Foi no dia 13 de Setembro de 2014 que o mundo ficou a saber, através de um despacho da Associated Press (AP), que o Estado Islâmico, a organização jihadista cujos métodos selvagens provocaram o repúdio até da Al-Qaeda, tinha um concorrente ainda mais perigoso, o Grupo Khorasan. A agência de notícias afirmava que (até então) a desconhecida organização, formada por “endurecidos jihadistas do Afeganistão, Iémene, Síria e Europa”, representava “uma mais directa e iminente ameaça aos Estados Unidos, trabalhando com iemenitas especialistas em fabricar bombas para atacar aviões americanos”.
A AP, citando sempre anónimas autoridades dos EUA, afirmava ainda que o grupo tinha ligações com a Frente Nusra, “filial síria da Al-Qaeda”, e que os veteranos procuravam recrutar europeus e norte-americanos cujos passaportes lhes permitissem embarcar em aviões de companhias dos EUA com as sofisticadas bombas iemenitas, capazes de passar despercebidas aos detectores. Por isso, dizia a AP, o grupo era considerado pelos organismos dos EUA “uma ameaça mais imediata”.
O despacho da Associated Press deu a partida a uma catadupa de artigos, todos reproduzindo acriticamente as informações dos “spin doctors” de Washington. Os jornalistas dos principais jornais e redes de televisão subitamente demonstravam ter vasta informação sobre o novo grupo terrorista, incluindo a origem do nome, uma região histórica englobando o nordeste do Irão, o sul do Turquemenistão e o norte do Afeganistão. Khorasan significa “A terra do Sol”, informava o Washington Post.
Logo as referências ao novo grupo terrorista passaram do off ao on: “Em termos de ameaça ao território nacional, o Khorasan pode representar tanto perigo quanto o Estado Islâmico”, advertiu James Clapper, director nacional dos serviços de Informações, no dia 18 de Setembro.
James Comey, diretor do FBI, disse em entrevista ao programa 60 Minutes, da rede CBS, que o “Khorasan estava e pode estar ainda a fazer um esforço para atacar os Estados Unidos e os nossos aliados, procurando fazê-lo muito, muito brevemente”, acrescentando que “não posso ficar aqui sentado e dizer-lhe que eles planeiam atacar amanhã, ou daqui a três semanas ou meses… Temos de agir como se fosse amanhã”.
E foi o que os aviões dos EUA fizeram no dia 23 daquele mês: bombardearam alvos na Síria, anunciando que um dos ataques tivera como alvo o Grupo Khorasan e os seus campos de treino, instalações de fabrico de bombas e centrais de comunicações.
O próprio Barack Obama explicou que os membros do Grupo Khorasan eram “experientes operativos da Al-Qaeda na Síria”, justificando os bombardeamentos como uma resposta aos que “conspiram contra a América” e “ameaçam o nosso povo”.
Um porta-voz do Pentágono anunciou então que como resultado do raide aéreo tinham sido eliminados os indivíduos que preparavam o ataque.
“Não sei o que significa iminente”
Até que, subitamente, os mesmos jornalistas que tinham dado como certo o perigo representado pelo novo grupo terrorista começaram a mudar o discurso. O mesmo jornalista da AP que fora o primeiro a anunciar a ameaça iminente do Grupo Khorasan, escreveu um novo artigo a dizer que “as autoridades dos EUA dão uma versão com mais nuances sobre as ameaças do Khorasan”.
James Comey desconversou quando inquirido sobre a ameaça iminente representada pelos novos terroristas: “Não sei exactamente o significado dessa palavra, iminente’”.
O porta-voz do Pentágono defendeu os bombardeamentos aéreos e afirmou: “Acertámos neles. E não me parece que tenhamos de trazer um dossier para provar que estes tipos são maus”.
Mas, no início de Novembro, o International Business Times observava que “o Grupo Khorasan desaparecera da retórica Política dos EUA, levantando dúvidas sobre a sua existência”.
Richard Engel, jornalista da NBC, que antes advertira no Twitter acerca da ameaça que representava o Grupo Khorasan, publicou outra mensagem: “activistas sírios dizem-nos que nunca ouviram falar de Khorasan ou do seu líder”.
A falsa ameaça
Entrou 2015 e mais ninguém falou do misterioso Grupo Khorasan.
Para os jornalistas Glenn Greenwald e Murtaza Hussain, do The Intercept, que juntaram as peças do puzzle na reportagem “A falsa ameaça de terror para justificar o bombardeio da Síria”, a invenção do novo grupo foi uma forma de angariar apoio da opinião pública para uma campanha de bombardeamentos aéreos sem autorização do congresso e sobre uma organização, o Estado Islâmico, que não representava uma ameaça directa ao povo dos EUA.
“A administração Obama precisava de uma argumentação propagandística e legal para justificar o bombardeio de mais um país predominantemente muçulmano. Apesar de as emoções em relação às decapitações executadas pelo EI serem altas, não eram suficientes para sustentar uma nova longa Guerra”, explicaram os autores da reportagem do The Intercept.
Assim, os “novos, experientes e endurecidos terroristas” deram entrada em cena, apenas para desaparecerem um mês depois. A operação contou com o apoio dos Meios de Comunicação Social, que não se preocuparam com o cruzamento de fontes e limitaram-se a repetir o que as assessorias oficiais lhes diziam.
E foi assim que o “novo inimigo”, o grupo terrorista “pior que o Estado Islâmico”, apareceu e se evaporou.
Fonte: Esquerda.net