«Os barcos podem ser feitos para se movimentarem sem remos ou remadores, para que as embarcações de grande porte possam viajar por mares e rios, com um só homem ao leme, mais velozes do que conduzidas por vários.»
– Roger Bacon, prevendo os navios a vapor, 600 anos antes da sua invenção.
«Vi coisas que não posso contar e que nenhum homem alguma vez viu.»
– Robert Nixon, o profeta de Cheshire, ao sair de um transe.
O sucesso das profecias do personagem Merlim de Geoffrey of Monmouth desencadeou um êxito extraordinário do género que abrangeu toda a Idade Média até aos Séculos XVI e XVII. A moda foi sobretudo notória na Grã-Bretanha. Muitas das previsões (e eram literalmente centenas) assumiram, com o passar do tempo, vida própria. Circulavam de boca em boca e eram, muitas vezes, atribuídas a diferentes fontes. Por volta do Século XVII, editores empreendedores começaram a lançar colecções: Sundry Strange Prophecies of Merlin, Beda, Becket and Others foi publicada em 1652. Os augúrios eram, por norma, exprimidos em termos alegóricos. Seguindo o modelo criado por Geoffrey of Monmouth, eram povoados por dragões, águias, lobos e leões brancos e cada intérprete era livre para determinar a referência pretendida.
Dezenas de indivíduos, hoje em dia pouco conhecidos, como Truswell, Otwell Binns e Old Harlock, foram, com o passar dos anos, reconhecidos como autores das previsões, mas ainda houve alguns nomes que ficaram esquecidos. Um deles é Thomas de Erceldoune (hoje Earlston, perto de Melrose, na fronteira inglesa com a Escócia), mais conhecido como Thomas, o Versejador.
Thomas existiu na vida real; foi autor do romance arturiano em verso, Sir Tristram. As suas profecias estavam sobretudo associadas à história escocesa. Uma que parece ter contribuído para a sua reputação refere-se à morte do rei Alexandre III, em 1286. Sabendo da capacidade premonitória de Thomas, um nobre de nome Lorde March pediu-lhe uma previsão sobre o que o dia seguinte lhes reservaria. Thomas respondeu: «Antes do entardecer, cairá uma tempestade tal como a Escócia há muitos anos não sente.» O dia seguinte amanheceu solarengo e sem nuvens; Lorde March zombava com o profeta pela sua imprecisão quando chegou um mensageiro com a notícia de que o rei, um homem já muito vivido cujo reinado fora uma autêntica época de ouro, morrera num acidente. O cavalo do rei lançara-se de um despenhadeiro. «Foi esta a tempestade que previ», afirmou Thomas, «e assim será na Escócia.»
Com o tempo, as lendas foram crescendo em redor do nome de Thomas, confirmando assim a sua clarividência para origens sobrenaturais. Uma conhecida balada entoada na região fronteiriça entre Inglaterra e Escócia descreve como, certo dia, ao caminhar pelas colinas de Eildon, encontrou a rainha do país das fadas que o levou no dorso do cavalo para o seu reino subterrâneo, onde permaneceu durante sete anos proibido de falar. Quando teve finalmente permissão para regressar a casa, foi-lhe concedido o dom de dizer a verdade, quer sobre o passado, presente ou futuro, o que em pouco tempo lhe valeu a reputação de profeta. Porém, a sua liberdade nunca era total sob domínio da fada que, um dia, mandou um cervo para as ruas de Earlston como sinal de que Thomas deveria regressar. Ele partiu nesse mesmo instante e nunca mais foi visto por ninguém.
O «doutor admirável»
Roger Bacon foi um contemporâneo de Thomas de Erceldoune, tendo ambos nascido por volta de 1220 e vivido até 1290. Em outros aspectos, porém, não poderiam ter sido mais diferentes. Bacon foi um intelectual brilhante que estudou em Oxford e Paris e se dedicou a vários campos do conhecimento: não só Matemática, Astronomia e Óptica, mas também Alquimia e Astrologia, que, na altura, eram ainda tidos como temas legítimos de estudo.
Depois de dar aulas em Paris durante alguns anos, Bacon regressou a Oxford, em 1247, para se dedicar à pesquisa científica. Ao interessar-se pelas profecias de Joaquim de Fiore, resolveu aliar-se à ordem franciscana, fundada alguns anos antes por influência de De Fiore, o que se revelou ser uma decisão infeliz. Bacon não se sentiu à vontade com as normas exigidas dentro da ordem, que, por sua vez, viam as suas especulações intelectuais com cada vez mais suspeita. Acabou na prisão, por insistência dos monges, por «inovações suspeitas» nos seus ensinamentos. Morreu frustrado e amargurado.

Ao contrário das visões de Thomas, as profecias de Bacon seguiam uma linha de previsões bem mais racional, embora extraordinariamente previdente. Trabalhou com lentes e pólvora e previu a utilização futura destas, respetivamente, em telescópios e microscópios e em canhões. Especulou, ainda, sobre a possibilidade de o Homem voar, propondo um balão de ar quente (feito a partir de chapa fina de cobre e impulsionado por «fogo líquido») e visionando uma máquina voadora na qual um homem, «sentado à vontade e a meditar num qualquer assunto, pode viajar pelo ar com asas artificiais». Previu máquinas que subiriam paredes, os elevadores, e outras que permitiriam que os homens «andassem no fundo do mar». Tal modo de pensar inovador, juntamente com os estudos alquimistas e astrológicos, valeu-lhe a reputação duradoura de possuir poderes mágicos. Na época em que foi criada a popular comédia Isabelina «Friar Bacon and Friar Bungay», escrita por Robert Greene em 1590, Bacon era considerado um mago consagrado, sendo-lhe ainda atribuída a invenção de uma cabeça de bronze com o dom da fala. Foi um final injusto para um intelectual que recebeu em vida o título de Doctor Mirabilis, «doutor admirável» em latim.
O bobo de Cheshire e Mother Shipton
Dois profetas ingleses mais humildes, recordados muito depois das suas mortes, foram Robert Nixon e Ursula Southiel, conhecida ainda hoje pelo sobrenome de casada, Mother Shipton. Segundo consta, Nixon era considerado um bobo da aldeia: feio, taciturno, preguiçoso e glutão. Nascido no condado de Cheshire em 1467, conseguiu trabalho a guiar cavalos que puxavam charruas e chamou a atenção pela primeira vez ao prever com sucesso a morte do boi premiado do patrão. A notícia dos dons proféticos de Nixon chegou aos ouvidos da importante família Cholmondsley, que tentou, em vão, instruí-lo. Ele acabou por regressar à lavra, porém o seu trabalho era ocasionalmente interrompido por longos períodos de inatividade, durante os quais parecia entrar em transe. Com base nas visões, não só previu tempestades e inundações locais, como também acontecimentos importantíssimos da futura história europeia, como a Guerra Civil Inglesa e a Revolução Francesa.
Certo dia, em 1485, Nixon atraiu atenções ao parar de trabalhar e embarcar numa luta simulada com inimigos invisíveis, enquanto gritava os nomes «Ricardo» e «Henrique», terminando com a vitória do segundo. Dois dias depois, chegaram mensageiros para anunciar que a Batalha de Bosworth fora travada aquando do ataque de Nixon. A vitória de Henrique VII sobre Ricardo III acabara assim com a Guerra das Rosas e estabeleceu a dinastia Tudor no trono da Inglaterra.
Como ocorre tantas vezes na história da Profecia, os talentos do profeta de Cheshire deram-lhe fama, mas poucas alegrias. A notícia das suas capacidades chegou aos ouvidos do rei Henrique, que o chamou à corte e ordenou que um escriba o acompanhasse sempre, no caso de ter um acesso de inspiração. A gula de Nixon foi, contudo, a sua desgraça. Continuou a roubar comida e, um dia, quando o rei tinha saído para a caça, um cozinheiro irritado trancou o profeta na cave e esqueceu-se dele lá. O rei regressou duas semanas depois e perguntou pelo profeta, mas já era demasiado tarde para salvar Nixon: morrera de desidratação e fome.
As profecias de Mother Shipton sobreviveram em papel e a caverna onde supostamente as pronunciou é, ainda hoje, atracção turística. A sua profecia mais conhecida foi a do destino do principal ministro de Henrique VIII, o cardeal Wolsey. Quando perdeu o prestígio junto do rei e estava de regresso ao antigo cargo de arcebispo de York, Mother Shipton insistiu que ele não chegaria à cidade. De facto, a 12 quilómetros do destino, foi chamado de volta a Londres para responder a acusações de traição, tendo morrido no caminho. Contudo, visto que todas as previsões atribuídas a Mother Shipton foram publicadas 180 anos após a sua morte, é impossível comprovar se são ou não genuínas. A maior parte parece ter sido inventada depois do acontecimento.
Um fim extemporâneo
Tal como Roger Bacon, Michael Scot (cerca de 1175 a 1230) foi um intelectual dotado que ganhou prestígio como mago. Além de traduzir Aristóteles, Scot estudou em vários países e foi professor do brilhante livre-pensador e imperador do Sacro Império Romano, Frederico II. Scot escreveu, ainda, várias obras sobre Astrologia, ganhando um lugar entre os feiticeiros de Inferno de Dante. No entanto, as histórias narram que os seus talentos ocultos não o salvaram de um fim extemporâneo. Tendo previsto que morreria devido a um golpe na cabeça, passou a usar sempre um capacete de ferro como protecção. Certo dia, porém, ao ir à igreja com o imperador, foi forçado a tirar o capacete em sinal de respeito. Durante a cerimónia, caiu um tijolo do teto, matando Scot, tal como ele próprio previra.
Fonte: Livro «As Profecias que Abalaram o Mundo» de Tony Allan