A ideia de uma experiência simples e económica para testar o facto de os animais de companhia saberem quando os donos estão para chegar a casa ocorreu-me durante uma conversa com um amigo céptico, Nicholas Humphrey. Estava constantemente a ouvir contar episódios relativos a este fenómeno intrigante, e perguntei-lhe o que é que ele achava que estava na sua origem. Para minha surpresa, ele não questionou o fenómeno em si; pelo contrário, disse-me que o seu próprio cão parecia dotado de poderes estranhos. Mas apressou-se a acrescentar que não havia nada de misterioso na questão: os animais de companhia tinham uma grande capacidade de reagir a indícios subtis e davam frequentes provas de possuírem sentidos surpreendentemente aguçados.
Claro que já muita gente teve conversas deste tipo. Mas esta, especificamente, em vez de terminar nos termos inconclusivos do costume, teve o condão de desencadear a ideia de uma experiência simples. Se um animal de companhia reage com grande antecedência ao regresso do dono, basta que esse regresso se faça por um meio fora do comum e a uma hora diferente da habitual para excluir a possibilidade de o seu comportamento ser explicável por uma antecipação rotineira de estímulos sensoriais. Além disso, para excluir a possibilidade de o animal detectar as expectativas da pessoa que está à espera em casa, essa pessoa também não pode saber quando vai regressar o membro da família ausente.
Não quero com isto dizer que as rotinas, os sons e os cheiros familiares ou o comportamento das pessoas que estão em casa não sejam importantes para um animal de companhia. Tenho a certeza de que são mesmo muito importantes. Com esta experiência proponho-me muito simplesmente separar as várias influências que normalmente talvez actuem em conjunto, para verificar se há no comportamento em causa algum componente por explicar. Será que o animal continua a saber quando a pessoa está para chegar a casa mesmo depois de terem sido eliminados todos os indícios sensoriais possíveis e imagináveis? Neste sentido, a experiência tem semelhanças à dos pombos-correio. Mesmo depois de eliminados todos os indícios, um após outro, os pombos continuam a encontrar o caminho de regresso a casa.
A única investigação deste tipo que, tanto quanto sei, está publicada foi realizada por um “amigo cientista” de William Long, de quem já falei a propósito do seu cão Don:
Este segundo cão, Watch (vigia) de nome e por natureza, tinha por hábito esperar pelo dono como o Don esperava por mim no caminho. O dono, carpinteiro e construtor civil, tinha um escritório na cidade e customava regressar do escritório ou do trabalho a qualquer hora, umas vezes ao princípio da tarde, outras vezes já de noite. E, voltasse o homem a que horas voltasse, o Watch parecia seguir-lhe os movimentos como se estivesse a vê-lo; ficava agitado, se estivesse em casa desatava a ladrar para que o deixassem sair e partia à desfilada para se encontrar com o dono mais ou menos a meio caminho… Aquele estranho “dom” era conhecido em toda a vizinhança e, de vez em quando, havia um céptico que encenava uma experiência: o dono acedia a definir a hora a que iria voltar para casa e uma ou mais pessoas interessadas ficavam a vigiar o cão. Foi assim que o meu amigo cientista pôs o Watch repetidas vezes à prova, observando-o a fazer-se à estrada momentos depois da hora a que o dono saía do escritório ou das obras em que estava a trabalhar na cidade, a cinco ou mais quilómetros de distância.
Claro que eu gostava muito de fazer mais perguntas sobre o Watch e o seu comportamento. Mas o cão e as pessoas em questão já morreram. Resta-me fazer observações e experiências com animais que estão vivos.
Em 1992, escrevi um artigo sobre este tema, pedindo aos leitores donos de animais de companhia que me contactassem no caso de terem observado factos relevantes, e, principalmente, no caso de estarem dispostos a participar na investigação. Este apelo foi publicado na secção “Members Research” (Investigação dos Membros) do Bulletin of the Noetic Science Institute, distribuído pelos membros do instituto espalhados pelos Estados Unidos e pelo estrangeiro.
Recebi mais de cem cartas de resposta, muitas delas cheias de informações fascinantes. Algumas das observações pareciam desde logo excluir qualquer explicação com base em reacções de rotina. Vejamos, por exemplo, este relato da Sra. Louise Gavit, de Morrow, Geórgia:
“No nosso caso, as minhas idas e vindas não obedecem a hábitos nem horários mas, segundo me diz o meu marido (e de acordo com a minha experiência anterior, com dois gatos e um cão que faziam a mesma coisa), o meu cão dá sempre conta do meu regresso a casa. Aliás, parece que dá conta da minha intenção e acção de regressar a casa. Até onde me é possível medir os meus movimentos em comparação com o comportamento do cão, as reacções dele às minhas acções mentais e físicas são as seguintes: quando eu saio do lugar onde estava e me dirijo ao carro com a intenção de regressar a casa, o nosso cão, que se chama BJ, acorda, dirige-se à porta, deita-se no chão ao pé da porta, de nariz virado para ela. E fica à espera. À medida que me aproximo de casa, ele vai ficando mais agitado e começa a andar de um lado para o outro, mostrando-se tanto mais excitado quanto mais eu me aproximo. E mal abro uma frincha lá aparece o focinho dele, a dar-me as boas-vindas. Esta acuidade de sentido parece não ser afectada pela distância. Aparentemente, não reage a todas as minhas deambulações de lugar para lugar, só parecendo responder no momento em que tomo a decisão de regressar a casa, e executo a acção de me dirigir ao carro para esse regresso.”
Observações como esta são fascinantes. Sugeri à Sra. Gavit que experimentasse regressar a casa por meios que fugissem ao normal, como por exemplo apanhando boleia doutra pessoa, num carro desconhecido. Respondeu que não lhe parecia que isso alterasse alguma coisa:
“Os meus métodos de deslocação são variados: no meu carro, no carro do meu marido, de camioneta ou em diversos carros conduzidos por pessoas que o BJ não conhece. Mesmo assim, o BJ responde ao meu pensamento/acção da mesma maneira. Mesmo depois de verificar que o meu carro ficou na garagem, na cave de minha casa, a sua reacção é igual.”
Outro exemplo, este do Sr. Starfire, de Kahului, Hawai:
“A minha cadela, Debbie, costumava ficar à porta durante cerca de meia hora, à espera de que o meu pai regressasse do trabalho. Como o meu pai era militar, tinha um horário de trabalho muito irregular. Tanto fazia que o meu pai telefonasse antes como não. Durante algum tempo, ainda pensei que a cadela reagia em função do telefone. Mas de certeza que não era por isso, porque por vezes o meu pai dizia que ia chegar cedo mas depois tinha de ficar até tarde. Às vezes nem sequer telefonava. A cadela nunca se enganava, por isso pus de parte a teoria do telefone. A minha mãe foi a primeira pessoa a reparar no comportamento da cadela. Ia sempre fazer o jantar quando a via dirigir-se para a porta. Se a cadela não ia para o pé da porta, já sabíamos que o pai ia chegar tarde a casa. Se ele se atrasava, a cadela ia esperar por ele mas só quando ele iniciava o caminho de regresso a casa.”
Outro exemplo que não é explicável com base em expectativas rotineiras é o que me contou a Sra. Jan Woody, de Dallas, Texas:
“A nossa cadela, Cayce, sabia quando eu ou o meu marido nos preparávamos para regressar a casa. Parava o que estava a fazer, estivesse no quintal (caso em que pedia para entrar) ou dentro de casa, e ia sentar-se ao pé da porta de entrada no preciso momento em que o meu marido ou eu interrompessemos a actividade a que estavamos entregues. Às vezes o meu marido telefonava-me para dizer que estava a sair do tribunal e perguntava se a Cayce tinha ido sentar-se ao pé da porta. Outras vezes, dizíamos um ao outro quando tínhamos saído do trabalho e perguntávamos se ela tinha ido sentar-se à porta naquele momento. Ela achava que aquela era uma das suas tarefas, tal como ladrar quando o carteiro metia o correio na caixa. Agia da mesma maneira se estivesse em casa dos meus pais, ou num motel ou hotel. Não me parece que ela nos ouvisse pôr os carros a trabalhar quando estes estavam noutra cidade. Não vejo como poderia captar outros indícios sensoriais, uma vez que nem o meu marido nem eu sabíamos quando o outro estava a regressar a casa (a não ser que telefonássemos). Por vezes, eu atrasava-me cerca de meia hora a fazer qualquer coisa. E os julgamentos do meu marido tanto podiam durar o dia inteiro como uma hora.”
Infelizmente, a Cayce morreu em 1992, pelo que não foi possível fazer testes que complementassem estas observações, extraordinariamente claras, do casal Moody.
A Sra. Vida Bayliss vive no meio de quinze hectares de floresta na zona rural do Oregon, a cinco quilómetros da estrada. Tem um cão de sete anos e meio, o Orion, cruzamento de boxer e dobermann, que faz grandes surtidas pelos campos da região. No entanto, quando a Sra. Bayliss chega a casa, apesar de o fazer a horas “muito incertas”, encontra-o quase sempre à sua espera. Já ouvi muitas outras histórias de cães e gatos que andam soltos e à vontade, mas parecem saber a que horas têm de estar em casa para dar as boas-vindas aos donos.
O Orion, além disso, distingue entre pessoas da família e estranhos antes de chegarem, ladrando a dar sinal da aproximação de estranhos mas ficando calado quando se trata de membros da família:
“Pelos vistos, o Orion também é muito selectivo quanto às pessoas que decide “pertencerem à família”. Desde que me divorciei, o meu ex-marido, apesar de manter o mesmo carro, passou a ter direito a ladridos. Mas os meus pais, que raras vezes me visitam, são sempre recebidos de forma amigável e silenciosa. Uma vez, um elemento da família apareceu cá num carro alugado e o cão ladrou-lhe até ele abrir uma janela e lhe falar. Mas, quando o meu carro está na oficina e eu ando com um emprestado, ele não me ladra. A rampa de acesso à minha garagem é acidentada e tem três desníveis acentuados. Será que o Orion me reconhece porque faço este trajecto depressa, independentemente do carro que conduza?”
Para ter resposta a esta pergunta, a Sra. Bayliss podia experimentar regressar a casa a uma hora inesperada e num carro que o cão não conhecesse, conduzido por outra pessoa.
Dezenas de outros casos foram-me relatados por correspondentes dos Estados Unidos, além dos mais de trinta relatos verbais de idênticos casos de comportamento prenunciador, de cães e gatos do Reino Unido e da Alemanha. Falaram-me também de um papagaio com idênticos poderes. Para todos os casos, era possível pensar em testes simples que se podiam fazer para ficar a saber mais coisas. Os exemplos acima referidos ilustram os princípios gerais.
Por esse mundo fora, há provavelmente milhões de pessoas que têm animais de companhia que parecem saber quando eles estão para chegar a casa. Bastava que umas dezenas dessas pessoas estivessem suficientemente interessadas em fazer a investigação pioneira básica para se poder concluir se este fenómeno ultrapassa ou não os tipos convencionais de explicação científica. Se existir um efeito aparentemente “paranormal”, e se este for confirmado por uma série de investigadores independentes, pode então proceder-se a novas experiências para investigar mais profundamente o fenómeno. Nessa altura, talvez fosse útil a participação de investigadores profissionais. E, como os cépticos iriam provavelmente reagir congeminando explicações alternativas cada vez mais subtis, seria necessário fazer testes cada vez mais sofisticados para verificar qualquer hipótese céptica razoável. Mas talvez se chegasse rapidamente a um ponto em que as hipóteses dos cépticos se tornariam ainda mais fantásticas do que a ideia de uma relação até então recusada pela Ciência.
A investigação com animais de companhia que sabem quando os donos estão para chegar a casa está ao alcance de todas as pessoas que tenham um desses animais, em especial se puderem contar com a colaboração da família, dos amigos e, claro, do próprio animal. Para os estudantes pertencentes a famílias que tenham animais destes, tal investigação pode constituir um projecto científico extraordinariamente interessante.
Fonte: LIVRO: «7 Experiências que podem mudar o Mundo» de Rupert Sheldrake