Fontes clássicas não cristãs sobre a existência de Jesus e do Cristianismo

2
4093
Jesus Cristo
Jesus Cristo

São muitos raros os primeiros escritos não-cristãos sobre Jesus. O facto de terem surgido tão tardiamente leva-nos a pensar, sobretudo, em duas razões fundamentais:

• a primeira, e que o Cristianismo não teve tanto impacto quanto isso como movimento espiritual da época;

• a segunda, é que o mesmo Cristianismo não seria mais do que um dos muitos movimentos judaicos existentes.

Entre os escritos judaicos encontramos alguns indícios do cristianismo em nomes como Flavius Josephus,Fílon de Alexandria e nos Documentos essénios do Mar Morto.

O que se sabe das fontes é que Jesus de Nazaré teria nascido numa época em que Roma dominava a Palestina e Augusto era o Imperador. O que as mesmas fontes referem também não fazem luz sobre a existência de Jesus. O historiador judeu Flavius Josephus que redigiu em grego, narra sobretudo acontecimentos sobre os judeus do I Século cristão. Contudo, as suas referências directas sobre Jesus parecem uma interpolação; se assim for, é significativo que não o tenha referido. Vejamos, então, o que a este respeito falam as outras fontes:

 Os historiadores romanos que fizeram referências passageiras aos cristãos foram Cornélio Tácito (54119), Suetónio Tranquilo (70122) e Plínio, o Moço (61114). No entanto, em todas estas fontes as informações sobre a existência do Cristianismo, dos cristãos, acontecem 50 anos depois da morte de Jesus, sem, no entanto, fazerem qualquer referência à pessoa de Jesus.

Jesus Cristo
Jesus Cristo

Em relação a Cornélio Tácito, este historiador romano escreveu no ano 116 (em que Trajano era Imperador, 98117) o livro chamado Analles que fala sobre os cristãos da seguinte maneira:

“Este nome vem-lhes de Cristo que, sob o reinado de Tibério, foi condenado ao suplício pelo procurador Pôncio Pilatos. Esta perigosa superstição um momento detida, em seguida se espalhou não só na Judeia, onde tal peste nascera, mas até em Roma, onde se encontram e acham acolhidas todas as coisas, as mais grosseiras e as mais vergonhosas!” Não eram muito abonatórias as palavras proferidas pelo historiador em relação aos cristãos, o que pode levar a pensar que na altura a ideia que se tinha dos cristãos não era a mais positiva, talvez por ainda serem muito poucos para sobressaírem na amálgama de crenças que então existiam;

Em relação a Suetónio Tranquilo podemos dizer que foi o autor da obra De Vitta Caesarum (das Vidas dos Césares). Também este historiador faz referências aos primeiros dias do Cristianismo quando este ainda não se tinha distinguido das seitas judaicas que então existiam. Escreveu também uma outra obra intitulada Vitta Claudii (Vida de Cláudio), que foi imperador desde o ano 41 a 54, e onde refere que o imperador “expulsou os judeus de Roma, que eram a permanente causa de desordem por impulso de Cristo”;

Por último, e em relação a Plínio, o Moço, este historiador não fala de Jesus, mas dos cristãos. Das duas, uma: ou tal personagem não existiu ou então a sua acção não foi importante, daí não ter sido mencionado. No entanto, é estranho que tenha referido João Baptista, Herodes e Pilatos. As afirmações de Plínio, o Moço datam de 111 ou 112 d.C;

• Flavius Josephus (37 d.C.100), de quem já falámos anteriormente, na sua obra principal Antiguidades Judaicas cita-o numa passagem em que refere a existência de Jesus como um homem de qualidades exímias, mestre sábio, autor de factos miraculosos. Contudo, há autores que duvidam da autenticidade desta afirmação por ser demasiadamente favorável a Jesus e, depois, porque esta passagem era completamente desconhecida pelos primeiros padres da Igreja, sobretudo Orígenes que faleceu c. do ano 254. Daí que haja autores que defendam que tal passagem tenha sido acrescida à posteriori na obra; A este respeito, Karl Adam refere o seguinte: “A fonte utilizada por Josefo na sua obra ‘Antiguidades‘ fala do governo de Pilatos a propósito de perturbações políticas contínuas. Inserir nesta exposição tão longa reflexão puramente dogmática sobre o Cristo e sem alusão a estas perturbações seria verdadeiramente inexplicável. Assim, esta passagem de ‘Antiguidades‘ parece proveniente de uma mão cristã posterior.“

A polémica é grande sobre este tema, e são várias as teorias apresentadas. Por exemplo, Th. Reinach apresenta a hipótese do historiador das Antiguidades ter feito observações menos boas sobre Jesus e que, então, um autor cristão do II Século as tivesse purificado. Realce-se que o texto de Flavius Josephus sobre Jesus foi escrito quarenta anos depois da presumível morte deste e, sendo assim, este texto pode ser considerado um documento contemporâneo;

• O escritor judeu Justo de Tiberíades que vivia próximo a Cafarnaum e que escreveu a história dos judeus desde Moisés até ao ano 50 não menciona Jesus;

• Fílon de Alexandria (20 a.C.40 d.C.), especialista em assuntos bíblicos e seitas judaicas também não o cita;

• Existem relatos históricos da passagem de uma personagem, conhecida como IsaMasih, em vários locais da Índia (estamos a falar do Bhavishyat Maha-Purana) e que os hindus afirmam ser Jesus de Nazaré. Esta personagem teria morrido na Índia com uma idade superior a 80 anos. Muitos Documentos reportam a estadia de Jesus na Pérsia (Hazrat Isa) onde pregou e curou;

• Um outro exemplo de documento que implicitamente fala de Jesus é no Volume I do FarhangAsafia persa que diz que ele era conhecido como YuzAsaf, que significa “líder dos purificados” (nome associado às curas que operava);

Outros livros, como é o caso do Ahwali AhaliauiParas, escrito por Agha Mustafai, afirma que Yuz Asaf e Jesus eram a mesma pessoa;

A Bíblia Sagrada não fala sobre a visita de Jesus a países como a Índia ou a Pérsia, mas tanto quanto sabemos de Apolónio de Tiana é que fazia prodígios semelhantes aos realizados por Jesus – e que estão relatados na Bíblia tendo estado precisamente nos mesmos lugares aí citados;

Em relação aos escritos dos judeus sabemos que a única personagem histórica que reconhecem como opção possível ao Jesus bíblico é só uma e que dá pelo nome de Jeschua Ben Pandhera que viveu por volta do ano 100 a.C. Mas estamos a falar de um espaço temporal de 100 anos antes da presumível data de nascimento do Jesus bíblico. Acrescente-se, todavia, que de acordo com os relatos tradicionais, esta personagem Jeschua foi morta por apedrejamento e depois enforcada pelo facto de ter habilidade para realizar milagres.

Neste contexto, remetemos o leitor para os manuscritos encontrados a partir de 1947 em onze cavernas da província de Qumran, na actual Israel, nas margens do mar Morto. [1] Em 1967 encontraram-se os últimos. Infelizmente, o que chegou até aos nossos dias é muito escasso e não fosse a publicação do professor John Allegro nada se saberia sobre o seu conteúdo. Assim, o que podemos analisar destes manuscritos é uma pequena parte de uma grande quantidade de rolos que o professor de Oxford, em Inglaterra, traduziu e publicou. Foi o único que publicou as conclusões do seu trabalho de investigação, pois os outros que se tinham comprometido a fazê-lo ainda não o fizeram. O facto é que a comissão responsável pelo estudo destes rolos era composta por teólogos de várias correntes religiosas, metade deles católicos, que tem vindo a estudá-los sigilosamente durante anos e adiando as suas conclusões. Refira-se que o Prof. J. Allegro protestou publicamente quando teve conhecimento de que os rolos ficariam à guarda do presidente da comissão, o padre dominicano Roland de Vaux.

Do exposto remetemos o leitor para a obra do Professor investigador John Allegro «Os Manuscritos do Mar Morto» (que tem tradução portuguesa) a fim de, lendo a obra, ter uma consciência mais ampla da problemática levantada pelos manuscritos. Diga-se que o Prof. estava bastante empolgado com a leitura dos mesmos, pois eram passagens do evangelho de Marcos, datadas de 50 anos depois de Cristo e, por isso, as revelações neles contidas eram importantes, uma vez que eram anteriores às dos outros evangelhos. Depreendeu-se das suas primeiras palavras que os textos revelariam factos capazes de mudar substancialmente o Novo Testamento, isto é, a existência de Jesus: “Espera-se que todos estes trabalhos de investigação venham a público até ao final deste ano (era a década de 70), altura em que os trabalhos deverão ser encerrados pela comissão.” Não vieram e o que ficou publicado é já revelador, mas insuficiente para se retirar desse trabalho uma conclusão definitiva. Haveria necessidade de complementar essa tradução e o seu estudo com todos os outros rolos a fim de, com o puzzle todo montado, se pudesse ter uma análise mais fidedigna de Jesus. Daí que aconselhamos o leitor a ler a obra de J. Allegro e retirar as suas próprias conclusões como ponto de partida para um estudo mais aprofundado quando, então, os outros investigadores da comissão publicarem os seus estudos e conclusões;

Outra fonte interessante é a dos muçulmanos que consideram Jesus como o último grande profeta de Israel, precursor de Maomé. Era conhecido como Issa ou Isa, derivado da palavra síria Yeshu. Nestas fontes (o Alcorão) ele não teria morrido, mas sido elevado aos céus por Alá, enquanto Judas (o seu irmão gémeo) teria sido crucificado como seu sósia.

Jesus Cristo
Jesus Cristo

Parece estranho que Jesus Cristo, personagem tão marcante de uma época, de uma religião, base e fundamento de uma civilização, não tenha sido citado nas fontes dos seus historiadores contemporâneos. Em todo este processo complexo, onde se mesclam crenças e personagens similares quanto aos feitos realizados, o facto de estarem distanciados no tempo por tão poucos anos mais adensa o mistério e a complexidade de se saber ao certo quem é quem. Será Apolónio o próprio Jesus?

O que é dado como certo é que no I Século, contemporâneo do homem Jesus, existiu Apolónio, nascido na mesma altura e em circunstâncias semelhantes, com vida e obra registada na história e que, também ele, tinha seguidores cristãos. Vejamos as semelhanças entre Apolónio e Jesus.

Ambos vestiam túnicas brancas;

Ambos usavam cabelos longos e andavam descalços;

Lutaram contra a escravidão do homem;

Ambos ensinaram aos homens a libertação de todo o sofrimento, independentemente da classe social ou religião;

Ambos ensinavam os seus discípulos de manhã e o povo à tarde;

Ambos operavam milagres e feitos maravilhosos;

Ambos falavam em linguagem velada e, a sós com os seus discípulos, revelavam-lhes grandes coisas;

Ambos defendiam que o nascimento e a morte eram aparências;

Ambos condenavam os sacrifícios a Deus, isto é, os holocaustos de animais feitos nos altares em seu nome;

Ambos profetizavam.

No meio de toda esta amálgama, em que se confunde a história com o mito, há estudiosos que se inclinam fortemente para a possibilidade do Jesus bíblico ser uma espécie de “montagem” – fabricada por alguma das seitas judaicas existentes na época da vida do Jeschua judeu com a vida de Apolónio de Tiana. No entanto, os grandes mestres contemporâneos, como Paramahansa Yogananda e Sathya Sai Baba, afirmam que não se pode duvidar da existência histórica de Jesus, embora toda a tradição religiosa tenha sido criada com as naturais evoluções e ramificações.

E o que dizem as fontes primitivas da Igreja sobre Jesus ?

Em todo este cenário torna-se pertinente a seguinte pergunta: o que houve com os arquivos oficiais de Roma sobre Jesus e o Cristianismo? Em Roma conhece-se a existência de duas formas deste tipo de Documentos oficiais:

As Acta Senatus (Actas do Senado), que são o resultado das sessões dos senadores;

 As Commentarii Principis (Correspondências ao Imperador).

Nestes arquivos não se encontra nada a respeito de Jesus, e nem sequer há um resumo sobre qualquer deliberação que tivesse sido tomada acerca do Cristianismo. Já o dissemos anteriormente e nunca é demais realçar que esta ausência é tida como natural se pensarmos que, por muitos anos, o Cristianismo era tido apenas como uma derivação do judaísmo, ainda que já fosse bastante diferenciado.

Mas uma outra pergunta assalta-nos ao pensamento: Não haveria nestes arquivos oficiais algum relatório de Pilatos (uma vez que, como governador, tinha de fazer relatórios ao Imperador sobre os principais assuntos da sua província) ao Imperador, neste caso Tibério, sobre o julgamento e a condenação de Jesus? Em tal relatório teria necessariamente de constar esse acontecimento. Porém, e à semelhança do que acontecia com todos os outros registos, também nele nada se encontra.

Conclusões

Quanto mais investigamos sobre o Jesus bíblico mais perguntas se colocam, pois se existem indícios, segundo alguns autores, que nos levam à veracidade da história do julgamento e da condenação de Jesus, existem, por outro lado, as falsificações de Documentos que deitam por terra todas as nossas cogitações. E, por exemplo, o caso do que aconteceu com o texto do apologista cristão Justino, no ano 150, dirigido ao Imperador Antonino, onde faz alusão aos Actos de Pilatos. Anos mais tarde, o cristão Tertuliano afirmou que o que tinha dito Justino era verdade, admitindo que o julgamento, a condenação e a morte de Jesus tinham sido, de facto, relatados por Pilatos a Tibério. Por fim, no Século IV, alguns falsificadores deturparam o documento. Todavia, não se aperceberam de que o nome do Imperador que mencionaram deveria ter sido Tibério, e não Cláudio.

Expomos esta problemática complexa para mostrar aos leitores o quanto é difícil discernir o verdadeiro do falso. É deveras obscura a história da origem do Cristianismo e escassíssima a informação contemporânea sobre a pessoa de Jesus.

NOTAS:

[1] Em 1947, em Qumran, foram encontrados rolos de pergaminho que falavam em Crestus e não em Cristo. A Igreja, ao tomar conhecimento da descoberta de tais Documentos, pretendeu fazer crer que o tal Crestus era o mesmo Cristo de sua criação, só que as investigações posteriores revelaram que se tratava de uma falsificação da Igreja. Tais Documentos haviam sido escritos quase um século antes do nascimento oficial de Jesus Cristo. Crestus, Cristo e Jesus eram nomes muito comuns, tanto na Galileia como na Judeia. Por seu lado, Fílon de Alexandria, apesar de ter contribuído muito para a construção do Cristianismo, nega a existência de Cristo tal como nos é relatado. Há ainda a referir que, se a palavra Cristo significava o Ungido, aquele que havia alcançado a Iluminação, Crestus significava o aspirante ou candidato à Iniciação espiritual. Aliás, na época do Jesus Cristo bíblico, não havia nenhuma localidade chamada Nazaré. O nome ‘Jesus de Nazaré’ quer dizer que essa excelsa personagem que poderá ter sido, inclusive, Apolónio de Tiana, alcançou o elevado grau do Nazareato na comunidade mística dos Nazarenos.

Há, ainda, a salientar que, naquela época, havia, de facto, crestianos, que eram os discípulos ou seguidores de um Mestre espiritual. A Igreja, abusivamente ou por ignorância, adoptou erroneamente o termo cristão para definir os crentes em Cristo, quando, na verdade, cristão traduz a qualidade de Discípulo ou Iniciado.

Fonte: LIVRO: «Apolónio de Tiana – O Taumaturo Contemporâneo de Jesus» de Eduardo Amarante, Dulce Leal Abalada & George Robert Stowe Mead

2 COMENTÁRIOS

  1. Srs.

    Uma boa noite.

    Achei interessante a matéria. Eu vou pesquisar as informações.

    Infelizmente a religião matou mais que todas as guerras e provavelmente tem muita coisa debaixo do tapete. Não tenho uma denominação.

    Entretanto, eu acredito em Deus, leio a Bíblia e tenho esperança na vinda de Deus (visão bíblica). Uma pergunta um pouco fora do contexto, porque mexe com a opinião de vocês. Se tirarmos Jesus, a Bíblia e toda essa história, como fica a situação do homem na terra? A existência da própria humanidade; é impossível essa história de bilhões de anos que um ancestral evoluiu de uma bactéria ou animal. São tantas coisas interligadas, que para isso existir só uma mente muito inteligente poderia coordenar e encaixar tudo isso, pois pressupõe uma ordem lógica, calculada e planejada. É impossível fazer vida a partir do zero, ao menos que alguém detenha o conhecimento de como criá-la. Por isso, sinceramente, isso não me abala. Porém, fico preocupado com vocês. No que vocês acreditam? Qual a sua esperança? O homem, não tem poder de vida, fora de Deus, simples assim. Isso pode levar anos e mais anos de estudos. Será essa esperança que vocês tem?

    Obrigado

    • Amigo Robson,

      Antes de mais, gostaríamos de agradecer pela sua colaboração.

      Em relação aos motivos da sua preocupação, gostaríamos de lhe responder enfatizando alguns aspectos:

      1- Não somos defensores de qualquer crença ou fé. Fazemo-lo por concordar com a frase de Robert Anton Wilson, que diz que “a crença é a morte da inteligência”. Isso acontece, porque quando passamos a acreditar em algo, além de não sabermos nada sobre o assunto, acreditamos que sabemos e interrompemos a busca. É aí que morre a nossa busca, a nossa curiosidade, a nossa inteligência. Ficamos fechados num compartimento, numa prisão criada por nós próprios, não ousando de lá sair.

      2- Não criticamos a sua visão de que toda este mistério que é o Universo e a Existência tenham tido um criado ou façam parte de uma inteligência superior que tudo rege, se assim se lhe queira chamar, mas, porque ficar centrado em Jesus e na Bíblia? Com tantos pretensos mestres, avatares, tradições e livros sagrados que há no mundo, porque ficar encerrado na tradição judaico-cristã? Aliás, basta olhar para o mundo ao nosso redor para nele encontrar a sacralidade de toda a existência, maravilharmo-nos com isso e daí retirar as nossas respostas. Porque ficar encerrado em certos ensinamentos, fechando-nos a tudo o resto?

      Cumprimentos.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here