Em 1954, uma pequena companhia farmacêutica alemã, a Chemie Grünenthal, tinha como objectivo aumentar os seus lucros aproveitando o “boom” dos antibióticos que ocorreu no pós-guerra.
Os investigadores da Grünenthal, ao tentarem encontrar técnicas simples e pouco dispendiosas para produzir novos antibióticos produziram a ftaloilisoglutamina, um composto derivado do ácido glutámico. Mas esta molécula que passou a ser denominada de talidomida, afinal não possuía as características anti-bacterianas desejadas. Nos testes realizados em animais, não demonstrou possuir nenhum efeito anti-tumoral ou sedativo; mostrava-se também atóxica, mesmo em doses muito elevadas. Herbert Keller, farmacologista da Grünenthal, levantou a hipótese de que mesmo não exibindo efeitos sedativos nos animais, a talidomida poderia funcionar no Homem, e ainda que também neste não funcionasse, como não revelou toxicidade, não poderia trazer prejuízos. Em ensaios clínicos, os investigadores da Grünenthal verificaram que a talidomida apresentava a capacidade de induzir um sono profundo nos indivíduos testados. Estes resultados foram estrondosos porque os fármacos sedativos eram um grande negócio na Europa no pós-guerra, mas tinham o inconveniente de serem tóxicos.
A talidomida foi introduzida no mercado no ano de 1956 com o nome comercial de Contergan®. Para além de um potente efeito sedativo e hipnótico, apresentava também características anti-eméticas, revelando através de experiências com animais uma toxicidade aguda muito baixa. Dadas as suas características farmacológicas, foi utilizado por mulheres grávidas no combate às insónias e ansiedade, e também no alívio dos enjoos matinais. A sua acção terapêutica permitiu que rapidamente fosse um êxito no mercado farmacêutico, atingindo grande popularidade particularmente na Europa e no Canadá, mas também na Ásia, Austrália, América e Africa, podendo ser encontrada com pelo menos 40 designações comerciais (Contergan®, Distaval®, Talimol®, Kevadon®, Nibrol®, Sedimide®, Quietoplex®, Neurosedyn®, entre outras).
O facto de se tratar de um Medicamento Não Sujeito a Receita Médica (MNSRM), terá contribuído para o seu êxito mas também para as consequências desastrosas decorrentes da sua utilização. Nos EUA, no entanto, a FDA (Food and Drug Administration) nunca chegou a autorizar a sua introdução no mercado, devido à ocorrência de alguns efeitos neurológicos raros – alguns doentes que tomavam este fármaco durante largos períodos de tempo, relatavam períodos de perda de sensibilidade nas mãos e nos pés. Ensaios experimentais feitos para investigar a causa destes efeitos mostraram-se inconclusivos quanto à sua origem.
Os primeiros relatos de crianças nascidas com malformações, que incluíam a ausência ou o encurtamento dos braços, pernas ou até mesmo de dedos, para além de malformações em órgãos internos, remontam ao fim da década de 50.
Em 1961, McBride e Lenz, ao trabalharem separadamente (o primeiro na Austrália e o segundo na Alemanha), investigando junto das mães cujos bebés nasciam com estas malformações, identificaram um elo de ligação entre a toma deste fármaco e o aparecimento destas malformações congénitas. Em Novembro de 1961 quando se provou o seu potencial teratogénico, a talidomida foi imediatamente retirada do mercado em vários países, continuando no entanto a ser comercializada em alguns países como Bélgica, Brasil, Canadá, Itália e Japão, por vários meses.
Dado o aumento do número de casos documentados nos quais as mães tomaram talidomida durante a gestação, foi possível identificar um conjunto de malformações atribuídas a este fármaco: ausência do pavilhão auricular e consequentemente surdez; imperfeições nos músculos do olho e da face; ausência ou hipoplasia dos braços, afectando sobretudo o rádio; dedo polegar com três articulações; deficiências no fémur e na tíbia; malformações no coração, nos intestinos, no útero, e na vesícula biliar.
Vários dados sugerem que o período de maior sensibilidade para uma exposição do feto à talidomida e a ocorrência deste conjunto de efeitos desastrosos ocorra entre o 34º e o 50º dia de gravidez.
Nesta altura, os procedimentos utilizados para testar um fármaco novo não eram tão exigentes como são actualmente e apesar de terem sido feitos vários ensaios com a talidomida, estes não revelaram o seu potencial teratogénico. Esta dificuldade terá sido causada por diferentes espécies animais não apresentarem o mesmo comportamento relativamente à acção da talidomida. Actualmente sabe-se que a teratogenicidade da talidomida não afecta os ratinhos, enquanto que os coelhos e os humanos são muito susceptíveis aos efeitos desastrosos deste fármaco.
Em todo o mundo aponta-se para que tenham nascido cerca de 10000 a 15000 crianças vitimas dos efeitos teratogénicos da talidomida, sendo que destas apenas cerca de 8000 crianças terão conseguido ultrapassar o primeiro ano de vida. Apesar de se apontar este número de vítimas, muitas mais terão sido, uma vez que muitos abortos ocorreram devido à toma deste fármaco mas, no entanto não ficaram assim documentados, e portanto nunca teremos conhecimento da verdadeira escala deste desastre.
Apesar de ter sido totalmente proibida devido aos seus efeitos teratogénicos, a talidomida reapareceu anos mais tarde como uma alternativa no tratamento de várias doenças do foro dermatológico. Em 1961, um dermatologista israelita chamado Sheskin, descobriu fortuitamente que a talidomida apresentava grande eficácia no tratamento do eritema nodoso leproso (ENL). Esta descoberta foi o ponto de partida para novos estudos sobre os efeitos da talidomida, sendo a sua administração para o tratamento do ENL aprovada pela FDA em 1968.
As suas características imunomoduladoras e a sua capacidade antiangiogénica despertaram o interesse da sua utilização no tratamento de doenças inflamatórias e auto-imunes, e na regressão de diversos tipos de cancro. A capacidade de impedir a formação de novos vasos sanguíneos, que travou o crescimento dos membros a milhares de crianças no Mundo, é actualmente utilizada para impedir a progressão de tumores malignos, sendo utilizada no combate de mielomas múltiplos. Outras aplicações possíveis são o tratamento de infecções graves, como as sofridas por portadores de HIV e síndrome de Behçet e, também na amenização da letargia e náusea dos pacientes submetidos a quimioterapia.
Actualmente este fármaco é comercializado pela Celgene com o nome comercial Thalomid®. Mas os seus desastrosos efeitos teratogénicos obrigam a que a sua administração esteja sujeita a um apertado sistema de controlo pela FDA e pela Celgene, através de um “Sistema para a Educação sobre a Talidomida e Segurança da sua Prescrição” (S.T.E.P.S. – System for thalidomide education and precribing safety). Apenas médicos registados no programa S.T.E.P.S. podem prescrever este fármaco.
As normas de segurança incluem informações acerca dos riscos relacionados com a terapia, conselhos para uma eficaz contracepção, uma declaração que deve ser assinada pelos doentes e pelos médicos, um questionário confidencial a ser preenchido pelo doente, antes, durante e após completar a terapia, entre outros itens. O acesso a este fármaco é agora extremamente restrito. Para evitar que os males do passado se repitam, o “Sistema para a Educação sobre a Talidomida e Segurança da sua Prescrição” dita, entre outras coisas, que os pacientes, homens e mulheres, se submetam a medidas contraceptivas obrigatórias. Às mulheres é obrigatoriamente requisitado um teste de gravidez nas 24 horas que precedem ao início do tratamento, e regularmente durante todo o tratamento, devendo ser obviamente negativo.
Por várias vezes tem sido levantada a hipótese da talidomida conseguir provocar malformações na descendência dos indivíduos que foram expostos a este fármaco durante a sua vida fetal. Inclusivamente, em 2003 a OMS (Organização Mundial de Saúde) emitiu uma publicação na qual referia essa possibilidade, no entanto esta suposição parece ser improvável, na medida em que até hoje não existem evidências científicas que a consigam provar. Vários cientistas defendem que não existe qualquer razão para se pensar que qualquer pessoa que tenha sofrido o efeito embriotóxico deste fármaco apresente uma maior probabilidade de originar descendência com malformações congénitas. Para isto se verificar, ou as malformações ocorridas durante a gestação conseguiriam de alguma forma ser perpetuadas à descendência, ou para além de teratogénica a talidomida deveria também ser mutagénica. A primeira hipótese está posta de parte uma vez que o Lamarkismo há já muito tempo deixou de ser sustentado pelos cientistas. A possibilidade de ter características mutagénicas também não está fundamentada, pela ausência de dados científicos. Portanto, as malformações congénitas não têm maior probabilidade de ocorrer em crianças descendentes de vitimas da talidomida do que na restante população.