Grandes empresas de chocolates processadas devido a escravidão infantil

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Trabalho infantil
Trabalho infantil

Oito crianças que afirmam ter sido utilizadas em trabalho escravo nas plantações de cacau na Costa do Marfim efectuaram uma ação judicial contra as maiores empresas de chocolate do mundo. Eles acusam as corporações de ajudar e encorajar a escravidão ilegal de “milhares” de crianças em quintas de cacau nas suas cadeias de abastecimento.

A Nestlé, Cargill, Barry Callebaut, Mars, Olam, Hershey e Mondelēz foram citadas como réus numa ação movida em Washington pela empresa de direitos humanos International Rights Advocates, em nome de oito ex-crianças escravas que afirmam ter sido forçadas a trabalhar sem remuneração nas plantações de cacau no país da África Ocidental.

Os autores da acção, todos originários do Mali e actualmente jovens adultos, pretendem uma indenização por trabalho forçado e outra indenização adicional por enriquecimento sem causa, supervisão negligente e imposição intencional de sofrimento emocional.

É a primeira vez que uma ação coletiva deste tipo é movida contra a indústria do cacau num tribunal dos Estados Unidos. Citando pesquisas do departamento de estado dos EUA, da Organização Internacional do Trabalho e da Unicef, entre outros, os documentos judiciais alegam que a experiência dos queixosos com a escravidão infantil é espelhada pela de milhares de outros menores.

A Costa do Marfim produz cerca de 45% da oferta global de cacau, um ingrediente essencial do chocolate. A produção de cacau na África Ocidental à muito está associada a violações dos direitos humanos, pobreza estrutural, baixos salários e trabalho infantil.

Uma alegação central do processo é que os réus, apesar de não serem donos das quintas de cacau em questão, “lucraram conscientemente” com o trabalho ilegal de crianças. De acordo com as alegações, os fornecedores contratados pelos réus conseguiram oferecer valores mais baixos do que se tivessem a contratar trabalhadores adultos com equipamento de proteção adequado.

Protocolo Harkin-Engel
Protocolo Harkin-Engel

O processo também acusa as empresas de enganar ativamente o público na sua promessa de 2001, para “eliminar gradualmente” o trabalho infantil. O prazo original para cumprir o compromisso, efectuado como parte do protocolo HarkinEngel, era 2005. A Fundação Mundial do Cacau, orgão da indústria ao qual todos os réus pertencem, actualmente visa atingir a meta, de eliminar o trabalho infantil, até 2025.

Na reivindicação, todos os oito queixos descrevem ter sido recrutados no Mali através de astúcia e engano, antes de serem traficados através da fronteira para as quintas de cacau na Costa do Marfim. Lá, eles foram forçados a trabalhar – muitas vezes por vários anos ou mais – sem vencimento, sem documentos de viagem e sem nenhuma ideia clara onde estavam ou como voltar para as suas famílias.

Os documentos do tribunal alegam que os queixos, todos menores de 16 anos na altura do recrutamento, trabalhavam em quintas nas principais áreas produtoras de cacau do país. A aparente influência dos réus nestes mercados é descrita como “dominante” pelo advogado dos queixosos.

O processo afirma que um dos queixosos tinha apenas 11 anos quando um morador local de sua cidade natal, Kouroussandougou, no Mali, prometeu-lhe trabalho na Costa do Marfim a ganhar 25 mil francos CFA por mês. Os documentos legais alegam que a criança trabalhou dois anos sem nunca receber qualquer vencimentos, tendo muitas vezes aplicado agrotóxicos e herbicidas sem indumentária de proteção.

Os documentos afirmam que outra criança queixosa no processo teve cortes visíveis nas suas mãos e braços devido a acidentes com faca de mato. Ao falar da sua experiência de trabalho forçado entre 2009 e 2011, ele recorda-se de ser constantemente mordido por insectos. Como a maioria dos queixosos, ele alega na ação judicial que lhe prometeram o pagamento do vencimento após a colheita, mas nunca se veio a verificar.

Muitos dos queixosos citados nos autos judiciais relatam terem sido pouco alimentados e trabalharem longas horas. Adicionalmente, afirmam que foram mantidos sozinhos ou isolados de outras crianças trabalhadoras, que falavam dialetos diferentes.

Durante o trabalho de campo para este caso, a equipa jurídica dos queixosos disse que rotineiramente encontraram crianças utilizando facas de matos, a aplicar produtos químicos e a realizar outras tarefas perigosas nas plantações de cacau que estavam a produzir para um ou mais dos réus.

Além de serem moralmente repugnantes, esses abusos contra crianças representam um “desastre humanitário”, pois contribuem para a pobreza contínua na Costa do Marfim, afirmam os documentos do tribunal. O uso generalizado da escravidão infantil também é considerado responsável  pelos queixosos por causar “traumas mentais e físicos de longa duração” a essas mesmas crianças.

A documentação do caso afirma que os réus são responsáveis pelo desenvolvimento de todo o sistema de produção de cacau da Costa do Marfim. Como os principais  participantes neste “empreendimento”, afirma-se que eles sabiam ou deveriam saber sobre o uso “sistemático” do trabalho infantil.

International Rights Advocates
International Rights Advocates

O caso está ser levado ao abrigo da Trafficking Victims Protection Reauthorization Act de 2017. O International Rights Advocates está atualmente envolvido numa queixa separada apresentada sob o Estatuto de Delito Estrangeiro contra a Nestlé e contra a Cargill.

Em comunicado, a Cargill afirmou: “Estamos cientes do processo e embora não possamos comentar os detalhes desse caso agora, a empresa pretende reforçar que não temos tolerância para o trabalho infantil na produção de cacau. As crianças pertencem à escola. Eles merecem condições de vida seguras e acesso a uma boa nutrição”.

A Nestlé afirmou que a ação judicial “não promove o objetivo comum de acabar com o trabalho infantil na indústria do cacau” e acrescentou: “O trabalho infantil é inaceitável e vai contra tudo o que defendemos. A Nestlé tem políticas explícitas contra isso e é inabalável na nossa dedicação para acabar com o trabalho infantil. Continuamos comprometidos com o combate ao trabalho infantil na cadeia de abastecimento do cacau e abordar as suas causas profundas como parte do Plano do Cacau Nestlé e através de esforços colaborativos”.

Em resposta à notícia do processo judicial, um porta-voz da Mars disse: “Não comentamos sobre qualquer possível litígio pendente”.

A Mondelēz disse que não deseja comentar.

Barry Callebaut afirmou que comprometeu-se a erradicar o trabalho infantil da sua cadeia de abastecimento até 2025. “Todos os anos publicamos o progresso que fizemos no nosso relatório de progresso da Forever Chocolate”.

Um porta-voz da Olam afirmou que a empresa tem uma política de tolerância zero para o trabalho forçado ou escravo na sua cadeia de abastecimento. “Se identificássemos qualquer instância, tomaríamos medidas imediatamente, o que inclui notificar as autoridades competentes”.

Um porta-voz da Hershey afirmou: “Entendemos e concordamos com as preocupações sobre os casos comoventes de trabalho infantil e forçado. A Hershey não tolera o trabalho infantil ou forçado na nossa cadeia de abastecimento. Essas violações dos direitos humanos não têm lugar na indústria global do cacau e temos o compromisso de acabar com isso. A eliminação efetiva das violações dos direitos humanos e a abordagem da questão subjacente da pobreza, que é a causa principal dessas violações trabalhistas, requer um investimento significativo e intervenção na África Ocidental, não nos tribunais”.

África Ocidental
África Ocidental

“Temos trabalhado muito nos últimos anos para implementar programas significativos e trabalhar com os nossos fornecedores de cacau e governos da África Ocidental para combater esses problemas e utilizar a nossa influência para causar um impacto positivo”.

Fonte: theguardian.com

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