FIFA: o Padrinho

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Horst Dassler
Horst Dassler

Naquele dia, só estavam presentes os mais chegados. É um grupo muito restrito, aquele que acompanha Horst Dassler em Abril de 1987 até à sua última morada. «Monika Dassler caminhava à cabeça do pequeno cortejo que acompanhava o caixão do marido. João Havelange, Juan Antonio Samaranch e Sepp Blatter seguiam directamente atrás da viúva e dos seus filhos».

Horst Dassler tinha apenas 51 anos quando um cancro lhe tirou a vida. Mas ele transformara o mundo do desporto como nenhum outro empreendedor, funcionário ou atleta o fizera antes ou depois dele. Era um visionário que sabia conquistar as pessoas, um ferreiro de alianças, um espião em benefício próprio, e estava no berço do marketing moderno do desporto. Ele era também a figura oficial e, para isso, desligou todos os mecanismos de controlo, ajudado pelas circunstâncias do mundo do desporto, que sempre regulou os seus próprios negócios. Dassler arrastou o desporto até às profundezas da cultura empresarial, maltratando os seus ideais e valores, para se publicitar.

A sua ideia era simples: queria ver os atletas a trajar Adidas — para que os desportistas amadores lhes seguissem o exemplo e, mais tarde, o mundo inteiro, com a era da televisão e da roupa de lazer desportiva. Inicialmente teve de estabelecer contacto com os próprios atletas, mas depressa criou também relações pessoais com os funcionários das associações que queriam lucrar alguma coisa com a assinatura de um contrato de patrocínio. Por fim, Dassler tentou obter o controlo sobre a totalidade das associações desportivas. Fazia com que votassem para se ver livre dos antigos directores, para ele próprio poder depois enviar novos chefes para esses mesmos cargos. Em dez anos, Dassler conseguiu varrer dos cargos os velhos funcionários notáveis e cavalheiros anglófonos e substituí-los por uma pandilha de gananciosos trabalhadores em rede, com os quais transformou o desporto num negócio brutal de biliões.

Pode já ter passado entretanto um quarto de século desde a morte do génio Dassler, mas os seus antigos seguidores têm dividido o mundo do desporto entre si e continuam a dominá-lo completamente sob o espírito do seu antigo mentor, que foi quem os ensinou.

Actualmente, a qualquer leigo, o mundo do desporto, com as suas muitas personagens, parece interminavelmente grande. Mas isto é apenas fachada. Na verdade, continua a estar o mesmo punhado de pessoas no poder desde os anos 70, as quais foram lá postas e orientadas por Dassler. E, se calhar, isso ainda vai continuar assim por mais algum tempo.

O mundo do futebol é dirigido pelo presidente Sepp Blatter, que se deixou nomear em 2011 para um quarto mandato de quatro anos. «Desde o início que eu e Horst Dassler éramos uma espécie de almas gémeas» — caracteriza assim Blatter a sua relação com o mestre. «Ele ensinou-me os meandros da política desportiva -— uma escola muito boa».

Adidas
Adidas

Mesmo no Comité Olímpico Internacional (COI), onde Samaranch, manobrado por Dassler desde 1980, ocupa o trono. Vê-se apenas substituído em 2001, por ter levado a organização à beira da falência, devido à corrupção. Poderá então, em 2013, chegar ao poder um dos seus últimos seguidores, o alemão Thomas Bach. Este tornara-se, em 1985, director promocional internacional e chefe do gabinete de Relações Internacionais na empresa Adidas. Que ele era mais um director de Dassler do que um director da Adidas não está visível só em Documentos da Stasi (Polícia Secreta Alemã). Em tempos, Bach também viu as coisas desta forma: «Não me sentia comprometido com a Adidas, mas sim com Dassler, pessoalmente». Também Walter Trõger, alemão que durante anos foi seu colega no COI, o descreveu como um «ajudantezinho de Horst Dassler».

De facto, Bach tornou-se rapidamente parte do círculo íntimo existente em volta de Samaranch. O público sabe ainda muito pouco sobre este advogado industrial que, após a morte do seu patrão, voltou rapidamente as costas à Adidas e atingiu o topo absoluto na política desportiva. Bach sempre negou ter conhecimento dos jogos sujos de Dassler, quanto mais estar envolvido neles. Isso também incluía a sua presença em encontros secretos com o grupinho de lobbies de Dassler, conforme Documentos arquivados da Stasi (esta é, aliás, a única matéria que o informador da Stasi veio a retirar mais tarde, mesmo que isto tenha tornado a sua história menos lógica).

Assumindo que, em 2013, Bach, que durante anos foi nomeado candidato a presidente, venha efectivamente a ganhar as eleições do COI, e se Blatter, contrariando as suas promessas, quiser continuar em 2015, então o mundo do desporto passa a ser rapidamente controlado por um quarto de século de «dasslarismo». A primeira vez que o homem de Herzogenaurach se fez notar foi, na verdade, nas eleições da FIFA de 1974, que levaram João Haveíange ao trono.

Uma continuidade assim, que normalmente só é possível em empresas familiares, é, em parte, notável, pois o trabalho e a pessoa de Horst Dassler estão associados às completamente renovadas associações do desporto, que, hoje em dia, são mundialmente o foco de crítica. Mais a FIFA do que o COI, comandado pelo reformador e sucessor de Samaranch, Jacques Rogge: corrupção, nepotismo, clientelismo e espionagem. E tudo isto sob o fundo de uma rentabilidade com um crescimento sem fim e de uma acrítica aclamada pelos meios de comunicação desportiva — ao lado de uma credibilidade, igualmente rápida, no seu desaparecimento.

O facto de, em benefício próprio, o desporto continuar a ser governado nos bastidores deve-se à falta de transparência e de uma auditoria externa independente. O mundo do desporto controla-se a si próprio. A isso chama-se autonomia e sobre tal havia muito a dizer nos tempos amadores de Rimet e Coubertin. Actualmente, é essa autonomia que os funcionários e comerciantes do desporto querem preservar, a todo o custo, e resgataram para os tempos modernos. Porquê? Esta autonomia mantém a justiça à distância. Um exército crescente de juristas desportivos internacionais pastoreia este novo terreno, altamente lucrativo, numa tentativa de manter o desporto fora da justiça cível. Existe coisa mais bonita para um alto funcionário do desporto do que esculpir as suas próprias regras? Estas situações pró-democráticas oferecem a melhor matriz para relações mafiosas mundiais.

Isto conduz a situações bizarras, como, por exemplo, a que sucede nas eleições da FIFA de 2011: o presidente em exercício oferece, pouco antes das eleições, a uma federação continental o valor de um milhão de dólares — e, quando isto é divulgado, declara oficialmente que foi uma ajuda ao desenvolvimento por ocasião do jubileu da associação. Baseia-se em normas que possibilitam que, sozinho, doe somas milionárias. Ao mesmo tempo, o seu adversário é banido para sempre, porque também ofereceu um milhão de dólares ao mesmo círculo eleitoral. Da mesma forma, e segundo a tradição da casa, o adversário declarou oficialmente esta soma como sendo correspondente a presentes, despesas com viagens e ajuda ao desenvolvimento. Existe alguma diferença? Não, em princípio não existe. Ambos querem ter os votos do eleitorado. Mas há os privilégios do presidente, que, na prática, sobrepõem os factos às regras, permitindo-lhe, assim, ter o direito de assinar sozinho. Poderá explicar a seu favor qualquer incidente dentro da FIFA. E punir de acordo com isso.

Cada tentativa para perceber alguma coisa sobre este pequeno grupo de dirigentes começa no seu criador. Em Horst Dassler, cujos métodos de trabalho e pessoas escolhidas a dedo ainda continuam a determinar o mundo do desporto.

Fonte: LIVRO: «FIFA Máfia» de Thomas Kistner

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