Ouvimos constantemente a exclamação: “os hospitais já estão sobrelotados e não têm capacidade”.
Mas estarão mesmo?
Neste artigo iremos analisar a situação, apresentando dados que permitirão clarificar a situação.
Hospitais fechados
Apesar de ter sido declarada Pandemia, Portugal deu-se ao luxo de ter hospitais fechados (os hospitais do SAMS). [5]
Internamentos
No gráfico seguinte fornecido pelo site do Serviço Nacional de Saúde (SNS), a laranja, vemos o total de dias de internamento no SNS. Está abaixo dos anos anteriores. 3.186.977 dias totais de internamento até Julho deste ano versus uma média de 3.600.000 nos anos anteriores. Menos 400.000 dias de internamento totais. O mesmo cenário para o total de pessoas internadas, a verde. [1]
Cirurgias
No gráfico seguinte observa-se o mesmo cenário no que diz respeito às cirurgias. [2]
- Cirurgias Programadas: -96.562
- Cirurgias Convencionais: -27.402
- Cirurgias de Ambulatório: -69.160
- Cirurgias Urgentes: -7.475
- Total de cirurgias a menos que 2019: 200.599
Consultas
O próximo gráfico apresenta um cenário semelhante no que diz respeito às consultas médicas hospitalares. [3]
Taxa de Ocupação
O gráfico seguinte dá-nos uma boa ideia da evolução da taxa de ocupação, com uma queda acentuada este ano. [4]
Urgências
Ao nível da actividade de Urgências há dados actualizados que nos dizem que esta diminuiu muito em 2020 e continua muito reduzida em 2021, se comparada com os anos anteriores. [33]
Há um serviço que permite um acompanhamento em tempo real do número de pessoas presentes nas urgências dos vários hospitais. Têm sido várias as partilhas pelas redes sociais que têm atestado o reduzido número de casos de urgência. [34]
O colapso dos cuidados básicos
Um estudo da Universidade Nova de Lisboa dá conta da enorme redução dos números ao nível dos cuidados de Saúde prestados, conforme se pode verificar pela tabelas abaixo: [13]
Internamento de pessoas por motivos sociais
Em Portugal, até se dá ao luxo de ocupar camas hospitalares com doentes com alta, por motivos sociais: um em cada cinco ex-pacientes. [7]
Sobrecarga nos outros anos anteriores
2007
A Gripe levava cerca de 16 mil pessoas por dia ao Hospital. Anunciava-se que os médicos estavam a trabalhar sob pressão. [19]
2012
Em 2012, anunciava-se a pré-ruptura em muitos serviços hospitalares, com os corredores a servirem de abrigo a muitos doentes enquanto as unidades de Saúde reorganizavam os serviços por falta de camas para internamento. A maior parte teve de abrir vagas noutros serviços e reorganizar a assistência. [8]
2015
Urgências lotadas. [38] O secretário de Estado da Saúde afirmou que alguns hospitais estavam “a atingir os máximos da sua capacidade de resposta” e apelou à população para evitar o congestionamento das urgências hospitalares. [12] Avançou-se com a possibilidade dos hospitais em ruptura puderem desviar doentes para privados. [17] A DGS recordou que é habitual morrerem 12 mil a 13 mil pessoas no Inverno. [21] O Ministro da Saúde referiu que 700 mortos nas urgências em janeiro “nada tem de assustador”. [37]
Uma equipa de reportagem da TVI registou o caos em muitos hospitais, que continuavam há algum tempo, com doentes internados em macas nos corredores. Referia-se que havia “pessoas a gritar” e agressões a médicos. Tal verificava-se, mesmo após medidas anunciadas pelo Governo. Relatava-se que o Hospital de Chaves parecia um “retrato de outro mundo”, e à semelhança do Hospital Amadora-Sintra, tinha macas espalhadas pelos corredores. No Hospital de Setúbal, havia ambulâncias retidas à espera de maca para libertarem os doentes. Foi assim que alguns pacientes faleceram. [26]
Vários hospitais da região Norte viram aumentada a sua capacidade de resposta com a abertura de mais 145 camas e com horários alargados em 85 unidades de saúde. [29]
António Arnaut assumiu um colapso do SNS e fez apelo a Cavaco Silva, então Presidente da República. [27]
A jornalista Ana Leal descreveu estado do serviço de urgência de 15 unidades de Saúde em Portugal, como sendo de «terceiro mundo»: “Corredores parecem hospitais depois de um Tsunami.” [28]
2016
Noticiava-se que vários hospitais de todo o país estavam à beira da ruptura com tempos de espera na urgência que atingiam as 12 horas, apesar de na altura, ainda se estar longe do pico da Gripe. [15] Os médicos falavam em falta de meios. A maioria dos casos foram de idosos com doenças crónicas e doentes com infecções respiratórias. [18] Houve hospitais, que em desespero de causa, tentaram recrutar médicos, oferecendo-lhes verbas avultadas (1000 euros por turno). [16] Outra notícia avançava que o caos nas urgências esgotou camas e macas nos hospitais. [23]
2017
Havia pacientes a esperar mais de 48h nos corredores e um paciente chegou a ficar 6 dias à espera de cama. [41]
Anunciou-se que a Pneumonia era a doença respiratória com maior índice de mortalidade em Portugal. [30] Acrescentou-se que as doenças respiratórias matavam mais de 22 mil por ano em Portugal, [31] tendo subido 25% na última década. [32]
2018
Filipe Froes queixava-se que o SNS estava no limite, apesar de ainda não se ter atingido o pico da Gripe. [9] Vários hospitais denunciaram condições de sobrecarga: macas aglomeradas em zonas de recepção e triagem. Enfermeiros a queixarem-se da falta de capacidade — humana e material — para atender os doentes em pleno pico da Gripe. Urgências sobrelotadas com dezenas de doentes deitados em macas acumuladas por vários espaços do hospital, etc. [10] António Costa admitiu situações de “ruptura” e “caos” em alguns hospitais devido ao surto de Gripe. [24]
Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos, não tinha dúvidas ao afirmar: “Se houver um pico grande, a maioria dos hospitais não está preparada.” [14]
Um enfermeiro escreveu uma carta aberta ao presidente do conselho de administração do Amadora–Sintra, onde relata a situação indigna para profissionais e doentes nas urgências do hospital. A carta, que publicou no Facebook, teve centenas de partilhas. Alguns trechos do que escreveu: [36]
“Não há um turno em que um médico ou um enfermeiro não desabafe sobre o que se passa nas urgências: perguntamo-nos ‘para onde estamos a caminhar’, dizemos que ‘estamos a fingir que somos médicos e enfermeiros’, que ‘não é forma de tratar os doentes. (…) Naquele serviço, os doentes precisam de ter condições mais dignas. Aquilo não é forma de cuidar dos doentes. (…) Chegamos a ter 100 doentes internados nas urgências quando, oficialmente, existem apenas 45 camas.”
Noticiou-se que em alguns locais chegaram a registar-se mais de 20 horas de espera nas urgências, com doentes no chão e pelos cantos. Um familiar de um paciente chegou mesmo a ameaçar com um faca um técnico de saúde. [40]
No vídeo seguinte, num excerto do Programa Prós e contras em 2018, confrontada com um pico de Gripe, surge o relato dramático de uma enfermeira, Vanda Veiga: “tínhamos de escolher quem ia para o ‘canto da morte’.”
2019
Foi publicado que que o SNS estava a “cair aos bocados”. [25]
Noticiava-se que os hospitais estavam lotados. A poucos dias do pico da gripe, os tempos de espera dispararam. Noites caóticas no Amadora–Sintra, onde os pacientes tiveram de esperar 10 horas. [39]
2020
Em Janeiro, ainda antes do alegado aparecimento da pandemia de COVID-19, também se noticiava a que a Gripe estaria a conduzir as urgências dos hospitais ao caos. [20]
Ainda em Janeiro de 2020, mais de 15 ambulâncias em simultâneo causaram o caos nas urgências do hospital de Setúbal. Os profissionais garantiram que não havia macas suficientes para transportar doentes. [22]
Despedimentos no Hospital de Faro
Apesar de se decretar uma situação muito complicada nos hospitais, no início de 2021, foram despedidos funcionários do Hospital de Faro. [35]
E o que se passa noutros países?
Noutros países, apesar do que tem sido divulgado pelos Meios de Comunicação Social, não se vislumbra uma maior sobrecarga dos meios hospitalares.
Num artigo publicado no The Telegraph, revela-se que no Reino Unido, apesar das notícias que nos dão conta da existência de uma segunda vaga, o grau de ocupação nos cuidados intensivos, está ao nível dos anos anteriores, tendo estado bastante abaixo nos meses precedentes. A mesma notícia revela que mesmo no pico alegadamente relativo à COVID-19 em Abril, a ocupação nunca passou dos 80%. [6]
Em Itália, cirurgias adiadas, turnos adiados, médicos e enfermeiros reconvocados das férias, Apelos de médicos a toda a região, ausência de camas de reanimação para doentes graves. Ano? 2018. Causa? Gripe. [11]
Conclusão
Como se pode verificar neste artigo, todos os dados indicam que em 2020 o SNS tem tido vida mais tranquila do que nos anos anteriores e portanto as alegações de que a COVID-19 veio sobrecarregar enormemente o SNS são manifestamente falsas.
Os únicos aspectos que vêm contrariar esta tendência são a ausência de vários técnicos de Saúde, que acabam por entrar em isolamento profilático, ou pelas medidas extremas de proteção utilizadas nos hospitais, que fazem com que todos os processos sejam mais morosos e trabalhosos.
Fontes:
[1] Atividade de Internamento Hospitalar. Serviço Nacional de Saúde. Transparência.
[3] Consultas Médicas Hospitalares. Serviço Nacional de Saúde. Transparência.
[4] Taxa de Ocupação Hospitalar. Serviço Nacional de Saúde. Transparência.
[9] «“Por que é que o SNS está de pantanas se a gripe ainda é ligeira”?» Público. 12 de Janeiro de 2018.
[14] «Hospitais não estão preparados para pico forte de gripe.» Público. 31 de Dezembro de 2018.
[18] «Urgências cheias e a gripe ainda não chegou.» Sábado. 8 de Dezembro de 2016.
[19] «Gripe leva 16 mil por dia ao hospital.» Correio da Manhã. 9 de Fevereiro de 2007.
[20] «Gripe alastra e leva o caos às Urgências.» Correio da Manhã. 3 de Janeiro de 2020.
[23] «Caos nas Urgências esgota camas e macas nos hospitais.» Correio da Manhã. 30 de Novembro de 2016.
[25] «Como o Serviço Nacional de Saúde está a cair aos bocados.» Visão. 4 de Agosto de 2019.
[26] «Caos nas Urgências: Há «pessoas a gritar» e agressões a médicos.» TVI24. 5 de Fevereiro de 2015.
[27] «Colapso» do SNS: António Arnaut faz apelo a Cavaco. TVI24. 8 de Abril de 2015.
[28] Urgências: «Corredores parecem Hospitais depois de um Tsunami». TVI24. 13 de Abril.
[29] «Mais camas e horários alargados para combater a Gripe a Norte.» TVI24. 24 de Janeiro de 2015.
[31] «Doenças respiratórias matam mais de 22 mil/ano em Portugal.» SIC Notícias. 23 de Novembro de 2017.
[32] «Mortes por doença respiratória sobem 25% na última década.» SIC Notícias. 23 de Novembro de 2017.
[33] Serviço Nacional de Saúde. Monitorização Diária dos Serviços de Urgência.
[34] Serviço Nacional de Saúde. Saiba os Tempos de Espera do Serviço Nacional de Saúde.
[35] «Despedimentos no Hospital de Faro em plena pandemia.» Abril Abril. 21 de Janeiro de 2021.
[36] «O desabafo de um enfermeiro sobre o caos nas urgências.» TVI24. 21 de Janeiro de 2018.
[38] «Hospitais com urgências lotadas.» RTP. 6 de Janeiro de 2015.
[39] «Hospitais lotados com horas de espera nas urgências.» RTP. 6 de Janeiro de 2019.
[40] «Caos nas Urgências. Doentes no chão e tempos de espera de 20h.» ZAP.aeiou. 1 de Janeiro de 2018.
[41] «Caos nas Urgências deixou doente 6 dias à espera de cama.» ZAP.aeiou. 4 de Janeiro de 2017.