Em 21 de Julho de 2005 saiu uma reportagem no The Wall Street Journal, elaborado pela repórter Jane Spencer, que dá conta de uma ligação entre o sucesso nas apostas de risco feitas nos mercados financeiros e ausência da capacidade de sentir emoções nos seres humanos.
A reportagem:
Um estudo inusitado explora as relações entre as emoções e os resultados; É a “Neuroeconomia” em Wall Street.Pessoas com certos tipos de danos cerebrais podem tomar melhores decisões de investimento. Essa é a conclusão de um novo estudo que oferece algumas evidências de que emoções misturadas com investimento podem levar a maus resultados.
Ao ligar a Neurologia ao comportamento do investimento, os pesquisadores concluíram que as pessoas com uma capacidade diminuta para sentirem emoções são, sob certas circunstâncias, as que conseguem tomar melhores decisões a nível financeiro. A pesquisa é do âmbito de um campo interdisciplinar de rápido crescimento, chamado “Neuroeconomia“, que explora o papel que a Biologia tem na tomada de decisões a nível económico, ao combinar insights de Neurociência Cognitiva, Psicologia e Economia. O estudo foi publicado no mês passado no jornal Psychological Science, e foi conduzido por uma equipa de pesquisadores da Universidade Carnegie Mellon, da Stanford Graduate School of Business e da Universidade do Iowa.
Os 15 participantes com danos cerebrais que foram o foco do estudo tinham um QI normal, e as áreas do cerebro responsáveis pelo raciocínio lógico e cognitivo estavam intactas. Mas apresentavam lesões na região do cerebro que controla as emoções, o que inibia a sua capacidade de experienciar sensações básicas tais como o medo ou a ansiedade. As lesões foram causadas por uma série de factores, incluindo acidente vascular cerebral e doença, que foram responsáveis por um grau semelhante de enfraquecimento da parte emocional dos vários participantes.
O estudo sugere que a carência de resposta emocional por parte dos participantes, conferiu-lhes no entanto, uma vantagem quando jogaram a um jogo simples baseado em investimento. Os jogadores cuja parte emocional se encontra danificada foram os que se apresentaram com maior predisposição a efectuar jogadas com retornos elevados, devido à ausência de medo. Os jogadores que não apresentam danos no cérebro foram mais cautelosos e reactivos ao longo do jogo e acabaram com menos dinheiro ganho no final.
Alguns neurocientistas acreditam que os bons investidores podem ser excepcionalmente hábeis em suprimir as reacções emocionais. “É possível que as pessoas que são negociadores de alto-risco ou bons investidores possam ter aquilo a que se chama uma psicopatia funcional”, afirma Antoine Bechara, um professor de Neurologia da Universidade de Iowa, e co-autor do estudo. “Eles não reagem às coisas de forma emocional. Os bons investidores podem aprender a controlar as suas emoções em determinados aspectos para se tornarem como essas pessoas.”
O estudo demonstra como é que a Neuroeconomia pode oferecer respostas a uma questão que se está a tornar um foco crescente da investigação económica: Porque é que as pessoas nem sempre agem segundo o seu próprio interesse quando estão a tomar decisões económicas?
Embora este campo de pesquisa ainda esteja na sua infância, os investigadores esperam que a Neuroeconomia possa um dia oferecer dezenas de aplicações no mundo real – Como dar explicação à forma como a química do cérebro influencia fenómenos do mercado tais como bolhas de especulação e pânico dos investidores. Os executivos de Wall Street já estão a prestar atenção aos resultados, já que estes oferecem respostas acerca do que motiva os investigadores.
“Este ramo de investigação e inquérito económico está realmente a ficar mais forte e a aumentar a nossa compreensão acerca do comportamento do investidor”, admite David Darst, chefe da Estratégia de Investimento do Grupo de Investidores Individuais da Morgan Stanley. “Está a começar a influenciar as nossas decisões táticas.”
Usando tecnologia de imagiologia cerebral sofisticada como a ressonância magnética, ou RM, entre outros testes e ferramentas, os neuroeconomistas espreitam dentro dos cérebros das pessoas para poderem vislumbrar que regiões são activadas quando enveredamos em comportamentos tais como avaliação de riscos e recompensas, tomadas de decisão e cooperação com outras pessoas. Os investigadores de Neuroeconomia também exploram a actividade do cérebro, medindo os quimicos cerebrais e explorando o quão danificadas estão as regiões do cérebro especificamente relacionadas com as tomadas de decisões com influência na economia.
A Neuroeconomia cresceu fora de um campo relacionado chamado Economia Comportamental. Os economistas comportamentais usam insights da Psicologia e de outras Ciências sociais para estudar porque é que os humanos não se comportam de forma sempre tão previsivel como os modelos económicos sugeriam que fosse.
No final dos anos 90, quando as ligações entre a Psicologia e a Neurobiologia estavam firmemente estabelecidas, os economistas comportamentais começaram a tornar-se neurocientistas, além de psicólogos, para ajudar a explicar o comportamento humano. A ideia era a de que, se a química do cérebro podia explicar Fenómenos tais como a depressão ou o transtorno do défice de atenção, ela também poderia ajudar a explicar as funções psicológicas mais mundanas, tais como o que leva as pessoas a tomarem certas decisões financeiras.
Os economistas comportamentais, tais como Daniel Kahneman de Princeton, que ganhou o Prémio Nobel da Economia em 2002, começaram a iniciar parcerias com neurocientistas, tais como Peter Shizgal da Univesidade de Concordia em Montreal. Num estudo, esta dupla usou jogos de azar e técnicas de neuroimagiologia para perceber que partes do cérebro são accionadas quando as pessoas antecipam o ganho de dinheiro. Descobriram que as recompensas monetárias activam a mesma actividade cerebral que é accionada quando se escuta música agradável ou se consome drogas que causam dependência.
Os 41 participantes no novo estuado implicaram pessoas com e sem danos cerebrais, incluindo um grupo de controlo de participantes com danos cerebrais que não afectavam o seu processamento emocional. Aos jogadores era-lhes dado 20 doláres e foi-lhes pedido que jogassem a um jogo simples de apostas que envolvia 20 rondas de arremesso de uma moeda ao ar. Se vencessem uma ronda do jogo da moeda, ganhariam 2,50 dólares. Se perdessem, teriam de entregar um dólar. Poderiam escolher não jogar em qualquer uma das rondas, sendo que nesses casos não ganhariam nem perderiam qualquer dólar.
A lógica indica que a melhor estratégia seria ir a jogo em cada uma das rondas do jogo, pois o retorno numa vitória era muito maior do que as perdas potenciais, e o risco em cada ronda era de 50-50. Os jogadores com danos cerebrais relacionados com a emoção enveredaram por uma estratégia mais lógica, investindo em cerca de 84% das rondas, enquanto que os jogadores sem danos cerebrais investiram em apenas 58% das vezes. Os participantes com debilidades no aspecto emocional superaram os participantes sem danos cerebrais, com ganhos de 25,70 dólares, em oposição aos 22,80 ganhos pelos segundos, no final do jogo.
Os pesquisadores acreditam que o medo teve muita influência no fraco desempenho dos participantes sem danos cerebrais. “Se você observasse essas pessoas… elas sabem que o melhor a fazer é investir em todas as rondas”, afirma Baba Shiv, um professor de Marketing da Stanford Business School e co-autor do estudo. “Mas quando entram realmente no jogo, começam a apresentar reacções aos resultados das rodas anteriores.”
Não obstante, as emoções podem desempenhar um papel útil na tomada de decisões financeiras. Enquanto que os jogadores com danos cerebrais sairam-se bem no jogo específico experimentado no estudo, não são capazes de obter desempenhos tão bons no que diz respeito a tomar decisões financeiras no mundo real. Três dos quatro jogadores com danos cerebrais já passaram por casos de falência pessoal. A sua incapacidade de sentir medo levou-os em busca de comportamentos de risco, e a ausência de julgamento emocional levou-os por vezes a perderem-se com pessoas que se aproveitaram deles. A sua experiência de vida sugere que as emoções podem, de facto, desempenhar um papel importante na protecção dos nossos interesses, mesmo que por vezes interfiram na tomada de decisões racionais.
Os seres humanos desenvolveram a resposta do medo como um mecanismo de sobrevivência, para se protegerem de predadores. Mas num mundo no qual os predadores não espreitam em cada esquina, este sistema de medo pode tornar-se hiper-sensitivo, reagindo a perigos que não existem realmente e levando-nos a tomar escolhas ilógicas.
“Não havia algo semelhante a uma fotografia na Era do Pleistoceno“, diz George Loewenstein, um professor de Economia na Universidade Carnegie Mellon, e co-autor do estudo. “Mas os seres humanos são patologicamente aversos ao risco. Muitos dos mecanismos que conduzem as nossas emoções não são assim tão bem adaptados à vida moderna.”
Fonte: The Wall Street Journal
Artigo Original: http://online.wsj.com/article/0,,SB112190164023291519,00.html