Em 1985, o terrorismo no Próximo Oriente foi o principal assunto, mas o terrorismo na América Central detinha o segundo lugar como assunto do dia. Com efeito, Shultz olhava para a peste — como ele lhe chamava — da América Central, como a mais alarmante manifestação terrorista. O principal problema, explicava Shultz, era «um cancro mesmo aqui no nosso hemisfério» e nós queremos extirpá-lo e é melhor que o façamos depressa porque o cancro estava a proclamar abertamente as intenções que Hitler exprimira no «Mein Kampf» prestes a dominar o mundo. E era realmente perigoso. O perigo era mesmo tão grande que no Law Day de 1985, o Presidente anunciou o estado de emergência nacional devido, como afirmou, «à invulgar e extraordinária ameaça à segurança nacional e à política externa dos Estados Unidos» representada por este cancro. (A propósito, Law Day é como se designa o dia que o resto do mundo comemora como manifestação de solidariedade com as lutas dos trabalhadores norte-americanos; nos Estados Unidos é um feriado xenófobo, 1 de Maio.)
Este estado de emergência foi renovado todos os anos até que, finalmente, o cancro foi extirpado. O Secretário de Estado, Shultz, explicou que o perigo era tão grave que impossibilitava qualquer tipo de complacência; segundo as suas palavras (14 de Abril de 1986), as «negociações são um eufemismo para capitulação, caso a sombra do poder não esteja presente na mesa de conversações». Shultz condenou aqueles que «ponderavam o recurso a meios legais utópicos como mediação externa, as Nações Unidas e o Tribunal Mundial, ao mesmo tempo que ignoravam os factores de poder da equação».
Com efeito, os Estados Unidos exerciam, realmente o factor poder da equação com forças mercenárias estacionadas nas Honduras, sob a supervisão de John Negroponte, ao mesmo tempo que impedia, com êxito, o prosseguimento dos esforços de meios legais utópicos do Tribunal Mundial, dos países latino-americanos e, evidentemente, do próprio cancro, todo virado para a conquista do mundo.
Os Meios de Comunicação Social concordaram. A única questão que, realmente, se punha, era a táctica. Havia o habitual debate entre falcões e pombas. A posição dos falcões fora muito bem expressa pelos directores do The New Republic (4 de Abril de 1984). Pediram — e as palavras são deles — que continuássemos a enviar auxílio militar para os «fascistas de estilo latino … sem olhar a quantos morrem», pois «há prioridades norte-americanas mais importantes do que os direitos humanos dos salvadorenhos» ou de quem quer que seja na região. Estes são os falcões.
As pombas, por seu lado, argumentavam que estas medidas não iam funcionar e propunham medidas alternativas para fazer regressar a Nicarágua, o cancro, à «normalidade centro-americana» e impor-lhe «padrões regionais». Estou a citar o Washington Post (14 de Março de 1986; 19 de Março de 1986). A normalidade centro-americana e os padrões regionais eram os dos Estados terroristas El Salvador e Guatemala, que por essa altura andavam a chacinar, torturar e devastar de tal maneira que eu nem descrevo. Por isso, e de acordo com as pombas, temos de devolver a Nicarágua à normalidade centro-americana.
As páginas de artigos e editoriais da Imprensa nacional dividiam-se, mais ou menos a cinquenta por cento, entre falcões e pombas. Havia excepções, mas excepções que estavam literalmente ao nível do erro estatístico. Para quem quiser comprová-lo há, e sempre houve, muito material impresso sobre este assunto. Nas outras regiões importantes onde a peste grassava nessa altura, no Próximo Oriente, a uniformidade foi ainda mais visível.