21 de Maio de 1904. Paris, Rua de St. Honoré. Uma casa nas traseiras. E aqui que se realiza o baptismo da FIFA — Fédération Internationale de Football Association. Os seus pais são o francês Robert Guérin e o holandês Cari Anton Wilhelm Hirschmann. Assistem à cerimónia, como padrinhos, representantes de federações de futebol de sete países europeus: França, Espanha, Suécia, Dinamarca, Bélgica, Holanda e Suíça. Os franceses e os suecos ainda não têm uma reconhecida federação nacional de futebol e os espanhóis são representados pelo Madrid FC, a partir do qual mais tarde, em 1920, resultou o Real Madrid.
A Federação de Futebol da Alemanha inscreve-se nesse mesmo dia, por telegrama, como membro, à qual se juntam também outras federações. Guérin, jornalista no jornal Le Matin, tornou-se o primeiro presidente. A primeira competição futebolística realizou-se no ano de 1908, nos Jogos Olímpicos de Verão, em Londres. Nessa altura, a Direcção da FIFA já estava nas mãos do inglês Daniel Burley Woolfall. É sob a sua presidência, que dura até 1918, que aderem à FIFA os primeiros países não europeus, tais como a África do Sul, a Argentina, o Chile e os Estados Unidos da América.
Os fundadores vêem-se a si próprios — sendo essa uma característica dos tempos pioneiros do futebol — como cosmopolitas. «O XI Congresso expressa a sua disponibilidade para apoiar qualquer iniciativa que aproxime as nações e substitua a violência, através de um tribunal arbitral para a resolução de todos os conflitos que possam surgir entre elas» — isto está escrito numa declaração feita no congresso da FIFA de Junho de 1914, pouco antes do início da Primeira Guerra Mundial. Devido a isso, houve uma paralisação no desenvolvimento da Federação Internacional de Futebol; não há jogos internacionais e algumas federações nacionais, incluindo a de Inglaterra, cancelam a sua filiação.
Imediatamente após a referida guerra mundial e a morte de Woolfall, o co-fundador Hirschmann ajuda a erguer novamente a FIFA; em 1921, o francês Jules Rimet torna-se presidente. E, com ele, o desporto floresce à escala mundial. Rimet mantém-se até 1954. Nos seus anos de juventude, esteve activo no movimento social católico, bem como o seu compatriota Pierre de Coubertin, o fundador dos Jogos Olímpicos modernos. Rimet vê no desporto uma força positiva. A sua inspiração cristã é visível desde o início no futebol mundial: o futebol tem de unir pessoas e nações, promover a aproximação, alcançar o progresso moral e físico e, de uma maneira saudável, gerar prazer e alegria de viver. Após 1924, Rimet, em conjunto com Enrique Buero, um mecenas do desporto sul-americano, faz planos para um Campeonato do Mundo de Futebol. Em 1930, chega esse dia. O primeiro Mundial realiza-se na pátria de Buero, no Uruguai. Quando Rimet se despede, em 1954, ja entregou a taça do Mundial cinco vezes. A FIFA conta então com 85 filiações.
O sucessor de Rimet, o belga Rodolphe William Seeldrayers, morre após um ano em funções. Sucede-lhe, em 1955, o inglês Arthur Drewry, que, em conjunto com Stanley Rous, prossegue o trabalho de Rimet, voltando a filiar, após a Segunda Guerra Mundial, as federações britânicas na FIFA. Em 1961, Stanley Rous torna-se então o terceiro presidente inglês. Rous é secretário da Federação Inglesa de Futebol e antigo árbitro.
Com o fim de Rous como presidente, chega também, nos finais de 1974, o fim de uma era de grandes senhores e cavalheiros. O seu sucessor é João Havelange, que governa com punho de ferro a FIFA até 1998. De seguida, é o seu protegido Sepp Blater que é içado para o trono. Com esta dupla muito experiente, a FIFA desenvolve-se na era comercial e torna-se uma empresa bilionária; com o dinheiro, chegam os escândalos.
A FIFA, que está inscrita no Registo Comercial sob a lei civil suíça secreta, na qual as ideias de Rimet sobre uma única e grande família do futebol tomaram proporções medonhas, e que se tornou uma variante da família siciliana. Com uma cabeça que governa tudo e que não pode ser responsabilizada por nada, com familiares dedicados, que fazem voto de silêncio em relação à conspiração e que transformaram a FIFA num estabelecimento de self-service.
Na Conservatória do Registo Comercial de Zurique, a Federação Internacional de Futebol descreve-se a si própria da seguinte forma: «O objectivo da FIFA é melhorar continuamente o futebol e espalhá-lo mundialmente — levando em conta o significado do futebol na união das nações, do ponto de vista pedagógico, cultural e humanitário. Ou seja, estimular particularmente o futebol através da juventude e de programas de desenvolvimento; organizar o seu próprio torneio internacional; definir regras e regulamentos, e cumpri-los; o controlo sobre a Association Football em todas as suas formas; tomar todas as medidas necessárias para prevenir a violação de estatutos, regulamentos e decisões da FIFA, assim como as regras; evitar o aparecimento de métodos ou práticas que possam colocar em perigo a integridade do jogo ou da competição ou o desrespeito das regras da Association Football». Não está escrito em lado nenhum que o controlo deverá estar nas mãos de um único homem. Mas está lá, sim, que há um único homem que está autorizado a assinar sozinho por esta empresa de biliões: o presidente Joseph Blatter.
Com isso, ele destaca-se, altivo e solitariamente, acima da Direcção da Federação Internacional de Futebol, o assim denominado Comité Executivo. Este organismo é, tirando o congresso bienal, o organismo mais alto dentro da FIFA. Entre outras coisas, atribui as sedes dos campeonatos do mundo de futebol e nomeia os presidentes, membros das comissões permanentes e órgãos judiciais. O comité conta com 25 membros. Um deles é o secretário-geral, que não tem poder de voto, quando é decidido, por exemplo, um Campeonato do Mundo. O presidente, assalariado, sete vice-presidentes, não remunerados, e dezasseis outros elementos formam os restantes 24 membros. São nomeados, segundo uma divisão fixa, pelas federações continentais. A União das Federações Europeias de Futebol (UEFA) pode delegar à administração da FIFA oito representantes; a Ásia (AFC) e a África (CAF) quatro cada; a América do Sul (CONMEBOL) e a América Central e do Norte (CONCACAF) três cada. Um membro do comité é nomeado pela Federação de Futebol da Oceânia (OFC).
Cada membro do Comité Executivo está, por sua vez, ligado a outras comissões e faz habitualmente a gestão das mesmas. A FIFA paga, a bem dizer, a estes funcionários ajudas de custo no valor de 100 000 dólares por ano; em Zurique, pagam 10% de impostos, em vez dos usuais 25%. Todas as suas despesas são reembolsadas pela FIFA: hotéis, voos, outros transportes em classe executiva, refeições, etc. Mais: eles recebem uma ajuda diária de 500 dólares e, em muitos casos, ainda mais 250 dólares, para os seus acompanhantes. A isto ainda se acrescem os fundos de pensões e bilhetes para os mundiais e, sobretudo, relações com palácios presidenciais, parlamentos, altas finanças e comércio não expressáveis em dinheiro.
Assim como o presidente, cada membro do comité tem ao seu dispor um orçamento próprio. A administração aprova também as despesas de quase 30 comissões permanentes da FIFA, que, por sua vez, proporcionam a umas centenas de funcionários não remunerados uma vida sumptuosa, a partir de um emprego honroso.
O especialista britânico em assuntos da FIFA Andrew Jennings publicou muitos exemplos de como membros do Comité Executivo declararam somas avultadas de cinco dígitos pela sua participação em torneios modestos da FIFA — sem justificarem os mesmos. Um exército de juristas colocou a FIFA contra ele, com dinheiro do futebol. Mas este crítico, segundo ele próprio, só se viu mesmo em apuros quando começou a esmiuçar as despesas de Blatter. Isso também já tinha sido feito por alguns opositores de Sepp dentro do próprio Comité Executivo; uma vez, até lhe tentaram mover uma acção em tribunal, por causa da grande quantidade de dinheiro que desaparecera dentro dos seus bolsos. Mas estes opositores internos também nunca conseguiram nada, e, em relação a Jennings, a FIFA podia sempre tomar medidas diferentes: assim, baniram o britânico dos encontros da FIFA e das conferências de imprensa. Isto aconteceu na primavera de 2003, dois anos após a bancarrota, devido à corrupção da organização ISL, um parceiro de longa data da FIFA. Desde essa altura os negócios passaram a ser feitos por uma recém-fundada FIFA Marketing AG, e, tal como na agência de viagens, FIFA Travei AG e na própria FIFA, Blatter também aqui está autorizado a assinar sozinho por esta empresa.
Tirando os funcionários não remunerados, existe um gabinete pago, que também é abrangido pelo presidente e pelo seu secretário-geral, Jérôme Valcke. Na página oficial da FIFA é exibido, no mesmo patamar de Blatter, a directora do gabinete presidencial: Christine Botta, cujo nome de solteira é Salzman. Blatter e a filha do seu amigo de infância de Visp, que conhece desde pequena — não é esta uma imagem harmoniosa? Dois descendentes da vila de Visp, dos Alpes Suíços, no topo do organograma da Federação Internacional de Futebol. A chefe do gabinete de Blatter é casada com o arquitecto Charles Botta, que também podemos encontrar no site da FIFA: constrói dinamicamente estádios para os mundiais de futebol desde a África do Sul até ao Brasil. Além disso, o seu grupo de gestão para a construção edificou o pecaminosamente caro palácio da FIFA no topo da montanha de Zurique.
Além destes confidentes de Blatter de há décadas, ainda há outros oito directores: para os casos jurídicos, a comunicação, as finanças, o marketing, a televisão, as competições, o pessoal e o desenvolvimento.
Tudo isto perfaz um total de nove directores, um secretário-geral e 24 membros do Comité Executivo, incluindo um presidente. A FIFA foi constituída como uma organização sem fins lucrativos — mas são pagas gratificações, como se de uma instituição financeira se tratasse. De acordo com o relatório anual de contas de 2010 da FIFA, os órgãos dirigentes receberam um total de 32,6 milhões de dólares em «benefícios a curto prazo». Como órgãos dirigentes aplicam-se os membros do Comité Executivo e os directores. Também fazem parte os seis elementos da comissão financeira, mas esses já têm assento na comissão executiva. Um montante de 32,6 milhões de dólares — para salários, para ajudas de custo e para os chamados prémios. Este montante vai, no máximo, para 34 pessoas. Quando, ao ordenar, se colocam os directores numa escala de 500 000 dólares e se tomam como referência as declarações de Mohammed Bin Hammam — antigo membro do Comité Executivo, que diz ter recebido, no máximo, no seu tempo, entre 200 000 e 300 000 dólares por ano —, então levanta-se a questão: como é dividido o restante deste enorme lucro? Quem recolhe o quê?
Esta é uma das perguntas empolgantes que queremos investigar.