A conclusão vem num relatório escrito em Maio de 2001 pelo primeiro grupo de trabalho que estudou a estrutura desta rede de comunicações e a baptizou de SIRESP. […] O presidente desse grupo de trabalho, Almiro de Oliveira – um especialista em sistemas e tecnologias da informação com mais de 30 anos de docência universitária -, não consegue encontrar justificação para a discrepância de números, até porque o equipamento que foi adjudicado tem quase as mesmas funcionalidades do que aquele que idealizou”.
““No nosso relatório prevíamos um investimento inicial entre 100 e 150 milhões de euros. A isso acrescentávamos dez por cento por ano, que corresponderia ao custo de exploração”, precisa o professor universitário, que recorda que hoje, face à desvalorização da tecnologia, os valores do investimento inicial rondarão entre 70 e 105 milhões de euros.”
O SIRESP é uma rede de comunicações destinada às forças e serviços de emergência e de segurança. Em Janeiro de 2013, durante um forte temporal que assolou o território nacional, o sistema falhou. “O Ministério da Administração Interna assumiu ao “Sexta às 9” que não pode responsabilizar, nem sequer pedir indemnizações à empresa SIRESP, proprietária do sistema integrado de redes de emergência. Esta Tecnologia de ponta, utilizada para a comunicação entre as forças de segurança, falhou no grande temporal de há precisamente um mês. A falha pôs a nu uma das maiores fragilidades da segurança interna. Especialistas garantem que Portugal está permeável a qualquer ameaça, uma vez que, em caso de nova falha do SIRESP, as comunicações alternativas são apenas as analógicas, que não estão encriptadas.»