Os reguladores não exigem que os novos Medicamentos sejam particularmente bons ou melhores que os anteriores; nem sequer exigem que sejam particularmente eficazes. Isto tem consequências interessantes no mercado em termos mais gerais, porque significa que os incentivos à produção de novos Medicamentos que melhorem a vida dos doentes são menos intensos. Uma coisa é certa: as empresas da Indústria Farmacêutica reagem racionalmente aos incentivos e, quando esses incentivos de nada servem, as empresas também não.
A fim de explorar se os novos Medicamentos representam qualquer tipo de progresso num domínio, teremos de examinar todos os que são aprovados num determinado período de tempo. Foi exactamente o que fez um artigo recente de alguns investigadores italianos. Pegaram em todos os Medicamentos com acção no sistema nervoso central que tinham sido aprovados desde que o regulador europeu começou a aprovar Medicamentos, e analisaram-nos do ponto de vista do grau de inovação.
Como o leitor já esperaria, descobriram vários problemas graves nos dados fornecidos para apoio à candidatura destes Fármacos. Todos os Medicamentos aprovados só tinham comprovado ser melhores que um placebo. Faltavam informações importantes nos relatórios dos ensaios: não havia, por exemplo, dados claros sobre o número de participantes que tinham abandonado cada ensaio, o que é uma informação importante porque ajuda a provar se um medicamento é intolerável devido aos efeitos secundários. Depois, havia problemas graves no delineamento dos ensaios. Eram, a maioria (setenta e cinco de oitenta e três), muito curtos. Também eram pequenos: nenhum dos estudos apresentados tinha participantes em número suficiente para se poder detectar com precisão uma diferença entre um tratamento disponível e um tratamento novo, nas raras ocasiões em que se tentava fazê-lo.

Os investigadores concluíram que o problema era simples: se as regras não exigem às empresas que comprovem a superioridade de um novo medicamento relativamente aos tratamentos existentes, não é provável que elas desenvolvam Medicamentos melhores.
O fenómeno dos Medicamentos “eu também” demonstra-o bem. Se se reportar a «Midodrina e Iressa: dois exemplos de aprovação acelerada e sem provas conclusivas de Fármacos», o leitor há-de ter presente que o desenvolvimento de uma molécula completamente nova, com um mecanismo completamente novo de actuação no organismo, é uma tarefa muito arriscada e difícil. Por conseguinte, quando uma empresa tem um medicamento estabelecido no mercado, é frequente haver outras a tentar produzir a sua própria versão desse medicamento: é por isso que há, por exemplo, muitíssimos antidepressivos da chamada classe dos “inibidores selectivos de recaptação da serotonina” ou ISRS. É uma aposta muito mais segura desenvolver um medicamento desse tipo.
Como esses Medicamentos “eu também” não representam, amiúde, um benefício terapêutico significativo, muitas pessoas consideram-nos um emprego esbanjador e supérfluo do dinheiro destinado ao desenvolvimento, emprego esse que pode expor os participantes a danos desnecessários não pelo progresso médico mas pelo lucro individual das empresas. Não estou inteiramente certo de que seja assim: numa classe de Medicamentos, um pode ser melhor que os outros, ou termos efeitos secundários idiossincrásicos, pelo que, nesse sentido, as imitações podem, às vezes, ser úteis. Por outro lado, não temos maneira de saber que novos Medicamentos maravilhosos poderão ser criados se incentivarmos as empresas a demonstrarem a sua superioridade. Não é fácil encontrar argumentos contra nem a favor e, por outro lado, o modelo dos economistas do impacte na inovação também nunca me satisfez plenamente.
Contudo, se acompanharmos a vida destes Medicamentos “eu também”, podemos ver que o mercado não funciona inteiramente como desejaríamos para nós, as pessoas que pagam colectivamente pelos serviços de Saúde. Seria de esperar, por exemplo, que a existência no mesmo mercado de muitos Medicamentos rivais fizesse baixar os preços, mas uma análise económica, baseada em dados da Suécia, mostrou que os Medicamentos que a FDA considera não apresentarem vantagens em relação às opções existentes são introduzidos no mercado ao mesmo preço. Outro estudo centrou-se no preço de um medicamento para a úlcera chamado cimetidina: descobriu-se que a cimetidina encareceu quando a ranitidina, da mesma classe, foi introduzida no mercado, e que os preços destes dois primeiros Medicamentos também subiram quando surgiram os competidores famotidina e nizatidina.

Talvez o exemplo mais elucidativo desta situação seja a história recente de outra classe de Medicamentos, os “inibidores da bomba de protões”, utilizados para tratar o refluxo e a azia. Como são problemas médicos comuns, o domínio é lucrativo, e o omeprazole era um dos Medicamentos mais lucrativos dessa classe. Há cerca de uma década, rendia à AstraZeneca 5 mil milhões de dólares anuais, cerca de um terço do seu rendimento total com Medicamentos. Mas a patente estava prestes a expirar e, quando os fabricantes de genéricos começassem a produzir as suas próprias pílulas com o mesmo medicamento, o preço desceria a pique e o rendimento evaporar-se-ia. Portanto, a AstraZeneca introduziu aquilo a que chamaríamos um medicamento “eu outra vez”.
Consiste em dar uma volta interessante à ideia original. Os Medicamentos “eu também” são moléculas inteiramente novas que funcionam de uma maneira idêntica às antigas; nos Medicamentos “eu outra vez”, a mesma molécula é lançada no mesmo mercado para a mesma doença, mas com uma diferença engenhosa.
As moléculas complexas podem existir nas formas direita e esquerda, os chamados “isómeros ópticos”. A fórmula química para cada uma das diferentes moléculas é a mesma, e encontraremos os mesmos átomos, na mesma ordem, ligados às mesmas partes dos mesmos elos.
A única diferença está em que uma volta particular numa cadeia segue uma direcção num isómero, e outra direcção no outro isómero, do mesmo modo que as nossas luvas, tanto a direita como a esquerda, são imagens em espelho, idênticas, feitas do mesmo material, com o mesmo peso, etc. Mas a versão direita e esquerda dos Medicamentos pode ter propriedades ligeiramente diferentes. Pode ser que a molécula só se ajuste exactamente no receptor onde exerce influência se for a versão direita. Pode ser que só se ajuste bem nos encaixes da enzima que a decomporá se for a versão esquerda. Isto influenciará o modo como actua no nosso organismo. Recentemente, e com uma frequência cada vez maior, as empresas da Indústria Farmacêutica começaram a produzir “preparados de isómero simples”, só com a versão direita, por exemplo, de um tratamento existente no nosso comprimido. As empresas declaram tratar-se de um novo fármaco, somando assim aos seus lucros um novo período de vida do medicamento coberto por uma patente.

Pode ser uma boa aposta financeira. Costuma ser fácil conseguir uma autorização de introdução no mercado, porque a forma mista do medicamento já foi autorizada, e existem muitos ensaios que comprovam que essa forma do medicamento é melhor que nada. A segunda tarefa, a de convencer as pessoas de que o isómero simples é melhor que a mistura, compete ao departamento de marketing, e talvez não esteja sujeita a um escrutínio formal muito pormenorizado por parte do regulador.
Por conseguinte, se possuem realmente diferentes propriedades no corpo, por que motivo se considera um comportamento suspeito (ou evergreening) uma empresa da Indústria Farmacêutica criar uma versão de um fármaco existente que não é mais que um isómero simples? Em primeiro lugar, como estas propriedades são muitas vezes só ligeiramente diferentes, aplicam-se aos Medicamentos “eu outra vez”
Vejamos o omeprazole, o nosso medicamento para a azia. A AstraZeneca sabia que, em 2002, iria perder 5 mil milhões de dólares anuais, um terço do seu rendimento, o que seria desastroso para os seus lucros e o valor das suas acções. Porém, em 2001, lançou o esomeprazole, que foi um grande êxito: com efeito, a AstraZeneca ainda faz 5 mil milhões de dólares anuais com o medicamento. Ocupa um dos três primeiros lugares de venda nos Estados Unidos. No Reino Unido, arrecada 44 milhões de libras por ano, mas a quantidade de medicamento que esse grande montante representa é minúscula, porque o esomeprazole novinho em folha custa dez vezes mais que a mesma quantidade do velho omeprazole todas as preocupações suscitadas pelos Medicamentos “eu também”. A seguir, há a questão do momento oportuno: é espantoso como as empresas costumam fazer sair um medicamento “eu outra vez” quando a patente do original está prestes a expirar. Também importa ter presente que, como sempre, não há bela sem senão, e que os tratamentos com efeitos benéficos também podem ter efeitos secundários. A versão direita da fluoxetina (Prozac) parecia uma grande ideia: tinha uma semi-vida mais longa que a mistura original, o que punha a possibilidade de um antidepressivo com uma única toma semanal, em vez de diária; mas também se verificou que causa uma situação chamada “prolongamento do intervalo QT“, uma alteração nos padrões eléctricos cardíacos que está associada a situações como um risco acrescido de morte súbita. Mas, por último, e o que é mais surpreendente, além destes possíveis riscos adicionais, é frequente os novos comprimidos de “isómero simples” não resultarem muito melhor que os mistos, apesar de serem muito mais dispendiosos.

Eis o aspecto curioso: o novo esomeprazole, a versão esquerda da molécula em vez da mistura de ambas as formas, não é melhor que a velha mistura existente nos comprimidos de omeprazole. A evidência é contraditória mas é claro que não existe nenhuma diferença significativa entre qualquer dos vários membros desta classe de Fármacos, e decerto que o esomeprazole não possui qualquer benefício especial surpreendente e único.
Então porque o receitam os médicos? É o poder da máquina de marketing em medicina, como não tardaremos a ver. Nos Estados Unidos, foi maciça a publicidade directa ao consumidor: a AstraZeneca gastou 260 milhões de dólares em publicidade em 2003, e a purple-hill.com, o seu site de Internet para promoção do medicamento, acabou por ser visitado por mais de um milhão de visitantes por trimestre. Mas registou-se um contragolpe considerável. A Kaiser Permanente, a gigantesca seguradora médica americana, manteve o esomeprazole fora da sua lista de Medicamentos receitáveis, depois de decidir que era injustificadamente dispendioso. Thomas Scully, responsável pela Medicare e a Medicaid,[1] fez discursos, explicando que o medicamento era um desperdício de dinheiro, mas, sem poder para controlar o que é receitado nas duas organizações, assistiu a gastos anuais de 800 milhões de dólares neste fármaco extremamente caro. Quando afirmo que Scully fez discursos, falo em tiradas como esta: “Qualquer médico que receite Nexium (a denominação comercial do esomeprazole) devia ter vergonha na cara.” A AstraZeneca queixou-se dele à Casa Branca e ao Capitólio. Scully afirma que foi alvo de pressões para “fechar a boca”.Não o fez.
NOTA:
[1] Programas de seguros de saúde nos Estados Unidos: o primeiro, nacional e administrado pelo governo federal, abrange cidadãos americanos com mais de 65 anos e pessoas com incapacidade, independentemente da idade, bem como doentes com certas patologias; o segundo, com financiamento federal e estadual, e administração estadual, destina-se a famílias e indivíduos com baixos rendimentos e recursos, desde que sejam cidadãos americanos ou residentes permanentes legais. (N. da T.)